sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

GUIA DE COMO ESCOLHER O SEU TOCA DISCOS


Technics SL 1200G
Direct Drive, Belt Drive, Anti-Skating, Torn-Arm, Torque, Quartz-Enhanced, Pitch Control, e segue a lista de itens, especificações e mais informações que qualquer manual on line pode te ajudar, ou te complicar a vida.


Numa prévia introdução, esse tipo de artigo, ou texto, é relativamente a dissertação de diversas experiências, de alguém - como eu, que já tocou por alguns bons anos, e já teve em mãos bons equipamentos, ótimos equipamentos e o menos apropriado - digamos assim, que alguém pode oferecer a um DJ ou alguém que trabalhe com música, e usa mídias analógicas para reprodução.

90% de tudo que eu fiz no decorrer de um período como realizando eventos, foi utilizando vinil como matéria prima e ferramenta de trabalho, e aprendi (obrigatoriamente) a lidar com o equipamento disponível nos lugares que passei. E como diz um ótimo ditado; "Ninguém nasce sabendo", então como sempre a melhor dica é, aproveite e troque experiências boas e ruins, certeza absoluta que sua vida vai ficar mais fácil.

Nesse texto especificamente vou falar de Toca Discos, o maior amigo (ou inimigo) do vinil depois da agulha.

Dica 1: Ao pensar em adquirir um toca discos; compre uma agulha nova, feltro (slipmat) e adaptador para compactos. E se você pensa em fazer eventos, esse material é igual roupa; Você não empresta, mas se emprestar é por sua conta e risco.


Genericamente, antes de comprar qualquer equipamento, pense no seguinte: "O que eu preciso, para que eu preciso, e quando pode ser que eu não vá precisar mais." Simples assim, 'o que', 'para que', 'quando'. Se é um equipamento periférico, o 'para que' e 'quando' pode ser para depois, a não ser que seja essencial para aquilo que vai fazer e mostrar, ou possa comprometer o resultado final. O melhor sempre, é ter suas variáveis, porque não é todo lugar hoje em dia que oferece uma estrutura apropriada para música mecânica, analógica ou eletrônica.

Voltemos ao toca discos, e pense seriamente no 'no que vou fazer'; djing, juggling, turntablism, mixar com cdj's, mixar com dois toca discos, mixar com três ou quatro toca discos… Pense! E se possível desenhe, e anote o que deseja para visualizar o que quer realizar.

Dica 2: Não adianta comprar olhando a marca, pode ser que encontre uma Garrard-Gradiente de 1970 com a caixa de madeira, e apenas deram uma lustrada nela, e até podem dizer que é um bom toca discos, mas se não tiver passado por uma boa revisão, e utilizar uma agulha de boa - e de preferência ótima qualidade, ela pode degradar seu discos fácil. E não adianta dizer também, que a Technics SL 1200 é ótima após quase 30 anos de uso sem revisão, porque o DJ que usava ela para treinar 'nunca tirou de casa'. Tenha certeza do que está comprando, e se possível compre com especialistas, ou com a indicação de alguém que trabalha há tempos com esse tipo de equipamento.

Já que falamos da Technics SL 1200 MK2, vou te dizer rápido e rasteiro porque todo DJ da antiga, ou da nova vai te dizer o porque é o melhor toca discos; Porque ela é! É verdade que "porque ela é", é uma resposta sem muito argumento eu sei, mas a MK2 tem alguns atributos que outros toca discos não tem, e nesse caso você pode pensar nela como qualquer tipo de equipamento ou produto, um carro, um eletrodoméstico, uma câmera, etc.

Um ponto preponderante sempre: é esse toca discos que você vai encontrar na maioria dos lugares onde se usam toca discos. É muito mais fácil utilizar um equipamento para trabalhar, se treinar com o mesmo equipamento em casa. Os principais atributos que você pode analisar ao pensar em comprar um equipamento como a MK2 em relação a outros toca discos;

  • Custo x Benefício
  • Peças sobressalentes
  • Assistência Técnica (Se ela existe)
  • Custo da Manutenção
  • Revenda
  • Durabilidade
  • Depreciação

Manuseio: Se comparar uma Technics SL 1200 MK2 com uma Garrard 4HF, que são dois modelos clássicos. Posso te dizer, de forma muito categórica, que você não vai conseguir fazer com uma 4HF com o que você faz com uma MK2. Pois a aplicação de cada toca-discos é diferente, e você não consegue achar as peças de uma 4HF facilmente no Centro de São Paulo, ou qualquer centro do país. Enquanto a MK2 é tida como um equipamento próprio para DJ's devido sua construção e por causa do seu rotor, uma Garrard 4HF (Idler Wheel Motor) é diferente de um toca discos de correia, a 4HF digamos assim, é um equipamento para audiófilos devido suas especificações técnicas.


