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terça-feira, 20 de abril de 2021

A MAIS ANTIGA CONSTITUIÇÃO DINÁSTICA




A Mais Antiga Constituição Dinástica
Comentários sobre uma narrativa bíblica
Temas de Direito Dinástico
2003
Mário de Méroe 




A Menorá, emblema oficial do Estado de Israel é um candelabro (menorá), cuja forma teria sua origem na planta de sete galhos moriá, conhecida desde a antigüidade. Os ramos de oliveira dos dois lados representam o anseio de Israel por paz. A menorá de ouro era um dos principais objetos de culto no Templo do Rei Salomão, em Jerusalém. Através dos tempos, ela tornou-se um símbolo da herança e tradição judaica, em sem número de lugares e com grande variedade de formas.

A bandeira do (moderno, n.a.) Estado de Israel é inspirada no desenho do xale de orações judaico (talit), com uma Estrela de David (Maguen David) azul". FONTE: https://www.mfa.gov.il/mfa

O símbolo heráldico (coroa real), acrescentado pelo autor, na capa do trabalho original, ressalta a natureza dinástica do evento e a forma monárquica do primeiro governo com foros de Estado de Direito, que adorna e enriquece a história do povo eleito do SENHOR. 


Texto original de A mais antiga constituição dinástica


I) Sumário

1. Preâmbulo

2. Introdução

3. Antecedentes históricos

4. O evento

5. Descoberta Arqueológica I

6. Descoberta Arqueológica II

7. A Lendária Etiópia

8. Glossário Básico

9. Referências Bibliográficas

10. Citação de Mérito


1) Preâmbulo


Adentrando o tema "constituição", com o intuito de apresentar aquela que, s.m.j, consideramos a mais antiga, não podemos nos esquivar da pergunta básica: em ciências jurídico-legislativas, o que é uma constituição?

A lei máxima, fundamental de um Estado de Direito é denominada Constituição, Lei Maior ou, ainda, Carta Magna, e outros eufemismos que podem ser empregados para nominar a lei suprema de um Estado.

"Constituição é a declaração da vontade política de um povo, efetuada por intermédio de seus representantes. Declaração solene, expressa através de um conjunto de normas superiores a todas as outras e que estabelece os direitos e deveres fundamentais das pessoas (indivíduos, entidades, governo[1])".

Qual seria a mais antiga constituição escrita? Evidentemente, há divergência entre os estudiosos. Cita-se a Constituição Americana, de 1.787, ou a Magna Carta firmada em 15.06.1215, resultante do pacto firmado entre o rei João (denominado João Sem Terra) da Inglaterra, os barões e o clero, coligados, nessa empreitada, para frear o absolutismo da coroa inglesa. Esse diploma foi sucessivamente alterado, adaptado à evolução dos entendimentos sociais, constituindo-se em viga mestra da constituição inglesa.

Segundo Amilcare Carletti[2], o Código de Hammurabi é considerado por muitos estudiosos como o "mais antigo documento legislativo da humanidade", antecedendo em muito todos os demais. Hammurabi reinou na Babilônia por volta do ano 2200 a.C. Esse documento contém normas de direito público e privado, cobrindo a área civil e criminal, e regulamentando as relações entre os súditos, a propriedade e as pessoas, do trabalho e dos trabalhadores. Revela o alto grau de desenvolvimento político-social do povo babilônico.

Observamos, porém, que não cogitou de instituir um Estado de Direito; talvez seu elevado grau de civilidade já o considerasse consumado. De qualquer maneira, aplicou-se uma legislação, avançada para a época, sobre um Estado de fato, sem os foros de uma constituição, como a entendemos.


2) Introdução


Na história bíblica dos antigos hebreus[3], há registros de importantes eventos, deflagrados pelas necessidades sócio-políticas de então, cuja liturgia foi emoldurada por rituais significativos, que podem demarcar as origens do atual direito dinástico[4]. Entesourado também nessa preciosa fonte, já tivemos a oportunidade de destacar outro fato notável, que aponta a primeira translação de direitos sucessórios reais (a conhecida transação do direito de primogenitura entre Jacó e Esaú).[5]

Neste estudo, apresentaremos a notícia do mais antigo documento conhecido, de cunho dinástico, modelador das relações entre o soberano israelita e seu povo. Trata, o episódio, da instituição de uma realeza teocrática, que reuniu as tribos autônomas para um objetivo comum e urgente (a defesa territorial), e da ritualística da unção de Saul, como primeiro rei de Israel. Essa narrativa é encontrada no capítulo 8, livro I, do profeta Samuel.


3) Antecedentes históricos


Esta não é uma história do povo de Israel. Trata-se de uma visão geral, resumida, sobre os períodos antecedentes ao episódio que propiciou o nascimento da primeira carta constitucional de que se tem notícia. As narrativas históricas apresentam descontinuidade e, entre os eventos, há consideráveis lapsos de tempo, omitidos, pela necessidade de concisão e para evitar as digressões próprias de contos históricos, que aventam realidades, algumas virtuais, cobertas pelos véus do imaginário popular, ou lendas arraigadas, que margeiam e completam a História.

São muito diversas as fontes de que dispõe o pesquisador, para examinar os fatos sócio-políticos narrados. Há referências a "legislações", de notável valor histórico, que descrevem, com detalhes, as estruturas sociais e culturais do Israel bíblico.

O Deuteronômio[6], o 5º livro do Pentateuco[7], contém o resumo dos preceitos transmitidos por Moisés (da parte de Deus), ao povo judaico, em forma de discursos.

No cap. 17, 14-20, prescreve o ritual da (futura) eleição e os deveres de um rei. Verbis:


"14. Quando entrares na terra, que te dá o SENHOR teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Estabelecerei sobre mim um rei, como todas as nações que se acham em redor de mim,
15. Estabelecerás, com efeito sobre ti como rei aquele que o SENHOR teu Deus escolher; homem estranho, que não seja de entre os teus irmãos, não estabelecerás sobre ti, e sim, um dentre eles.
16. Porém este não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito, para multiplicar cavalos; pois o SENHOR vos disse: Nunca mais voltareis por este caminho.
17. Tão pouco (sic) para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie; nem multiplicará muito para si prata ou ouro.
18. Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num livro, do que está diante dos levitas sacerdotes.
19. E o terá consigo, e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer ao SENHOR seu Deus, a fim de guardar todas as palavras desta lei, e estes estatutos, para os cumprir.
20. Isto fará para que o seu coração não se eleve sobre os seus irmãos, e não se aparte do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; de sorte que prolongue os dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel".


No contexto histórico do Judaísmo, encontramos também diversas passagens que destacam a instituição monárquica, na história dos hebreus, como o resumo que segue:

"Segundo os relatos bíblicos, do livro do Gênesis, Deus terá dito a Abraão: "Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de vós uma grande nação.

Assim fez Abraão que, cerca de 1800 a.C., deixou a cidade de Ur, no atual Sul do Iraque, em direção a Canaã - a Terra Prometida. A nação a que Deus se referiu adquiriu o nome de Israel e os doze filhos de Jacob (neto de Abraão) tornaram-se os pais das doze tribos de Israel.

No ano 1000 a.C., a monarquia foi introduzida em Israel pelo rei Saul e atingiu o seu ponto mais alto durante os reinados de David, responsável pelo fortalecimento da tradição judaica, e de Salomão, que construiu o primeiro Templo de Jerusalém e nele guardou a Arca da Aliança.

Por volta de 750 a.C., o reino foi dividido em dois, como conseqüência do declínio religioso, moral e político que estava a acontecer. Os profetas já tinham feito a advertência de que as pessoas se estavam a afastar das leis de Deus e que esse facto levaria a um julgamento e punição de Deus.

Depois da divisão do reino em dois - Israel a norte e Judá a sul - o reino do norte foi devastado pelos Assírios (em 722 a.C.) e o reino do sul foi conquistado pelos Babilônios (em 587 a.C.). Em 539 a.C., os que quiseram regressar à sua terra natal tiveram permissão para fazê-lo, passando a ser, desde então, conhecidos como judeus (de Judá e Judéia)."[8]

Os textos gerais consultados nos informam que, por volta de 1.800 a.C., os hebreus habitavam na cidade de Ur, na Caldéia, e sua comunidade sempre observou rigorosamente os valores religiosos transmitidos por seus ancestrais, que diziam tê-los recebidos do próprio Deus (Iavé, Jeovah). Seu primeiro patriarca foi Abraão, seguido, na chefia do povo, por seu filho Isaac, e este, por Jacó.

Um dos filhos de Jacó, chamado José, foi vendido por seus irmãos a mercadores que o levaram ao Egito, como serviçal na corte do Faraó. Esse personagem foi de especial relevância na história dos hebreus, pois graças a seus talentos destacou-se perante os demais, atraindo a atenção e a estima do soberano egípcio, que o nomeou para importante função no governo.

Historiadores afirmam que nesse período, o Egito foi governado por dinastias dos povos chamados hicsos.

Seguiu-se o êxodo, liderado por Moisés, até a chegada a Canaã, a terra prometida, quando Moisés faleceu e foi sucedido por Josué.

A posse de Canaã não foi pacífica: houve muita luta e sacrifícios para que os hebreus a ocupassem e estabelecessem suas tribos no local. Nesse período de intensas guerras tribais, o povo foi governado por chefes militares, na Bíblia denominados juízes. Os mais famosos foram: Samuel, Sansão, Gedeão e Débora.

As terras da antiga Palestina foram distribuídas entre as doze tribos de Israel, cujos governos tiveram origem nos doze filhos de Jacó. Houve grandes dissensões entre as tribos, pois as mais fortes se apropriaram das melhores terras, gerando descontentamento e revolta.

Somada a tensão interna com a permanente ameaça de invasão pelos belicosos vizinhos, grassou entre os povos grande instabilidade, o que levou os chefes a tentarem uma unificação, para viabilizar a defesa externa.

