Non Ducor Duco
“Sucesso é a caminhada e não a linha de chegada”. A última constatação feita por Marcus Vinicius, mais conhecido como
Kamau, antes de os refrões de Equilíbrio entoarem o fim da oitava faixa de Capítulo 1 - Non Ducor Duco, primeiro álbum solo de sua carreira, aponta que o caminho até aqui foi penoso, mas promissor. Em dezessete faixas bem-amarradas, Kamau dialoga com ele próprio e seus parceiros, como quem faz de sua trajetória trilha sonora dela mesma.
Com colagens e scratches de DJ Willian, o disco começa com um minuto e um segundo de Vozes – aquelas que Kamau ouviu, e ainda ouve, sobre seu trabalho e suas escolhas – ecoando na cabeça em meio aos seus ideais em resistência. Na seqüência, Só retrata a dificuldade de seguir (in)dependente de tanta gente na música, e prenuncia nas entrelinhas um disco maduro, com toda a força que o rap tem acumulado na cena brasileira.
Na tarefa árdua de rimar em português sem soar brega ou o mesmo-clichê-de-sempre, Kamau mostra domínio, com analogias e metáforas bem pinçadas, tanto para falar de religião e comodismo social em Não Acredite Se Quiser, quanto para cutucar aquele pessoal que quer fazer pose no baile de Sabadão à noite.
Pode soar óbvio, mas o paulista da Zona Norte fez um álbum para se ouvir inteiro, de uma vez. Reflexões e relatos em voz alta seguem a batida e se destilam sobre bases (muitas delas) autorais, tudo separado em tracks dispostas propositalmente naquela ordem. Como num documentário em plano-seqüência, o MC leva despretensiosamente o ouvinte a seguir o ritmo de sua poesia, costurado à mão com scratches e trechos de cenas sonoras cotidianas.
Para tudo isso sair do jeito que queria, Kamau contou com um time seleto, escolhido a dedo não só pela afinidade, mas pela contribuição que cada um traria a cada faixa: os DJs KL Jay, Willian, PR!MO e Suissac nas colagens e scratches; PR!MO, Suissac, Parteum, Filiph Neo, Nave e Munhoz nas bases; Thalma de Freitas, Rael e Jeffe, nos refrões; Emicida, Carlus Avonts, Stefanie, Rincon Sapiência, Rashid e Parteum nas rimas. “Não sou conduzido, conduzo”, tradução do lema da cidade de São Paulo, que deu título (e inspiração) ao disco, é só o Capítulo 1. Boa leitura.
Mayra Maldjian