E são esses detalhes que você deve se atentar e buscar, ao querer escolher qual equipamento você tem intenção de adquirir, para tocar os seus preciosos discos de vinil. Abaixo eu vou descrever de forma bem rápida e objetiva, as principais especificações de um toca discos, e provavelmente o que você deve se atentar, e as vezes porque escolher e porque não escolher um toca discos com determinada especificação (e tenha certeza que essa escolha vai diferenciar e muito o resultado final de como você quer soar):

Tipo do Motor (Drive Method)

Belt Drive


São os toca discos que tem um motor elétrico, correia e polias. O motor elétrico gera energia mecânica, que gira a polia onde está acoplado a correia de borracha. Simples assim. Tão simples que o algumas tem um valor bem em conta, e outras muito em conta.  Esses toca discos normalmente geram rotações de 33 1/3 RPM, 45 RPM ou 78 RPM. Um ponto positivo eu já disse,  o preço. Outro ponto positivo e que como grande parte são Monofônicos e alguns são Stereo, você não tem reverberação ou feedback tão proeminente.

Os problemas acontecem com o tempo, a cinta de borracha que faz o prato girar, pode desgastar ou ressecar e ela vai perder velocidade (ou ganhar velocidade), não tendo exatidão na rotação desejada. Isso altera a música e sendo assim, não vai dar baile. O braço de plástico não ajuda, sendo muito leve para alguns títulos, principalmente os mais antigos e em condição VG ou inferior. (Leia mais sobre qualidade/estado dos discos nesse artigo >>> COMO AVALIAR A QUALIDADE/ESTADO DO VINIL).

Se um dia pensar em usar um toca discos Belt Drive para tocar em eventos, seja como base para DJing (um belt drive e outro direct drive), ou para aquele formato contemporâneo que é utilizado em sistemas de som, com apenas um toca discos ligado na mesa ou pré amplificador, lembre de 'cortar' o 'automático'. Muitos modelos tem um mecanismo que levanta e traz o braço do toca discos a posição de descanso automaticamente. E você absolutamente, não deve deixar esse mecanismo funcionando para tocar discos em um evento.

Direct Drive 


Nesse modelo, o motor (ou rotor) é conectado diretamente ao prato (plate) do toca discos. O acionamento é imediato, e os modelos atuais tem sua variação de troque. A maior vantagem de um toca discos direct-drive contra os toca discos belt-drive é a redução do desgaste do equipamento. Ele tem uma durabilidade muito maior, e se bem cuidados, tem uma manutenção reduzida também. Diferente do belt-drive, onde o rotor faz o acionamento e uma correia é conectada entre o motor e o prato do toca discos, o direct-drive é literalmente o que o termo diz; direcionamento direto digamos assim.


O modelo mais encontrado (eventualmente) em todos os lugares que você um dia pode tocar é a Technics SL1200 MKII. Outras marcas já desenvolvem equipamentos de qualidade como a Numark (linha TT), Stanton, e a Pioneer. Essa última já melhorando periodicamente seu modelo de entrada a PLX já está, digamos assim, muito parelha aos modelos SL1200.

A maior dica desse tipo de equipamento, é o raciocínio óbvio já citado; O que você vai que fazer? Vai ser um DJ que vai focar no Turntablismo?… Escolha as Technics, são elas as mais utilizadas para competições e técnicas avançadas. E você deve utilizar em outros lugares o mesmo equipamento que tem em casa (eu sei que já disse isso acima).