No panorama geopolítico da época, a convivência pacífica entre os povos daquela região parecia extremamente difícil. As constantes e inevitáveis querelas com seus vizinhos, pressionaram as tribos judaicas a unificar-se, erigidas em reino, organizando a necessária consistência bélica para opor ao inimigo comum.

Na antigüidade, o povo de Israel adotou, sucessivamente, formas de governo, sob a chefia dos patriarcas, dos profetas, dos juizes, e finalmente, dos reis. Todos os governantes dessa era recebiam a "unção", ou seja, uma consagração, de caráter divino e instituíam seus governos sob inspiração teocrática.

Ao tempo da narrativa bíblica que segue, os hebreus viviam, aproximadamente, na região do atual Estado de Israel, antigamente denominada Palestina, à época território de maior abrangência geográfica.


4) O evento


Segundo Abba Eban,[9] "dois séculos (1230-1023 a.C) separam a conquista de Canaã do estabelecimento da monarquia sob Saul. São eles descritos na Bíblia como "os dias em que governaram os juízes".

O evento que destacamos desenvolveu-se à luz das tradições, costumes e contingências da época, ilustrando o elevado contexto de nacionalidade daquela incipiente civilização, segundo informa o texto bíblico (I Samuel, cap. 8), com nossas anotações intercaladas.

a) A necessidade de um governante secular e hereditário, para assegurar a sobrevivência e a estabilidade política do Estado:

Os israelitas pedem um rei

"Tendo Samuel envelhecido, constituiu a seus filhos por juízes sobre Israel. O primogênito chamava-se Joel e o segundo, Abias; e foram juízes em Berseba.
Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele; antes se inclinaram à avareza, e aceitaram subornos e perverteram o direito.
Então os anciãos todos de Israel se congregaram e vieram a Samuel, a Ramã, e lhe disseram: Vê, já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos: constitui-nos, pois agora, um rei sobre nós, para que nos governe, como o têm todas as nações".

A insistência do povo - na voz de seus representantes - para que fosse instituído um governo monárquico, "como o têm todas as nações", parece apontar que essa forma de governo era usual entre os antigos rivais de Israel.

b) A resistência do profeta Samuel:

Tal rogativa trouxe apreensões ao profeta, que receava as conseqüências do exercício do poder absoluto atribuído ao soberano pelo direito da época; porém atendendo ao clamor popular, acedeu, sob severa admoestação. Segundo o texto, disse Deus a Samuel:

"Agora, pois, atende à sua voz (a voz do povo, n. do a.), porém adverte-os solenemente, e explica-lhes qual será o direito do rei que houver de reinar sobre eles.

"Referiu Samuel todas as palavras do SENHOR ao povo, que lhe pedia um rei, e disse: Este será o direito do rei que houver de reinar sobre vós: ele tomará os vossos filhos, e os empregará no serviço dos seus carros, e como seus cavaleiros, para que corram adiante deles; e os porá uns por capitães de mil e capitães de cinqüenta; outros para lavrarem os seus campos e ceifarem as suas messes; e outros para fabricarem suas armas de guerra e aparelhamento de seus carros. Tomará as vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tomará o melhor das vossas lavouras e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e o dará aos seus servidores. As vossas sementeiras e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais e aos seus servidores. Também tomará os vossos servos e as vossas servas e os vossos melhores jovens e os vossos jumentos, e os empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe sereis por servos. Então naquele dia clamareis por causa de vosso rei, que houverdes escolhido; mas o SENHOR não vos ouvirá naquele dia".

"Porém o povo não atendeu à voz de Samuel, e disseram: Não, mas teremos um rei sobre nós. Para que sejamos também como todas as nações; o nosso rei poderá governar-nos, sair adiante de nós, e fazer as nossas guerras".[10]

Então o SENHOR disse a Samuel: Atende à sua voz, e estabelece-lhe um rei".[11]

c) A instituição real:

"Ora, o SENHOR um dia antes de Saul chegar, o revelara a Samuel, dizendo: Amanhã a estas horas te enviarei um homem da terra de Benjamim, o qual ungirás por príncipe sobre o povo de Israel, e ele livrará meu povo da mão dos filisteus;[12] porque atentei para o meu povo, pois o seu clamor chegou até a mim".[13]
"Quando Samuel viu a Saul, o SENHOR lhe disse: Eis o homem de quem eu já te falara. Este dominará sobre o meu povo".[14]

d) Da Liturgia Real

O conceituado mestre Henri Cazelles, em notável obra[15], pontifica:

"A entronização real é o primeiro ato do reino onde se desenrola toda uma simbologia: entronização, coroação, unção, aspersão de água, dom de novo nome. O rito mais significativo em Israel é o da unção. . . ." (p. 126).

"O faraó, quando entronizado, possuía uma força especial, um Ka, que era impessoal nos outros, mas pessoal nele. Ora, a unção conferia ao rei de Israel o ruah, o espírito vivo que pertencia a Deus (Gn 6,3). Essa realidade vital . . . é recebida pelo rei na ora de sua unção. . . " (p. 127).

Prossegue o texto bíblico:

e) A unção:

"Levantaram-se de madrugada; e, quase ao subir da alva, chamou Samuel a Saul ao eirado, dizendo: Levanta-te; eu irei contigo para te encaminhar. Levantou-se Saul, e saíram ambos, ele e Samuel".[16]
"Tomou Samuel um vaso de azeite, e lho derramou sobre a cabeça, e o beijou e disse: Não te ungiu, porventura, o SENHOR por príncipe sobre a sua herança, o povo de Israel?".[17]
"O espírito do SENHOR se apossará de ti, e profetizarás com eles, e tu serás mudado em outro homem.
"Quando estes sinais te sucederem, faze o que a ocasião te pedir, porque Deus é contigo".[18]

Segundo a narrativa, as revelações que fizera o profeta a Saul, bem como a unção deste como príncipe de Israel, foram mantidas sob sigilo, aguardando o momento oportuno para sua revelação ao povo.

f) A escolha da dinastia:

"Tendo Samuel feito chegar a tribo de Benjamim pelas suas famílias, foi indicada a família de Matri; dela foi indicado Saul, filho de Quis...".[19]

g) A aclamação:

"Então todo o povo rompeu em gritos, exclamando: Viva o rei!".[20]

h) A solenidade do ato:

"Declarou Samuel ao povo o direito do reino[21], escreveu-o num livro, e o pôs perante o SENHOR[22]". Então despediu Samuel todo o povo, cada um para sua casa".[23]

Esse momento solene, do mais alto significado histórico para a jovem nação - já alçada às honras de Estado Monárquico, é bem delineado no trecho a seguir:

"Samuel então expôs ao povo "o direito do reino", declarando os princípios sobre os quais o governo monárquico se baseava, e pelos quais cumpria ser dirigido. O rei não deveria agir de forma absoluta, mas conservar seu poder em sujeição à vontade do Altíssimo. Este discurso foi registrado em um livro[24], no qual se estabeleciam as prerrogativas do príncipe e os direitos e privilégios do povo. Embora a nação houvesse desprezado a advertência de Samuel, o fiel profeta - conquanto forçado a ceder aos seus desejos - ainda se esforçou tanto quanto possível para acautelar as suas liberdades."

"Samuel propôs então que uma assembléia nacional fosse convocada em Gilgal, a fim de que o reino pudesse ali ser publicamente confirmado a Saul. Isto foi feito; "e ofereceram ali ofertas pacíficas perante o Senhor; e Saul se alegrou muito ali com todos os homens de Israel".[25] Gilgal tinha sido o local do primeiro acampamento de Israel na Terra Prometida.

Nessa planície, ligada com tantas lembranças comoventes, estavam em pé Samuel e Saul; e, quando cessaram as aclamações de boas-vindas ao rei, o idoso profeta proferiu suas palavras de despedida como governador da nação.[26]

Assim nasceu o primitivo reino de Israel, com seu primeiro monarca entronizado, ungido pela autoridade teocrática, segundo o costume da época, e aclamado pelo povo. O livro com o registro do "direito do reino" - precursor das modernas constituições estatais - é considerado o mais antigo documento de que se tem notícia, que convenciona as relações entre o Estado (o rei) e seus cidadãos (os súditos), hoje denominados "administrados".

O princípio dinástico, implícito na narrativa, destacou-se com mais nitidez no desenrolar da revolta liderada por Absalão[27].

O texto bíblico fala em livro, o que nos leva a conjecturar sobre sua confecção, formato, material com que fora construído. Como seria o tal livro, no qual o zeloso profeta Samuel escrevera o "direito do reino" ?. Encontramos alguns informes sobre o usual da época:

"A matéria primitivamente empregada na antiguidade para receber a escrita era o invólucro membranoso de um caniço, o papiro, de onde proveio a palavra livro (do lat. liber, que designa a casca e o liber[28]). Mas, em face das necessidades sempre crescentes da matéria prima, escreveu-se em pergaminho, em taboinhas (sic) enceradas, em placas de metal e em pano. Os livros apresentaram-se em forma de rolos;.........[29]

"A forma que o manuscrito, assim entendido, afetou em princípio e conservou durante toda a antiguidade clássica, é a do rolo ou volumen, e, até o século II da nossa era, a única matéria empregada foi o papiro. Foi somente por essa data que começou a servir o pergaminho. " [30]

Onde teria sido guardado?. O texto fala que o profeta "o pôs perante o SENHOR". Possivelmente, o documento tenha sido "arquivado" em um recinto secreto, ou alojado juntamente com os paramentos que decoravam as liturgias. Todavia, não se tem nenhuma outra indicação do local que o recebeu. Ficamos à espera de que algum arqueólogo, por dedicação ou pura sorte, localize esse precioso legado histórico-jurídico, confirmando, mais uma vez, o conteúdo do registro bíblico.