Vai ser um DJ que vai fazer set's em casas noturnas?… Um pouco de técnica de mixagem sempre é bem vinda, as Technics MK2 são as mais encontradas obviamente (você vai se deparar com algumas com mais de 20 anos de uso fácil), mas pode ser que encontre Numarks, Stanton's, as Pioneers, Vestax ou Audio Technica, dependendo do lugar talvez alguma marca estranha pode aparecer. Nesse caso, tente se familiarizar com diversos modelos. O mais importante é ter uma certa memória do torque que cada uma tem, algumas tem mais outras menos torque, o que pode alterar a maneira que você vai mixar entre uma música e outra.

Vai ser um seletor de um toca discos só?… Então se preocupe com o balanceamento entre agulha e o braço do toca discos. Na maioria das vezes os toca discos mais usados (infelizmente) são os caseiros ou encontrados com preços mais em conta. Nesses casos, sempre é bom chegar antes, checar o toca discos, agulha, o alinhamento e o peso do braço no vinil. Braços muito pesados, ou braços muitos leves tendem a danificar o vinil. O alinhamento é a chave principal, para tudo correr bem.

Garrard 4HF - Idler Wheel

Idler Wheel 


É o tipo de rotor usado pela Garrard 4HF*, mas esse tipo de equipamento é raro (e caro), e não muito utilizado. O equipamento é um pouco mais sensível que outros, ele é realmente um modelo caseiro, em eventos é bom ter um certo cuidado. Ele funciona de uma forma um pouco diferente dos toca discos de correia. Esse tipo de rotor funciona a base de polias de borracha, com um funcionamento que lembra o de um cambio de carro.

*Toca discos clássico utilizado por Jah Shaka nos primórdios de seu sistema de som, ficou famoso pelas fotos nos sound systems dos início dos anos 70. Atualmente Jah Shaka e muitos outros seletores, já partiram para modelos como a SL 1200 ou outras marcas com motores direc-drive.

O motor desse toca discos fica na extremidade do prato, girando polias de 3 tamanhos para controle de velocidade (33 rpm, 45 rpm e 78 rpm), ao se alterar a velocidade, ele altera a polia, sendo uma fixa girando o prato do toca discos na extremidade. Sua maior vantagem, é que como ele tem uma quantidade de componentes elétricos reduzidos, a ressonância é invariavelmente menor que o modelo direct-drive, e dependendo do seu conjunto de equipamentos, a montagem e a regulagem e equalização de som usando um toca discos desse modelo, é muito mais rápida. 

Não vou gastar muito tempo descrevendo, porque é um modelo pouco usado, e se eu disser que indico, vou mentir para você. Considero mais legal ter do que trabalhar com um equipamento vintage desse tipo.


Diâmetro do Prato (Turntable Platter)

Existem toca discos belt-drive como a Vestax Handy Trax que tem pratos de 7 polegadas (7" ou 7inch). Esses você até pode optar para fazer algo muito básico, como tocar apenas discos compactos. Agora para tocar discos de 10" ou 12" sempre prefira os toca discos com pratos de 12". A instabilidade dos toca discos com pratos de 7" podem chegar a danificar seus discos 10" ou 12". Em casa é sempre okay usar um toca discos desse se for apenas ouvir de forma tranquila, mas se for pensar em mixar ou brincar com algo do tipo. Tenha extremo cuidado com os discos de vinil, cheque a agulha periodicamente, mantenha um feltro de 7" para proteger o vinil do contato com a borracha e o  prato do toca discos. De qualquer forma você encontra toca discos padrão com o mesmo preço de um com prato de tamanho 7".


Velocidade (Turntable Speed)

Obrigatório ter ao menos as rotações 33 rpm e 45 rpm, 78 rpm e demais rotações são opcionais, o que depende da sua coleção de discos. Se for trabalhar com vinil (diga-se vinil a mídia, e não é Serato ou qualquer outra controladora), você precisa ter essas duas rotações. E de preferência que seu toca discos tenha a luz estroboscópica no prato, para conseguir controlar com a exatidão a rotação que quer do vinil.


Oscilador de Rotação (Variable Range Pitch)

Apesar de muitos não usarem, o controle de Pitch é um dos utensílios mais importantes do toca discos. Existe uma pequena varrição de rotação entre a matriz e o toca discos, e o controle de Pitch é o que vai fazer o vinil soar como ele deve soar, ou como você quer que ele soe. A miragem depende da rotação (para mais ou para menos), e o seu ouvido que é muito importante, vai utilizar o controle de pitch para corrigir algo se estiver soando diferente. A luz estroboscópica do prato vai te dizer se o controle do Pitch está no ZERO, ou se está adiantando ou atrasando o prato, através dos pontos em movimento do prato, em sentido horário ou anti horário. 