A verdade histórica contida nos textos sagrados da Bíblia, cuja exatidão descritiva se revela nos detalhes que assinala, é freqüentemente confirmada por testemunhos insuspeitos, a exemplo da narrativa a seguir:

Diz Werner Keller[31], em sua excelente obra:

"Devemos ao major britânico Vivian Gilbert a narrativa dum acontecimento verdadeiramente extraordinário. Escreve ele em suas memórias de campanha[32] : Uma ocasião, durante a Primeira Guerra Mundial, um ajudante de ordens dum general de brigada do exército do General Allenby na Palestina procurava na Bíblia certo nome com o auxílio de uma vela. Sua brigada recebera ordem de tomar uma aldeia situada num monte rochoso, do outro lado de um vale profundo, chamado Michmas. Ele tinha a impressão de conhecer esse nome. Por fim, encontrou-o no capítulo 13 do Livro Primeiro dos Reis[33] e leu:

"E Saul e Jônatas, seu filho, e a gente que tinha ficado com eles, estavam em Gabaa de Benjamim; os Filisteus, porém, estavam em Macmas".

A seguir está escrito como Jônatas e seus homens de armas se dirigiram de noite à "guarnição dos Filisteus", chegando a uns "rochedos agudos de ambas as partes", "um dos quais se chamava Boses, e o outro Sene" ( I Reis, 14-4). Escalaram a rampa e dominaram os guardas "na metade duma geira[34], espaço que uma junta de bois costuma lavrar num dia". O tumulto acordou o exército inimigo que, julgando-se cercado pelas tropas de Saul, "dispersou-se e fugiu em todas as direções" (I Reis, 14-14 e 16). Depois Saul atacou com todas as suas forças e venceu: "E naquele dia o Senhor salvou Israel".

O ajudante de ordens pensou que aquele passo entre rochedos, as duas rochas altas e o "campo" deviam existir ainda. Despertou o comandante e leu com ele toda a passagem da Bíblia. Despacharam patrulhas, que encontraram o passo, guarnecido por poucos soldados turcos, espremido entre dois picos de rocha - evidentemente Boses e Sene. Lá. no alto, junto a Macmas avistava-se um pequeno campo liso, iluminado pelo luar. O comandante modificou o seu plano de atraque. Em vez de mandar toda a brigada, mandou apenas uma companhia, no meio da noite, atravessar o desfiladeiro. Os poucos turcos com que toparam foram subjugados em silêncio e a ladeira escalada ... e, pouco antes de romper o dia, a companhia encontrava-se na "meia geira" de terreno plano.

Os turcos despertaram e fugiram desordenadamente, pois julgaram estar cercados pelo Exército do General Allenby. Foram todos mortos ou feito prisioneiros".

"E assim foi que, depois de milhares de anos", conclui o Major Gilbert, "uma tropa inglesa imitou com êxito a tática de Saul e Jônatas".

Fora da Bíblia - cujos livros do Velho Testamento alimentam as fontes de história antiga - não havia referências concretas sobre o lendário reino de Israel, até a descoberta arqueológica ocorrida em 1993, noticiada nos itens 5 e 6, a seguir.

Em inícios de 2003, nova descoberta arqueológica robusteceu o acervo científico probatório da existência fática do reino hebreu. A Folha de São Paulo, edição de 12/04/2003, caderno Ciência, p. A-10, noticiou um estudo coordenado por Hendrik J. Bruins, da Universidade Bem Gurion, em Israel, publicado pela revista científica norte-americana "Science" (www.sciencemag.org), que revelou detalhes de uma invasão do faraó nominado na Bíblia como Sisaque (Shishak), que levou à destruição a cidade israelita de Rehov. A pesquisa utilizou-se do teste de carbono-14 para determinar a datação do evento. A data aproximada de 925 a.C., logo depois da morte do monarca hebreu, é aceita pelos historiadores.

Conferimos os textos bíblicos citados:

"I Reis, cap. 14:

25. No quinto ano do rei Roboão[35], Sisaque, rei do Egito, subiu contra Jerusalém,

26. e tomou os tesouros da casa do SENHOR e os tesouros da casa do rei; tomou tudo. Também levou todos os escudos de ouro que Salomão tinha feito.

27. Em lugar destes fez o rei Roboão escudos de bronze, e os entregou nas mãos dos capitães da guarda, que guardavam a porta da casa do rei.

II Crônicas, cap. 12:

2. No ano quinto do rei Roboão, Sisaque, rei do Egito, subiu contra Jerusalém (porque tinham transgredido contra o SENHOR),

3. com mil e duzentos carros e sessenta mil cavaleiros; era inumerável a gente que vinha com ele do Egito, de líbios, suquitas e etíopes.

4.Tomou as cidades fortificadas, que pertenciam a Judá, e veio a Jerusalém.

5. Então veio Semaías.....

6. Subiu, pois, Sisaque, rei do Egito, contra Jerusalém, e tomou os tesouros da casa do SENHOR e os tesouros da casa do rei; tomou tudo. Também levou todos os escudos de ouro que Salomão tinha feito".

As fontes pesquisadas apontam que apenas três monarcas governaram o povo de Israel, com as tribos unificadas sob única coroa: Saul, Davi[36] e Salomão.

Coube a Saul, o primeiro rei, como chefe militar, político e religioso, iniciar o processo de unificação das tribos, o que conseguiu apenas parcialmente. Durante seu reinado, houve incessante empenho em manter as fronteiras e repelir as freqüentes invasões.

Seu sucessor foi Davi, que logrou unificar as doze tribos em um único Estado, tendo como capital a cidade de Jerusalém, então em início de construção. Recentemente, veio a lume uma notícia sobre esse personagem, na edição de 07/08/1993[37], no jornal paulista Folha de São Paulo (Ciência), onde consta a descoberta de um fragmento de pedra com escrita em aramaico, sendo essa a primeira referência, fora da Bíblia, sobre esse rei da tradição judaica.

O monarca seguinte, Salomão, promoveu grande desenvolvimento geral, incentivando o comércio, a indústria e grandes construções. Foi considerado sábio, grande estudioso e protetor das artes. Em seu reinado, foi construído o Templo de Jerusalém, e a cidade recebeu grandes obras de embelezamento. Salomão foi um dos protagonistas do episódio narrado no livro I Reis, cap. 10, quando da visita da rainha de Sabá[38] ao seu reino, atraída pela fama, sabedoria e riqueza do rei hebreu.

A morte deste monarca reativou antigas dissensões; as relações entre os príncipes, até então unidos pela necessidade comum de proteção, deterioraram-se, e em decorrência, o grande reino foi rapidamente desintegrado. As tribos, ora divididas, ora reagrupadas, deram origem a novos reinos, os quais seguiram rumos próprios, na senda da História.

O antigo reino foi dividido em duas partes, denominadas, a do norte, formada por dez tribos, como Reino de Israel, sob a coroa de Jeroboão, e a do sul, formadas pelas tribos de Judá e Benjamim, como Reino de Judá, tendo como monarca a Roboão, filho de Salomão. Esse episódio, conhecido como Cisma, enfraqueceu as defesas externa, pela ruptura da unidade originária do reino, e deu origem a invasões e conquistas, pelos assírios, pelos persas e pelo Império Romano, que os forçou a dispersarem-se. Essa ocorrência é conhecida como Diáspora.

Seguiram-se imigrações maciças para muitos países, onde os remanescentes dos antigos hebreus construíram suas famílias e integraram-se às novas pátrias provisórias, muito distantes do primitivo mundo de seus ancestrais.

Entretanto, permaneceram incólumes, através dos séculos e das contingências adversas, a primitiva Fé e o ideal comum de nação eleita pelo SENHOR. Por oportuno, citamos, novamente, Abba Eban[39]:

"Quando o Israel histórico é mais persistentemente distinto é que sua vocação universal se amplia.

......................................................................................................

A essência de sua condição de povo está bem resumida na definição de nacionalidade de Ernest Renan[40]:

'Uma nação é uma alma, um princípio espiritual. Possuir uma glória comum no passado, uma vontade comum no presente. Ter feito grandes coisas conjuntamente, desejar fazê-las de novo - essas são as condições para a existência de uma nação'."

Após longo exílio, os antigos hebreus finalmente puderam retornar à Terra Prometida. Em 1948, foi oficialmente criado e reconhecido o atual Estado de Israel, pela Organização das Nações Unidas (ONU).


5) Descoberta arqueológica I


Publicação da Folha de São Paulo, de 07/08/1993

A Folha de São Paulo, em edição de 07/08/1993 - sábado - caderno Ciências, publicou a reportagem abaixo transcrita:

"Israel Acha lápide com menção ao rei Davi

Fragmento de pedra com escrita em aramaico é a primeira referência fora da Bíblia ao rei da tradição judaica.

Arqueólogos encontraram a primeira evidência concreta da existência do rei Davi e da sua dinastia. Uma estela (espécie de lápide) escrita em aramaico, encontrada no norte de Israel, na fronteira com o Líbano, faz menção a ele. "Esta é uma descoberta excepcional" afirmou em sua edição de ontem o jornal israelense "Jerusalém Post".

O fragmento de pedra, provavelmente pertencente a algum monumento, tem 13 linhas truncadas e faz referência à "Casa de Davi". Até agora, a única referência à linhagem de Davi se encontrava em textos bíblicos.

A descoberta foi feita pelo professor Avraham Biran, arqueólogo do Hebrew Union College. Segundo outros pesquisadores, o achado constitui um forte indício da existência e da influência da Casa de Davi na história judaica e nas tradições religiosas tanto do judaísmo como do cristianismo.

"Estamos diante de uma descoberta extraordinária", afirmou Binyamin Mazar, um dos mais conhecidos arqueólogos de Israel. Segundo ele, é o primeiro documento escrito do tempo dos reis bíblicos já descoberto.

Biran não adiantou todo o conteúdo do texto achado, que será analisado até o final do ano por um especialista em línguas semitas antigas. Mas ele afirmou que provavelmente se trata de referência a uma passagem citada pela Bíblia no capítulo 15 do primeiro Livro dos Reis. Esse trecho fala da divisão entre os israelitas após a morte de Salomão, filho de Davi, na metade do século 10 antes de Cristo.

A lápide encontrada foi datada dessa época. Ela seria uma inscrição comemorativa a uma vitória militar do rei de Aram (Damasco, na atual Síria) sobre um dos monarcas que então governavam a Judéia.