Torque (Starting Torque)

Esse é o maior amigo do turntablista, e o amigo mais confiável de quem toca com apenas um toca discos também. Pesquisar e sentir a força do motor, é um dos critérios que você deve ter para adquirir um equipamento. Torque nada mais é do que a força quantificada do motor, que faz o prato sair da posição parada para girar. É como um carro, quanto maior o torque, mais forte é a 'arrancada'.

Isso não quer dizer que um toca discos com torque menor, é melhor ou pior do que outro. Tudo vai depender do que você precisa. Se você não tem o hábito de tocar com um toca discos com mais de 3.7kg/cm de força, e prefere os que variam entre 1kg/cm ou até 1.5kg/cm, se você utilizar um mais agressivo digamos assim, pode danificar a agulha ou até mesmo o vinil no movimento realizado sobre o vinil.

Teste absolutamente todo o equipamento, leia o manual e toda a especificação técnica. Além disso pegue, peça para ver o equipamento funcionando. Existem no mercado até mesmo toca discos com menos de 1kg/cm de força. E existem os monstros como a PLX 1000 com mais de 4.5kg/cm de torque, e as preferidas dos turntablistas SL 1200 MK2 com 1/3 dessa força total, apenas 1.5kg/cm de torque. Abaixo está o torque divulgado pelas fabricantes de alguns modelos. As informações são diretas das especificações técnicas de cada um dos modelos:   

Pioneer PLX 1000: +4.5 kg/cm
Numark TTX1:+3.7 kg/cm
Stanton T.92 USB: +1.6 kg/cm
Technics SL1200 MK2: 1.5 kg/cm


Tone Arm (Braço do Toca Discos)

E se eu te falar que essa é a peça mais importante para ser avaliada na compra do toca discos, você acredita? Pois é essa peça, junto com o headshell,  que vai fazer peso sobre aquele vinil 'first press' que você comprou no discogs, ou arrematou naquele leilão no ebay, que custou mais de 50 USD ou quase 100 GBP, e que demorou mais de 2 anos para você achar uma cópia que valia a pena investir. Pois é ele que vai fazer peso sobre o vinil, garantir a durabilidade e a fidelidade sonora da mídia. Além de ser um item de grande importância na sonoridade, fidelidade e equalização de frequências sonoras.


Existem três modelos de braços; Straight (Reto), J-Shaped (Formato 'J') e S-Shaped (Formato em 'S'). O indicado é ter um de cada (se possível), e que ele possa ser trocado facilmente no toca discos.

A construção de um braço de toca discos é parecida com a de um órgão. Quanto mais longo o cano, mais propagação sonora e quanto mais curto obviamente você tem uma acentuação de médios e agudos pobres. Possivelmente hoje você vê dois formatos sendo os mais usados, em toca discos belt-drives o braço reto, e em toca discos profissionais o braço em formato 'S'.

O braço 'J' e o braço 'S' levam vantagem sobre o braço reto. Tanto na sonoridade quanto no ângulo de execução no vinil, que tem maior controle na ressonância sonora, quanto no peso exercido sobre a agulha e vinil. O ângulo dos braços 'J' e o 'S' principalmente, tem exercem menos força sobre o vinil, já que abrangem maior área, braços retos são curtos e acabam fazendo uma força excessiva para acompanhar o sulco do vinil.

O raciocínio é simples; Se o ângulo do vinil é curvo/circular utilizar um braço curvo, é melhor que utilizar um braço reto.


Peso (Weight)

Esse item tem uma variante. Existem toca discos extremamente leves, e outros pesados. Alguns as vezes com mais de 20kg. Essa variável só é interessante ser analisada, se você viajar com seu equipamento. Viagens aéreas e transportadoras cobram por medidas e peso, ou seja, dependendo do peso seja para mais ou para menos. 10 quilos de diferença entre um equipamento para o outro vai fazer uma enorme diferença no custo final das viagens. No porta malas do carro idem. Quanto mais peso, mais gasto de combustível.

Dica 3: O equipamento mais caro não é o melhor, nem o mais em conta é o pior. Relacione absolutamente tudo calculando o custo x benefício do equipamento, e visualize o conjunto.

Toca discos Raveo

Toca discos Raveo, TEAC, ION, Ekins, Ribeiro e Pavani Vintage, CTX, Etc... 


Todos esses em sua maioria oferecem agulhas de cerâmica, a maior inimiga dos seus discos. Agulhas de cerâmica tendem a desgastar a superfície do vinil rapidamente. Essas agulhas são as grandes responsáveis pelos clicks, ruídos e chiado. e com o decorrer do usoo elas funcionam como uma lixa, apagando o sulco do vinil.

O atrativo desses toca-discos matadores é a conexão USB que converte o vinil em arquivo digital (MP3). Mas se você quer arquivos digitais procure canais de compartilhamento, como o Torrent ou o SoulSeek. Mais fácil, rápido e você encontra muitos arquivos em .Wav ou Flac, extensões onde você tem perda mínima de qualidade de áudio.

Espero que o texto ajude a encontrar o modelo de toca discos ideal, e se tiver dúvidas, criticas ou sugestões deixe seu comentário.


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sábado, 18 de fevereiro de 2017

DEAR WHITE PEOPLE | COMO UM TEASER DE 35 SEGUNDOS CONSEGUE OFENDER TANTA GENTE BRANCA?




Vídeo causou revolta não por apresentar uma mulher negra condenando blackface, mas por ameaçar privilégios históricos 



No dia 8 de fevereiro, a Netflix divulgou um pequeno teaser sobre sua nova produção original, a série Dear White People. Apenas 35 segundos foram suficientes para provocar uma expressiva movimentação de pessoas - brancas - ofendidas com o conteúdo do vídeo. Algumas delas chegaram a anunciar em redes sociais o cancelamento do serviço de streaming. Pois bem: o que tinha de tão incômodo no vídeo? Uma jovem negra, aparentemente locutora de rádio, enumerando uma série de fantasias de Halloween consideradas aceitáveis para pessoas brancas, como de pirata, enfermeira, ou “qualquer um dos primeiros 43 presidentes americanos”. Em seguida, ao classificar o topo da lista de fantasias inaceitáveis, ela diz apenas “eu“. O fim da frase é seguido por várias imagens de homens e mulheres brancos fazendo blackface, nome usado quando alguém branco pinta o rosto para se fantasiar de uma pessoa negra.

Contextualizando: a série é uma adaptação do filme Cara Gente Branca, premiado em 2014 no Festival de Sundance. A história gira em torno de um grupo de alunos negros de uma universidade onde a maioria dos estudantes são brancos. Após os brancos decidirem que não há problema em debochar de negros em fantasias de Halloween, os alunos negros se revoltam com a situação.


Na internet, pessoas começaram a subir hashtags como #NoNetflix e #BoycottNetflix. Para quem acompanha regularmente as principais polêmicas online, esta segunda é bastante familiar: a última vez que vimos uma hashtag semelhante foi quando Beyoncé lançou o extremamente político Lemonade e se apresentou no SuperBowl acompanhada de dançarinas vestidas com os icônicos uniformes dos Panteras Negras, grupo que lutava por igualdade racial nos EUA. A hashtag boycott foi então usada para tentar silenciar um protesto artístico que sinalizava o genocídio da população negra norte-americana e as ações violentas de policiais contra essas pessoas.

O público que defende bandeiras como #NoNetflix certamente não percebeu até agora que usar suas produções para horizontalizar a representatividade na indústria do entretenimento não é novidade na empresa. A própria Marvel se mostrou uma parceira valiosa nessa missão, curiosamente. Depois de arrancar elogios de público e crítica com a saga de um herói cego (Demolidor) e de apresentar uma heroína vítima de um relacionamento abusivo (Jessica Jones), a parceria Marvel-Netflix brindou o público com a história de Luke Cage, um homem negro que ganha os poderes após ser alvo da truculência policial dentro de um presídio - onde cumpria pena por um crime que não havia cometido.
Se essa premissa não lhe remete a absolutamente nada, talvez você esteja por fora de uma das maiores coisas já feitas na Netflix até o momento - e que, não por menos, garantiu ao serviço de streaming um lugar entre os indicados ao Oscar. O documentário A 13ª Emenda concorre na premiação deste ano apresentando um diagnóstico da superpopulação carcerária dos EUA, relacionando uma brecha na cláusula do fim da escravidão ao número absurdamente elevado e desproporcional de negros atrás das grades hoje por lá. O documentário enumera de forma brilhante o que cada governante norte-americano fez - ou deixou de fazer - para que a situação chegasse ao ponto atual, passando pela  divulgação dos recorrentes casos de violência policial contra a população negra noticiados recentemente.