Para Biran, o fragmento provavelmente representa apenas um terço do original. Segundo ele, períodos separam todas as letras do fragmento, menos as referentes à "Casa de Davi". Isso seria um modo de assinalar a importância daquela dinastia no cenário político da época.

Especialistas ouvidos nos Estados Unidos pelo jornal "The New York Times" afirmam que parecem corretas a datação e a interpretação do texto.

Curiosamente, o achado, que fala de uma campanha militar, foi feito poucas semanas antes de uma nova batalha na mesma região, desta vez envolvendo tropas israelenses contra o grupo guerrilheiro islâmico Hizbollah".

Trecho da lápide achada que faz menção à 'Casa de Davi'

6) Descoberta arqueológica II

Notícia colhida na Internet[41]

Rei Davi

"Escavações arqueológicas nas ruínas da antiga cidade israelita de Dã, na alta Galiléia, em 1993, revelaram um achado impressionante: uma pedra de basalto com inscrições. O arqueólogo Avraham Biran, do Hebrew Union College de Jerusalém, logo identificou a pedra como parte de uma estela datada do século IX a.C. Aparentemente, comemorava a vitória do rei de Damasco sobre dois inimigos: o rei de Israel e a Casa de Davi. A referência histórica a Davi caiu como uma bomba. O nome do rei de Israel nunca fora antes encontrado em nenhum documento antigo, além da Bíblia. Mas ali estava uma inscrição feita não por um escriba hebreu, mas por um inimigo dos israelitas, pouco mais de um século após a época em que Davi vivera. Essa descoberta não só confirmou a existência do rei como também a sua dinastia".

Michelson Borges



7) A Lendária Etiópia[42]


Ensaio em homenagem ao Imperador Hailé Selassié, daEtiópia (1891-1975) em razão das ligações históricas de sua dinastia com o rei Salomão, de Israel.

Mário de Méroe


No curso da História, houve três reinos, independentes e distintos entre si, os quais, em épocas próprias, foram denominados Etiópia: Napata, Méroe e Aksun (ou Axum).

Ao exame dos textos históricos, parece ressaltar que a denominação de Etiópia aplicava-se, mais apropriadamente, ao reino de Aksun (Axum), enquanto para Méroe e Napata representava apenas uma designação greco-romana.

O termo Etiópia (Ethiopia) parece ter resultado do esforço dos escritores gregos antigos para designar essa região da África Oriental, cujo nome originário, indígena, era ininteligível para eles. Seu significado é, aproximadamente, "país das gentes de rostos queimados", ou seja, genericamente, a raça negra.

A designação indistinta de Etiópia para designar, genericamente, todos os países antigos situados ao sul do Egito, praticada por escritores antigos, dificulta a compreensão exata da localização geográfica de eventos registrados pela história, ocorridos naquela parte do mundo. Observe-se a narrativa bíblica (Atos dos Apóstolos, cap.VIII, 27/39) onde um dos personagens seria um "alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia". Um rápido exame dos mapas da região nos convence que, em época tão remota, longe das conquistas dos atuais meios de transporte, seria improvável que um alto funcionário ousasse ausentar-se de suas funções para cumprir tal viagem, dada a enorme distância entre o local do encontro com Felipe (Jerusalém) e o reino da Etiópia (atual).

O termo Candace, comum aos textos bíblicos e de História, originário do grego Kandakê é a forma latina, com influência francesa, de Kantakai. Representava o título real comum às raínhas do império etíope. Os gregos e os romanos usavam essa denominação como nome próprio das soberanas com as quais mantinham relações políticas.

O império abissínio teve início mil anos antes da era cristã, e terminou em 1974, com a deposição do último imperador.

A origem lendária do império remonta ao filho de Salomão, rei dos judeus, com Balkis, rainha de Sabá. Esse filho é chamado, por alguns autores, por Menelik, e por outros, de David, e é apontado como origem dos negus da Abissínia.

Ainda segundo a tradição abissínia, durante sua permanência em Jerusalém, a rainha de Sabá tornou-se mulher do rei Salomão. Teria retornado ao seu país grávida, e teve um filho, que foi educado em Sabá durante a infância. Na adolescência, foi enviado a Jerusalém, para aprimorar seus estudos e conviver com seu pai, por alguns anos, procurando absorver sua proverbial sabedoria. Nessa ocasião, teria sido ungido e sagrado no Templo, com o nome de David, em homenagem ao seu avô, retornando, após, para junto de sua mãe.

Finalmente estabeleceu-se na Abissínia, tendo subido ao trono e introduzido a religião judaica em seu país, originando as cerimônias que os abissínios ainda conservam.

Salomão (do hebraico Chélômôh), filho do rei David e de Bethsabá, viveu entre 1032 e 975 A.C. Sabá foi uma cidade da Arábia antiga (Arabia Felix), junto a costa ocidental do Mar Vermelho, capital do reino do mesmo nome, que os gregos chamaram de Miriaba. Esse país, posteriormente, passou a chamar-se Yemen.

A tradição árabe conta que a rainha Balkis (Belkis), atraída pela fama de riqueza e sabedoria que adornavam o rei dos judeus, resolveu visitá-lo, tendo sido sua hóspede e mantido o relacionamento que resultou no nascimento de um filho, do qual descendem os reis da antiga Abissínia.

O episódio é confirmado (parcialmente) pela narrativa bíblica (Reis, cap. 10, vers.1 a 13, e Crônicas, cap. 9, vers. 1 a 12), exceto no que se refere ao nascimento do filho mencionado nas tradições árabes e etíopes.

Os autores árabes atribuem à rainha de Sabá dessa narrativa, o nome de Balkis ou Belkis. Outros autores a denominam de Makeda, ou Makida.

A Abissínia teve origem no antigo reino de Aksum (Axum).Em 1941, reivindicou o nome do antigo território, e passou a denominar-se Etiópia.

Os soberanos da milenar Abissínia, desde a antiguidade, usavam o título de Negus, pretendendo descenderem do rei bíblico Salomão, e da lendária rainha de Sabá.

O último negus etíope, Hailé Selassié, que reinou de 1930 a 1974, usava os títulos da tradição bíblica de "O Eleito de Deus", "Rei dos Reis", "O Leão de Judá", e timbrava os documentos oficiais com o "selo de Salomão".

Selassié nasceu em 1891, e tinha o nome civil de Tafari Makonen. Seu pai, o rás Makonnen, era um dos filhos do imperador Menelik II. Exerceu o cargo de rás (governador civil e militar) do Choá, uma importante unidade política e administrativa do país. Foi regente da coroa, durante a menoridade da princesa Zauditu, elevada ao trono durante a primeira guerra mundial. Com o falecimento desta, assumiu o poder e foi sagrado imperador, em 1930, com o nome de trono de Hailé Selassié. Como monarca poderoso, introduziu a primeira constituição no país, criou um Parlamento, modernizou o exército e aboliu a hereditariedade dos cargos de rás das províncias.

Em 1935, a Itália, contaminada pelos ímpetos expansionistas de Mussolini, invadiu a Abissínia e forçou o negus ao exílio. Nessa ocasião, no ano de 1936, proferiu corajoso discurso, junto a Liga das Nações, protestando contra a omissão dos Chefes de Estados das demais nações, face ao perigo nazista iminente. Foram suas palavras:

"Eu jamais acreditaria que todas as nações do mundo, entre as quais as mais poderosas da terra, pudessem acovardar-se diante de um único inimigo. Mas, diante de Deus, nenhuma nação é melhor do que outra". E profetizou: "Hoje fomos nós, amanhã serão vocês".

Em 1974, um golpe militar aboliu o regime monárquico e depôs o imperador, já velho e doente, que faleceu (há indícios de que foi assassinado) em 1975, um ano após ter sido despojado do milenar trono abissínio.

Nota: Este artigo foi publicado, em espanhol, no boletim de setembro/2000, do Instituto de Estudos Históricos da Catalunha (Espanha).


8)Glossário Básico


Absalão. Filho de David, 2º rei de Israel, assassino de seu irmão Amon, conspirou contra seu pai, obrigando-o a fugir para Jerusalém, e foi vencido por Joab, no bosque de Ephraim. Na fuga, seus cabelos se enredaram nos galhos de uma árvore, ficando pendurado, do que aproveitaram-se seus perseguidores para matá-lo, contrariando as ordens do rei David.

Datas. Não há uniformidade entre autores, sobre a exatidão das datas informadas.

Filisteus (do hebraico Pelichtim). Provavelmente oriundos das regiões cretenses, os filisteus habitaram a Palestina, ou parte dela, antes da conquista dessa terra pelos hebreus. A história dos filisteus é conhecida somente através das narrativas bíblicas.

"Os filisteus apareceram na história (bíblica, n. do a.) no tempo dos juizes, submetendo os judeus após o governo de Abimelech. Ao cabo de meio século de cativeiro, os judeus recuperaram a liberdade, depois de uma luta cujos episódios mais conhecidos são a história de Sansão, a tomada da Arca Santa pelos filisteus, que a restituíram em seguida a uma epidemia; enfim o desafio entre Davi e Golias. Os filisteus tiveram vantagens quando da luta de Davi seu aliado, contra Saul; mas foram definitivamente vencidos por Davi, quando rei de Israel...". [43]

Hebreus. Nome primitivo do povo judaico.

Israel. Na antiguidade, povo descendente de Jacó, o qual foi denominado Israel (em hebraico significa: o que lutou com Deus). Radicado na Palestina desde aproximadamente 1230 AC, os israelitas foram chamados hebreus pelos povos que habitavam primitivamente o país. Depois da divisão do reino salomônico (932 AC), a região ao N. passou a chamar-se Israel, a fim de diferenciá-la da que ficava ao Sul (Judá). Após o cativeiro babilônico (588-538), generalizou-se o nome judeus. Hoje, Estado Soberano instituído sob a forma de república, criada em 14.05.1948, em terras da antiga Palestina, compreendendo a faixa costeira do extremo SE do mar Mediterrâneo, entre o Líbano ao N, a Síria a NE, a Jordânia ao E., o golfo de Ácaba ao S., e o Sinai ao SO.[44]

Patriarca era a denominação dos chefes de família dos povos primitivos, em especial, do povo judaico. Segundo a tradição, Jacó foi o genearca, ou seja, o tronco imediato das doze tribos de Israel. Nos eventos narrados na Bíblia, o povo de Israel adotou, sucessivamente, formas de governo, sob a chefia dos patriarcas, dos profetas, dos juizes, e finalmente, dos reis. Todos os governantes dessa era recebiam a "unção", ou seja, uma consagração, de caráter divino e instituíam seus governos sob inspiração teocrática.

Roboão: Rei de Judá, filho de Salomão e da amonita Néâmah, n. pelo ano de 1016 a.C., m. 958, a.C. Sucessor de seu pai, provocou a cisão das dez tribos, por sua tirania e uma questão tributária não resolvida. Com a sublevação das tribos, Jeroboão foi coroado rei de Israel, e Roboão conservou o domínio de Judá e de Benjamin. No ano IV do seu reinado, Sheshon I, rei do Egito, tomou Jerusalém e roubou os tesouros do templo e do rei.

Sabá: Cidade da Arábia antiga, no país atualmente chamado Iemen. Foi capital de um reino do mesmo nome, que os gregos chamavam de Miriaba. Segundo as tradições árabes, é o berço da rainha Balkis (Belkis), que foi hóspede do rei Salomão, na narrativa bíblica. Há referências a esse personagem no texto denominado "A Lendária Etiópia", nesta obra.

Salomão (do hebraico Chélômóh): Reis dos israelitas, n. em 1032 e m. por volta de 975 A.C. em Jerusalém. Era filho de David e de Bethsabá. O nome desse rei, na literatura histórica sacra, é dignificado por sua sabedoria. Há referências a esse personagem no texto denominado "A Lendária Etiópia", nesta obra.

Samuel (do hebraicoShemuel: Deus o ouviu; posto por Deus). O último dos juízes[45] de Israel. Era sacerdote de um oráculo estabelecido em Rama, e viajando todos anos para Bethel, Guilgal e Mispar, onde reunia assembleias populares. A esse juiz é atribuída, pela narrativa bíblica, a escolha e sagração de Saul como rei de Israel.[46]

Saul (do hebraico Shaul: o desejado, alcançado por força das orações). Primeiro rei dos israelitas, nascido na tribo de Benjamim pelo ano de 1115 AC e morto na montanha de Gelboé, pelo ano de 1055 AC. Filho de Quis (Cis), foi designado aos hebreus pelo profeta Samuel. Face a fragorosa derrota militar frente aos filisteus, já prevista pela pitonisa de Endor, Saul suicidou-se. Seu reinado durou cerca de 40 anos.



9)Referências bibliográficas


(específicas)

» A Bíblia Sagrada - tradução de João Ferreira de Almeida, 1969

Sociedade Bíblica do Brasil. (trechos em itálico).

» Méroe, Mário de

Estudos sobre Direito Nobiliário - Ed. Centauro-SP/2000

Méroe: Um Legado Dinástico do Egito e da Núbia

Tradições Nobiliárias Internacionais e sua integração ao

Direito Civil Brasileiro

» Eban, Abba

A História do Povo de Israel - 4ª ed. Ed. Bloch - RJ

» Pequena Enciclopédia Melhoramentos

» Diccionario e Encyclopedia Internacional Jackson

» Arquivos do jornal Folha de São Paulo, edição de 07/08/1993

» Lucy R. Valentini e outros

Do Homem Primitivo até o Século IX - Cultura e Sociedade, I,

» Cotrim, Gilberto Vieira, Acorda Brasil, p.12, Ed. Saraiva, SP

» Carletti, Amilcare, Brocardos Jurídicos, vol. III, Ed. EUD, 1986,

» Cazelles, Henri. História Política de Israel, tradução de Cacio Gomes,

Ed. Paulus, São Paulo-SP, 2ª ed., 1986.


10) Citação de Mérito



Referências Bibliográficas

Fontes Consultadas

(consolidadas)

◙ Baroni Santos, W., Tratado de Heráldica, vol. I, 5ª ed., 1978

◙ Lavardin, Javier, Historia del Último Pretendiente a la Corona de España, Editions Ruedo Ibérico, Paris, França, 1976, nº d'édition: 119

◙Arquivos de O Estado de São Paulo, edição de 24/12/2001

◙Arquivos do 1º Cartório de Registro de Títulos e Documentos - Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São Paulo, Reg. nº 7.072, de 09/05/1977.

◙Lei Federal nº 6.015/73 - Registros Públicos

◙Cito, Angelo (Frei Adeodato do Sagrado Coração de Jesus), Resumo Histórico Genealógico Heráldico Jurídico da Ilustre Casa Angelo Comneno e da Ordem Sacra Imperial Angélica da Cruz de Constantino, o Grande. Rio de Janeiro-RJ, 1954.

◙Petrucci, Basílio, Ordini cavallereschi e titoli nobiliari in Italia, ed. CD Roma, 1972, in Baroni Santos, W., Tratado de Heráldica, vol. I, 5ª ed., 1978, p. 198.

◙Centro de Informação e Documentação da Coroa de Kash

◙Arquivos CID da Casa Imperial dos Romanos

◙Arquivos da Santa Sé Apostólica Pro-Patriarcal Ecumênica.

◙A Bíblia Sagrada - tradução de João Ferreira de Almeida, 1969

Sociedade Bíblica do Brasil. (trechos em itálico).

◙Méroe, Mário de

Estudos sobre Direito Nobiliário - Ed. Centauro-SP/2000

Méroe: Um Legado Dinástico do Egito e da Núbia

Tradições Nobiliárias Internacionais e sua integração ao

Direito Civil Brasileiro

◙Eban, Abba

A História do Povo de Israel - 4ª ed. Ed. Bloch - RJ

◙Pequena Enciclopédia Melhoramentos

◙Diccionario e Encyclopedia Internacional Jackson

◙Arquivos do jornal Folha de São Paulo, edição de 07/08/1993

◙Lucy R. Valentini e outros

Do Homem Primitivo até o Século IX - Cultura e Sociedade, I,

◙Cotrim, Gilberto Vieira, Acorda Brasil, p.12, Ed. Saraiva, SP

◙Carletti, Amilcare, Brocardos Jurídicos, vol. III, Ed. EUD, 1986,

◙Cazelles, Henri. História Política de Israel, tradução de Cacio Gomes,

Ed. Paulus, São Paulo-SP, 2ª ed., 1986.

[1] Cotrim, Gilberto Vieira, Acorda Brasil, p.12, Ed. Saraiva, São Paulo-SP

[2] Carletti, Amilcare, Brocados Jurídicos, vol. III, EUD - São Paulo-SP, 1986, p.XVIII

[3] Nome primitivo do povo judaico.

[4] O Direito Dinástico disciplina o protocolo e a sucessão nas Casas Reais.

[5] Estudos sobre Direito Nobiliário, Centauro/2000 , p.50

[6] Em grego: segunda Lei"

[7] Em hebraico: Torá. Conjunto formado pelos cinco livros iniciais do Velho Testamento.

[8]Fontes:

O Livro das Religiões, de Jostein Gaarder -

https://www.AsReligioes.com.br

Enciclopédia Universal, Texto Editora

[9] A História do Povo de Israel, Ed. Bloch, Rio de Janeiro, 4ª ed. 1982, p.27 e 38.

[10] cap.8, vers.9 a 20

[11] cap.8, vers.22 caput

[12] à época, o povo filisteu era o principal inimigo de Israel.

[13] vers. 16

[14] vers. 17

[15] História Política de Israel, trad. Cacio Gomes, Paulus, 2ª ed. 1986, p. 126/127.

[16] vers.26

[17] Cap.10, vers. 1

[18] vers.6 e 6

[19] Cap. 10, 20/21

[20] vers. 24, fine

[21] Seria o primeiro estatuto político-dinástico conhecido.

[22] Instituiu-se, pois, um governo teocrático, cujos poderes eram embasados no direito divino, no qual todos

os atos oficiais eram praticados pelos representantes de Deus, em seu Nome.

[23] Vers.25.

[24] negrito do autor

[25] I Sam. 11:13 e 15.

[26] Fonte: https://www.geocities.com/controversya/pp59.html

[27] Filho de Davi, 2º rei de Israel. Exilado por seu pai, após matar seu irmão Amon, revoltou-se e conspirou contra o rei.

[28] Por liber denominava-se a entrecasca sobre a qual se escrevia, antes da descoberta e utilização do papiro. É também utilizada essa palavra com o significado de livro.

[29] Enciclopédia e Diccionario Internacional, citado, p. 6.636, vol II.

[30] ________________________, p.6.982, vol. XII

[31] Extraída de "E a Bíblia Tinha Razão", de Werner Keller, Melhoramentos, 4ª ed., p. 158/159.

[32] "The Romance of the Last Crusade"

[33] Nota: Houve equívoco na redação original, pois as passagens mencionadas encontram-se no livro I de Samuel, e não no livro dos Reis. Assim, onde se lê: I Reis, leia-se I Samuel.

[34] Antiga medida agrária. Medição do trabalho de lavra executado por uma junta de bois, em um dia de trabalho.

[35] Roboão, rei de Judá, filho de Salomão e da amonita Néâmah. V. Glossário

[36] Veja-se na pág. IX publicação de descoberta sobre o rei Davi.