E, novamente, não é a primeira vez que o serviço de streaming usa suas produções para fazer críticas à situação da população negra. Em Orange is the New Black, a morte de Poussey, esmagada por um despreparado policial branco, não foi aleatória. Quando a personagem fala diversas vezes que não consegue respirar, é impossível não lembrar do caso real de Eric Garner, homem negro, obeso e asmático morto exatamente da mesma forma por policiais. O crime aconteceu no dia 17 de julho de 2014, em Staten Island, Nova York, quando um oficial da New York City Police Department (NYPD) estrangulou o homem e o vídeo da ação foi parar na internet. Samira Wiley, que interpretava Poussey, deu uma declaração inspiradora sobre a cena da personagem. “É uma morte absurda, mas não foi uma decisão descuidada por parte da série. Ela ecoa muitas mortes que aconteceram no ano passado como Eric Garner, Mike Brown. Eu quero que as pessoas fiquem chateadas, mas quero que elas fiquem chateadas pelo fato de isso acontecer na vida real”.

Além de denúncias, outra bandeira que a Netflix vem trabalhando é a da representatividade. No universo de Luke Cage, vemos um elenco majoritariamente negro nos mais variados papéis, desde mocinhas que arrasam no basquete até vereadoras corruptas. A série The Get Down, outra produção excepcional, é ambientada no Bronx dos anos 1970 e expõe de forma nua e crua o contexto do surgimento daquilo que hoje conhecemos como cultura hip hop. Uma das comédias mais elogiadas do serviço de streaming nos últimos tempos é Chewing Gum, que faz humor de forma impecável sem deixar de pontuar os problemas enfrentados por mulheres negras da periferia de Londres. Além dessas, é impossível não lembrar que existe um arco inteiro em Sense8 ambientado em Nairobi, a ótima Vaneza Oliveira sendo a melhor personagem da brasileira 3%, e Titus, o negro gordo e afeminado que tomou a comédia Unbreakable Kimmy Schmidt para si - estrelando sozinho inclusive o último teaser da série fantasiado de, adivinhem só, a Beyoncé do Lemonade que citamos lá no começo.


É desconfortável para um mundo que há apenas um século aplaudiu O Nascimento de Uma Nação, filme que retratava negros como animais e glorificava a Klu Klux Klan, sentar em frente ao sofá e ver que os dois primeiros - e únicos - brancos dos primeiros episódios de Luke Cage são as pessoas de moral duvidosa da série. O teaser de Dear White People ofendeu por colocar uma mulher negra dizendo que não deveria ser aceitável que brancos ridicularizem negros. Muita gente branca ainda não está preparada para ouvir alguém negro colocando o ponto de vista dele para enumerar o que alguém pode ou não fazer - eis o racismo subconsciente.


"Netflix anunciou um novo programa anti-brancos (Dear White People) que promove o genocídio branco. Eu cancelei minha conta, faça o mesmo. #NoNetflix"

O vídeo de 35 segundos de Dear White People já passa de 4 milhões de visualizações, sendo que mais de 390 mil usuários deram dislike no post do YouTube em protesto. Justin Simien, diretor do filme e roteirista da adaptação, foi certeiro ao se posicionar quanto à polêmica em suas redes sociais. “A igualdade é sentida como opressão pelos privilegiados e, portanto, três palavras benignas os colocam em uma luta por sua própria existência, mas eles não estão em perigo real. Qual é o meu papel como artista? Criar Histórias. Histórias nos ensinam empatia. Nos colocam nas peles de outras pessoas. Então conte sua história. Saia do armário. Escreva sua tese. Diga a verdade inconveniente”, disse. No fim das contas, o boicote de Dear White People ironicamente só reforça a tese de Simien por trás da necessidade de produções do tipo. Em tempo: a série estreia dia 28 de abril.

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