[37] Veja-se Descoberta Arquelógica, no item 6

[38] Veja-se A Lendária Etiópia, no item 7

[39] Op.cit., pg. 446

[40] Ernest Renan: filósofo e historiador francês, n. Tréguier (Côtes-du-Nord) em 1823, m. Paris, 1892. Autor, entre outras, da obra A História do Povo de Israel (1887-1892)

Fonte: Encyclopedia e Diccionario Internacional W.M.Jackson, Inc, vol XVI, p.9.686

[41] FONTE: https://www.tabernaculodapaz.hpg.ig.com.br/artigos/superinteressante.htm

[42] Extraído de "Méroe: Um Legado Dinástico do Egito e da Núbia", de Mário de Méroe

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

ENKUTATASH - ANO NOVO ETÍOPE





Os dias epagomênicos, são cinco ou seis dias extras no final do ano, é uma semana de preparativos para os etíopes que celebram o Ano Novo etíope (Enkutatash). De acordo com o calendário etíope, que derivou do calendário alexandrino ou Copta, o Ano Novo cai no dia 11 de setembro ou no dia 12 em um ano bissexto.

O Ano Novo etíope é caracterizado pelo fim da longa estação chuvosa, chegando com um céu brilhante e uma luz solar deslumbrante. O campo se transforma em ouro com as margaridas amarelas (adey abeba) cobrindo todos os campos nas áreas rurais da Etiópia, que estão florindo nesta época do ano.

O festival é celebrado com o canto de músicas especiais dedicadas a este feriado por meninas vestidas com roupas tradicionais etíopes e dando os buquês de flores (adey abeba) que colheram dos campos para cada casa. Em troca, elas geralmente recebem um pequeno presente, geralmente dinheiro.

A celebração do Ano Novo da Etiópia, Enkutatash, que significa "Presente das Jóias" é considerado celebrado desde a época da Rainha de Sabá. Durante a visita ao rei Salomão de Israel em Jerusalém, a Rainha tinha presenteado o Rei com 120 talentos de ouro (4,5 toneladas), bem como uma grande quantidade de especiarias e joias únicas, como mencionado na Bíblia.

E deu ao rei cento e vinte talentos de ouro, e muitíssimas especiarias, e pedras preciosas; nunca veio especiaria em tanta abundância, como a que a rainha de Sabá deu ao rei Salomão. 1 Reis 10:10


Quando a Rainha voltou para a Etiópia, seus chefes a receberam com joias preciosas para reabastecer seu tesouro. Enkutatash foi celebrado desde então.

A iluminação da fogueira na véspera do Ano Novo também faz parte da celebração. Os homens da família acendem uma fogueira feita de ramos e folhas de árvores para dizer adeus ao ano que se encerra, desejando um ano mais brilhante, paz e prosperidade para a família e o país como um todo.

O calendário etíope é derivado do calendário alexandrino ou copta. Como o calendário juliano, adiciona um dia a cada quatro anos sem exceção.

O calendário etíope tem doze meses de 30 dias, mais cinco ou seis dias epagomênicos, que compõem um décimo terceiro mês. O sexto dia epagomenal é adicionado a cada quatro anos.

À medida que a contagem etiópe dos anos começa no ano 8 da Era Comum, uma era do calendário frequentemente usada como nomeação alternativa do AD, há espaço de sete a oito anos entre o calendário etíope e o calendário gregoriano. Isso resulta principalmente de um cálculo alternativo na determinação da Data da Anunciação para a Virgem Maria.

A Era Comum (AD) segue os cálculos de Dionísio, um monge do século VI, enquanto os países não-calcedonianos continuaram a usar os cálculos de Annius, um monge do século V, que colocou a Anunciação de Cristo exatamente 8 anos depois. Por isso, hoje, em 11 de setembro de 2017, será o ano 2010 no calendário etíope.

Enkutatash é uma ocasião muito festiva e uma reunião para famílias. A estação chuvosa é o momento mais movimentado para famílias nas áreas rurais, pois é a principal estação nas terras altas para o cultivo de culturas de plantio. O fim da chuva significa tempo para descansar e comemorar.

O Ano Novo etíope é uma fonte de inspiração para todos os etíopes. Os fazendeiros nas áreas rurais em suas fazendas esperam uma safra abundante na próxima temporada. As crianças na escola estão se preparando para o novo ano acadêmico, enquanto os estudantes universitários em todo o país estão se preparando para mais um ano na faculdade.

Neste momento único, também está entre as primeiras horas para as chegadas de turistas. É hora de um número crescente de fluxos turísticos para a nação do Leste Africano, com nove herdeiros do mundo inscritos e cinco na lista de espera.

O ano novo etíope é celebrado por todos os etíopes e pelos etíopes na diáspora. Seguidores de todas as religiões do país, incluindo cristãos e muçulmanos, celebram o Ano Novo etíope com muitas festividades.

Melkam Addis Amet


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sábado, 20 de fevereiro de 2016

O KEBRA NAGAST E AS REPRESENTAÇÕES DE SI MESMO AFRICANAS ANTIGAS E AFRO-AMERICANAS CONTEMPORÂNEAS

Jean-Pierre Vernant ensinou que os textos escritos conhecidos por nós genericamente como “mitologia” constituem o fim de um longo percurso que esses relatos perfizeram desde sua constituição ‘no fim dos tempos’, percurso em que se estabeleceram, foram transmitidos e conservados. Desnecessário discorrer acerca do exaustivo estudo a que tem sido submetidos os ciclos mitológicos oriundos da Grécia clássica; nosso propósito aqui é dissertar acerca de um outro ciclo legendário antigo que tem alcance em nossa contemporaneidade da mesma forma que o grego. Com isto queremos dizer que, assim como a mitologia grega, este existe na forma escrita e sobrevive nas práticas culturais de determinados grupos sociais. 

Estamos fazendo referência ao ciclo de lendas que envolve a assim chamada “Rainha de Sabá”, que tem expressões em várias culturas da região do Mediterrâneo oriental antigo, entre judeus, árabes/muçulmanos, cristãos e etíopes, narrativa que possui também versões por escrito em cada uma dessas culturas. No contexto de divulgação do patrimônio cultural e civilizacional africano ensejado pela promulgação da Lei 10.639, temos realizado um trabalho de pesquisa focado especificamente na sociedade africana que agregou à sua herança cultural a lenda da Rainha de Sabá: a sociedade etíope. Nosso estudo é centrado em uma fonte literária etíope chamada Kebra Nagast.

Como resume Mario Curtis Giordani, “a história da Etiópia apresenta algumas características próprias que a diferenciam da história de outros povos africanos: documentação escrita, influência de uma tradição lendária, situação geográfica especial”. Um dos primeiros Estados a adotar o cristianismo como religião oficial na História, dentre os mais longevos que existiram, e única nação africana a não ser colonizada por europeus. A escolha em se trabalhar com a Etiópia não consiste em menosprezar as manifestações religiosas e culturais tradicionais atribuídas à África, mas, ao invés disso, de um esforço em trazer à tona a – para muitos surpreendente – diversidade do continente.

Temos assim o Kebra Nagast, termo que em Geês, idioma litúrgico da Etiópia no qual foi escrito, significa “Glória dos Reis”, obra que faz parte de um imenso corpus literário etíope. A importância do Kebra Nagast, diante da profusão de outras obras, a maioria sequer traduzida para outros idiomas, advém do fato de ele constituir muito mais que um simples texto literário, mas sim – assim como a Torá para os judeus e o Corão para os muçulmanos – aquilo que Edward Ullendorff chama de “repositório dos sentimentos religiosos e nacionais etíopes”. Trata-se de uma crônica pretensamente histórica dos reis etíopes, remontando sua origem à lenda de Sabá. A própria narrativa central, a alma e motivo condutor do Kebra Nagast é o ciclo da rainha de Sabá e sua visita à Salomão, baseado no relato bíblico encontrado em 1 Reis 10, versículos 1 a 13 e 2 Crônicas 9, versículos 1 a 12. De acordo com tais passagens, a rainha de Sabá, cuja aparição no relato bíblico não é precedida de qualquer explicação, tomou conhecimento da impressionante sabedoria do rei Salomão, de Israel, e empreendeu uma longa viagem a fim de conhecê-lo e colocar à prova tal sabedoria, portando uma quantidade enorme de presentes. Uma vez em Israel,

"Salomão a esclareceu sobre todas as suas perguntas e nada houve por demais obscuro para ele, que não pudesse solucionar. Quando a rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão (...), perdeu o fôlego ficou fora de si e disse ao rei: ‘Realmente era verdade tudo quanto ouvi na minha terra a respeito de ti e da tua sabedoria!"

O relato encerra com uma generosa troca de presentes entre os monarcas e a volta da rainha de Sabá para seu reino. Esse é apenas o núcleo da lenda de Sabá que, como dissemos, povoa o imaginário de diversos povos antigos . Entre os próprios judeus, por exemplo, sabemos que circulavam mais informações a seu respeito, uma vez que o historiador judeu-romano Flávio Josefo, no primeiro século de nossa era comum, registrou no Livro Oitavo de suas Antiguidades Judaicas mais detalhes sobre a visita, como o nome atribuído pelos judeus à rainha, não citado na Bíblia, que seria Nicolis, e o fato de seu reino ser a Etiópia e o Egito, não Sabá. 

De que modo a Etiópia incorporou esse mito? O Kebra Nagast retoma a narrativa da Bíblia e a expande, acrescentando informações que aquele relato não faz referência. De fato, muito embora a discussão historiográfica seja grande em torno da localização de Sabá, que poderia se localizar tanto na costa iemenita do Mar Vermelho – sendo a rainha árabe, portanto – quanto na costa africana, isto é na Etiópia, o Kebra Nagast toma como ponto de partida pacífico a rainha de Sabá como etíope. De fato, a proposta do Kebra Nagast é contar a origem da dinastia que governava a Etiópia à época de sua escrita e legitimar o seu poder. Assim, partindo do relato bíblico, podemos dizer que o Kebra Nagast o aprofunda: de acordo com ele, a rainha etíope – chamada Makeda – tomou conhecimento, através de agentes comerciais, da sabedoria de Salomão e empreendeu uma viagem nos mesmos moldes da que a Bíblia relata. A diferença começa quando a rainha se propõe a partir, pois, além de a rainha se converter à fé israelita, o rei Salomão traça um plano para tomá-la como esposa, e de fato, recorrendo a um estratagema, consegue fazer com que a rainha virgem se deite com ele. O Kebra Nagast diz que após isso, o rei tem um sonho profético, em que “apareceu em seu sonho um sol brilhante, e ele desceu dos céus e espalhou grande esplendor sobre Israel. E quando havia terminado, ele voou a Etiópia e brilhou com grande luminosidade para sempre, pois ele desejava morar lá.” A rainha Makeda retorna a seu reino esperando um filho do rei Salomão. Esse filho, chamado Menelik, ao tornar-se adulto, refaz o caminho da mãe, visitando também o pai, que por sua vez insta com ele para que assuma o trono de Israel. Como Menelik recusa, Salomão ordena que ele seja feito rei da Etiópia, quebrando a tradição de governantes mulheres, e para tanto envia primogênitos dos nobres de Israel como corte para o reino gêmeo que Israel passará a ter então. Os jovens enviados, inconformados com a incumbência que é na prática um exílio, arquitetam um plano em que entra em cena o objeto que é o tema central do Kebra Nagast: a Arca da Aliança, chamada no texto de Zion (Sião). O plano é roubar do templo de Jerusalém e levar consigo para a Etiópia o signo-mor do favor e da presença de Deus na terra. De fato, a Arca do Pacto é o objeto-símbolo central do Kebra Nagast, corporificando a transferência do favor de Deus dos judeus aos etíopes (prefigurada no sonho de Salomão), sendo a garantia da legitimidade da dinastia de reis descendentes de Salomão, com uma descrição totalmente baseada no relato da Bíblia. A Etiópia seria governada, portanto, de acordo com o relato do Kebra Nagast, por uma dinastia de reis, iniciada com Menelik, descendentes do rei Salomão, e seria a nação fiel depositária do objeto mais sagrado que já existiu. Ao mesmo tempo, Israel perdera o favor de Deus, como é relatado no próprio Kebra Nagast:

"Portanto, quando os judeus O virem, eles serão envergonhados, e serão condenados ao fogo duradouro. Mas nós que acreditamos, seremos colocados no trono e regozijaremos (...). Depois que os judeus crucificaram o Salvador do mundo, eles foram espalhados, e seu reino foi destruído e foram subjugados para sempre.

Qualquer estranhamento em relação aos possíveis anacronismos (como a referência à crucificação de Cristo enquanto motivo para a transferência da Arca do Pacto de Jerusalém para Aksum, a capital religiosa etíope) do Kebra Nagast é dissipado quando se leva em conta que, conforme Ullendorff ressalta, “os componentes principais da sua história tiveram um período muito longo de gestação na Etiópia e em outros lugares, e possuem todos os elementos de uma confluência gigantesca de ciclos legendários”. Ou seja, o Kebra Nagast constitui um exemplo de fonte literária resultante do assentamento por escrito de uma tradição repassada oralmente por um longo tempo, no qual sofreu as mais diversas influências, mas fruto principalmente da ação de três elementos: memória, oralidade e tradição, estando constantemente aberto, portanto, à renovação e inovação. Por isso, Jean-Pierre Vernant afirma que “quando o mitólogo especialista em Antiguidade encontra uma lenda já fossilizada em textos literários ou eruditos (...), se quiser decifrá-la corretamente terá que alargar sua pesquisa, passo a passo”, uma vez que “o que interessa ao historiador (...) é o pano de fundo intelectual evidenciado pelo fio da narração, o quadro em que está tecido.” Assim, para compreender a representação que fazem os etíopes de si mesmos no Kebra Nagast, de povo escolhido em substituição aos rejeitados israelitas, é imprescindível a ampliação do campo de pesquisa; é necessário buscar o que diz a historiografia sobre a Etiópia antiga e que impressões registraram outros povos sobre os etíopes. 

Ao afirmarem no Kebra Nagast que “Deus amou o povo da Etiópia, pois sem conhecerem Suas leis eles destruíram seus ídolos; mas aqueles para quem a lei foi dada (os judeus) fizeram ídolos e veneraram os falsos deuses que Deus odeia” , os etíopes estão construindo a sua identidade a partir do outro, do diferente. Estão marcando uma clara fronteira cultural que os torna intrinsecamente diferentes dos judeus. Como afirma François Hartog em seu Espelho de Heródoto,

"dizer o outro é enunciá-lo como diferente – é enunciar que há dois termos, a e b, e que a não é b. Por exemplo: existem gregos e não-gregos. Mas a diferença não se torna interessante senão a partir do momento em que a e b entram num mesmo sistema. Não se tinha antes senão uma pura e simples não-coincidência.

A partir do momento em que é definida a diferença fundamental entre dois grupos e a relação que a subjaz, “pode-se desenvolver uma retórica da alteridade própria das narrativas que falem sobretudo do outro”, que tem na figura da inversão – “em que a alteridade se transcreve como um antipróprio” – o meio mais usual para traduzir essa diferença. Assim, os etíopes – constantes em sua fé a Deus – são representados como o contrário dos judeus, que rejeitaram a condição de povo escolhido e se tornaram, portanto, infiéis. 

Ora, “um texto não é uma coisa inerte, mas inscreve-se entre um narrador e um destinatário. Entre o narrador e o destinatário existe, como condição para tornar possível a comunicação, um conjunto de saberes semântico, enciclopédico e simbólico que lhes é comum.” Levando que, obviamente, tal afirmação se aplica a toda narrativa, vejamos que imagem outros povos deixaram registradas dos etíopes em suas narrativas, exemplificando o conjunto de saberes evidentes que sobre eles compartilhavam os povos antigos.

Homero e Heródoto são alguns dos autores clássicos gregos que fazem diversas referências à Etiópia, evidenciando a relevância desse povo no contexto internacional antigo. A análise da Bíblia – fonte primária principal de nossa pesquisa, ao lado do Kebra Nagast – usada enquanto documento histórico, focando na temática de nossa pesquisa, traz à tona o relevante papel desempenhado pela Etiópia no espaço geográfico que envolve o eixo “Mediterrâneo Oriental/Mar Vermelho/Oceano Índico”, na Antigüidade. Essa importância é, primariamente, inferida a partir das numerosas citações do povo etíope que encontramos na Bíblia, que é o objeto de nossa análise comparada à da fonte propriamente etíope, o Kebra Nagast. Antes de passarmos às referências, vale lembrar a ressalva feita por Ullendorff : um termo recorrentemente usado na Bíblia para referir-se à Etiópia é “Cush”, que muitas vezes refere-se não somente a esse país propriamente, mas de um modo geral à fronteira da região ao Sul do Egito, incluindo a Núbia; o contexto pode fornecer a chave para saber qual é o caso. Em suma, é um termo hebraico equivalente ao conhecido termo grego Aethiopía. Aqui, portanto, tomaremos Cush e Etiópia como expressões sinônimas usadas na Bíblia para referir-se ao mesmo lugar.

A primeira referência bíblica à Etiópia encontra-se já no relato da criação do mundo, em que Deus cria o Jardim do Éden, de onde nascem quatro grandes rios, um dos quais é o “Geom: rodeia toda a terra de Cuch”. Segundo Josefo, em sua História dos Judeus, trata-se do rio Nilo , versão corroborada por Cheesman, citado por Ullendorff, que fala da importância do Nilo Azul para a vida e História etíope e segundo quem ‘até hoje as fontes do Nilo são chamadas de Giyon’ . Analisando-se a tabela genealógica de Gênesis 10: 6-8, em que vemos Cush ser listado como filho de Cam, a Bíblia fala que todos os seus descendentes se estabeleceram na Ásia, muito embora a única área não-africana citada seja Canaã, correspondente à Palestina. Assim, a Bíblia sugere que os povos proto-árabes seriam descendentes de povos africanos anteriores. Há diversas passagens no Velho Testamento em que a Etiópia, ou Cush, é citada como fronteira da região ao sul do Egito, como em Ezequiel 29: 10 (“...desde Magdol até Siene, e até as fronteiras de Cuch”), Naum 3: 9 (“Cuch era a sua força, e o Egito também sem limite...“), e Eze. 30: 9, onde percebemos que a referência aos “mensageiros enviados por mim, em navios, para assustarem Cuch em sua tranquilidade”, é uma clara referência à navegação subindo o rio Nilo. Os rios da Etiópia também são referidos na Bíblia em Isaías 18: 1, 2: “Ai da terra dos grilos alados, situada além dos rios de Cuch!”. Os “barcos de papiro” citados no versículo 2 podem ser vistos até a atualidade no lago Tana, no Norte da Etiópia.

O profeta Isaías se refere à Etiópia em diversas ocasiões: em Isa. 11: 11, sobre a diáspora: “para resgatar o resto do seu povo, a saber, aquilo que restar na Assíria (...) e em Cuch”; em Isa. 43: 3, citando a Etiópia como resgate pelo povo de Israel: “Por teu resgate dei o Egito, Cuch e Sebá, dei-os em teu lugar”; em Isa. 45: 14, aludindo a seu comércio intenso: “e os mercadores de Cuch, e os sabeus, homens altos, virão a ti e se tornarão teus”; em Isa. 20: 3-5, em uma profecia de libertação: “da mesma maneira que o meu servo Isaías andou nu e descalço durante três anos – sinal e presságio que diz respeito ao Egito e a Cuch –, dessa mesma maneira o rei da Assíria levará os cativos do Egito e os exilados de Cuch (...) Eles ficarão apavorados e envergonhados por causa de Cuch, a sua esperança”. 

Uma passagem de especial interesse historiográfico é a de Isaías 37: 9, repetida praticamente nos mesmos termos em 2 Reis 19: 9, em que é encontrada uma alusão à 25ª Dinastia Egípcia, a chamada Dinastia Etíope, em que foi efetivada a união entre o Egito e o “Cush”, citando inclusive nominalmente um de seus faraós (reconhecido pela historiografia): “Por ter recebido um recado a respeito de Taraca, rei de Cuch, dizendo: “ele partiu para a guerra contra ti”.” Além de confirmar o relato de outras fontes e da historiografia sobre o enfrentamento entre o Egito sob dominação “etíope” e o Império Assírio, o versículo deixa subentendido a importância que tinham e o temor que causavam os guerreiros negros do reino cushita nos impérios da Antigüidade . 

Em Ester 1:1 são descritos os “limites do mundo”, sendo que estes correspondiam, no momento da escrita do texto, aos limites do domínio persa (que segundo Heródoto não conseguiram submeter os etíopes): “Eis o que aconteceu no tempo de Assuero, este Assuero que reinou desde a Índia até a Etiópia...”. Assim, a Etiópia delimita no texto bíblico uma das fronteiras do mundo conhecido e civilizado.

O livro de Jeremias traz também importantes alusões à Etiópia e aos etíopes, como em Jer. 46: 9, que corrobora a fama de elevada estatura física de que gozam os etíopes, e Jer. 13: 23, onde faz referência à cor negra desse povo: “Pode o etíope mudar a sua pele? O leopardo mudar suas pintas?”. Nos versículos 7 a 12 do capítulo 38, e 16 a 18 do capítulo 39, Jeremias faz um relato a partir do qual podem ser extraídas valiosas informações sobre as relações entre judeus e etíopes, ajudando a quebrar a imagem de povos estanques vivendo isolados na antigüidade, ao mesmo tempo que mostra a ancestralidade da penetração da cultura judaica entre os etíopes, que “desembocará” mais tarde no Kebra Nagast. Trata-se da ocasião em que o rei Ezequias, de Israel, foi convencido a permitir o lançamento do profeta Jeremias em uma cisterna onde morreria de fome, apuro do qual foi salvo graças à intervenção de Ebede-Meleque, um etíope eunuco que vivia na corte de Ezequias. Percebe-se não só a interação entre estes povos, mas também que Ebede-Meleque gozava de alta estima na corte real de Israel, uma vez que o rei atende aos seus apelos e manda que Jeremias seja resgatado da cisterna. Segundo Josefo, tratava-se de um criado do rei, obviamente prosélito judeu, mas com uma posição privilegiada, tendo acesso direto à pessoa do rei, que por sua vez estava disposto a ouvir suas admoestações.

Para mostrar que não se tratava de um fato isolado, um etíope vivendo entre os judeus em Canaã, o texto de 2 Samuel 18: 21 afirma que foi um etíope a serviço do rei Davi que levou a este a notícia da morte de Absalão, filho do rei Saul. Muito diferente da imagem atual, estereotipada, de uma África em geral, e Etiópia em particular, dependente de outras nações e irrelevante no cenário internacional, a Bíblia contém e transmite uma visão em que a Etiópia e os etíopes figuram no primeiro escalão das potências e grandes homens da época, como em Ezequiel 30: 4, 5, 9, onde a Etiópia é retratada como uma poderosa nação aliada do Egito, confiante em si e temida, mas que seria humilhada pelo poder de Deus.

Nos Salmos são também numerosas as referências à Etiópia, como no capítulo 87, versículo 4, que reza: “eu recordo Raab e Babilônia entre os que me conhecem, eis a Filistéia, Tiro e a Etiópia, onde tal homem nasceu”, passagem usualmente interpretada como alusão a grandes centros que possuíam colônias judaicas, o que confirmaria a penetração da cultura judaica na Etiópia desde muito cedo. É também nos Salmos que encontramos a citação preferida da Etiópia na Bíblia (Sal. 68: 32): “Do Egito virão os grandes, a Etiópia estenderá as mãos para Deus”. Essa passagem, que profetizaria a conversão da Etiópia, é citada duas vezes no Kebra Nagast e usada até hoje como lema ou em emblemas heráldicos na Etiópia, como um símbolo da ardente aderência daquele povo à fé cristã.

A Etiópia, relacionada ou não ao Sul do Egito, é mencionada em Daniel 11: 43, em 2 Crônicas 12: 13 e 16: 8, assim como nos capítulos 21, verso 16, e 14, versos 8 a 12, em que é descrito um improvável – sob os pontos de vista histórico e geográfico – ataque dos etíopes ao reino de Judá governado pelo rei Asa: “Zara, o cuchita, marchou contra eles com um exército de um milhão de homens e trezentos carros (...) os cuchitas fugiram e Asa os perseguiu com seu exército”. Mais uma vez é demonstrada, mesmo que soe inverossímil o relato, não é essa a questão, a “fama” e o respeito de que gozavam os etíopes nas relações internacionais do mundo antigo. Ainda no livro de 2 Crônicas, cap. 12 ver. 2, 3, os etíopes são citados como integrantes da força militar com a qual o faraó Sesac capturou cidades de Judá e atacou Jerusalém.

De acordo com Ullendorff, vestígios das relações comerciais de larga escala mantidas entre as nações do universo pan-mediterrânico antigo podem ser encontrados na linguagem usada na escrita dos livros bíblicos de Jó e Provérbios, que são marcados pela presença de palavras do sul da Arábia, demonstrando a longa estabilidade desse processo. Em Jó 28: 19, por exemplo, há referência ao valioso “topázio de Cuch”.

Uma das mais famosas passagens do Velho Testamento referentes à Etiópia é, sem dúvida, Números 12: 1, em que Miriã e Arão se queixam por Moisés ter casado com uma mulher etíope. Embora muitas haja muitas explicações desse relato que dizem que “Cuchita” pode ser aplicado à Zípora, esposa midianita (árabe) de Moisés, isso não explica a indignação dos seus irmãos. Vale ressaltar que na maioria das citações bíblicas usadas nesse texto em que é usado o termo “Cuch”, por exemplo, a Bíblia de Jerusalém tem notas de rodapé explicando que tal termo significa Etiópia. Josefo nos diz que Moisés de fato casou-se com uma princesa etíope de nome Tarlis, encerrando com este matrimônio sua campanha de contra-ofensiva vitoriosa no comando do exército egípcio contra os etíopes. O profeta Amós dá a entender, numa passagem do seu livro (versículo 7 do capítulo 9), que a migração de Israel fora do Egito não seria a única em que Deus tomou parte, o que inclui de algum modo os etíopes: “não sois para mim como os cuchitas, ó israelitas? Não fiz Israel subir da terra do Egito, e os filisteus de Cáftor e os arameus de Quir?” A principal referência à Etiópia no Novo Testamento ocorre em Atos dos Apóstolos 8: 27, onde lemos sobre “um etíope, eunuco e alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia”. Este homem etíope era um prosélito judeu que foi batizado na fé cristã por São Felipe, mostrando mais uma vez a inter-relação que havia entre esses povos. Vale destacar que essa passagem também consta no Kebra Nagast, associando esta Candace – provavelmente trata-se de um título das rainhas meroíticas – à rainha de Sabá, como se fossem uma só pessoa, fazendo alusão às passagens de Lucas 11: 31 e Mateus 12: 42, em que Jesus fala da “Rainha do Sul” que veio conhecer a sabedoria de Salomão.

Pela quantidade de citações que ele contém, percebe-se que a fonte primária do Kebra Nagast é o Velho Testamento, principalmente pelo lugar central que seus relatos ocupam na sua estrutura, ela própria retirada de um relato da Bíblia. Trata-se, porém, de uma obra muito mais extensa, em que é percebido um trabalho de ‘colagem’, paráfrase, reescrita de muitos trechos da Bíblia, do Antigo e Novo Testamentos, bem como de escritos rabínicos e apócrifos. Nele há um grande número de citações bíblicas, especialmente Salmos, mas as mudanças na fraseologia, no vocabulário e no contexto tornam difícil definir exatamente o que é texto extraído da Bíblia dentro do Kebra Nagast. 

Esta longa série de citações à Etiópia e aos etíopes na Bíblia, assim como as raízes do Kebra Nagast, bíblicas em sua maioria, é evidência suficiente para demonstrar a importância desse povo no recorte temporal estudado, a Antigüidade. Quando aliado às evidências apontadas pela historiografia e pela arqueologia, assim como por diversas outras fontes da época, não bíblicas, como as fontes gregas já citadas, começa-se a perceber que é plenamente factível a elaboração de uma História da África em que esta é ‘tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações’, baseada na mesma ‘história da ancestralidade e religiosidade africana’. Uma África com História, e uma História muito diferente da imagem negativa e estereotipada e preconceituosa repassada ao longo do tempo.

Tais evidências em artefatos culturais apenas corroboram o que os artefatos arqueológicos não dão margem à dúvida: o fato de que a Etiópia, no início da era cristã, “era uma potência mercantil de primeiro plano, o que se evidencia pela cunhagem de moeda própria em ouro, prata ou cobre.” A cunhagem de moedas, especialmente de ouro, no mundo antigo, era um ato não só econômico, mas essencialmente político: “Através dela o Estado de Axum [outra denominação para o antigo Estado etíope] proclamava ao mundo sua independência e prosperidade, o nome de seus monarcas e as divisas do reino.” Tanto que por volta do ano 270, na Pérsia, o profeta Mani descreveu Axum em seu Kephalaia como “um dos quatro maiores impérios do mundo.” De fato, as evidências mostram que a Etiópia ocupou a hegemonia mundial das grandes rotas de comércio que tinham como centro a região do corno da África e ligavam desde Bizâncio à Índia. Escavações arqueológicas em vários sítios etíopes “revelaram numerosos objetos de origem não-etíope” , que vão desde estatuetas de Buda à moedas de prata romanas. As influências culturais de egípcios, árabes, judeus, sírios, budistas, armênios, gregos, cristãos bizantinos e outros foram assimilados pela cultura etíope e transformados em algo próprio. Como ressalta Kobishanov,

"o reino axumita foi muito mais do que uma grande potência comercial nas rotas que uniam o mundo romano à Índia e a Arábia ao nordeste da África; foi também um importante centro de difusão cultural, exercendo sua influência ao longo dessas rotas e tendo, ao mesmo tempo, numerosos traços de sua cultura determinados pela influência de muitos países de antiga civilização do nordeste da África e do sul da Arábia, sob seu domínio."

Compreende-se melhor a partir de tais informações a visão que tinham outros povos dos etíopes, assim como o quadro que eles pintaram de si mesmo no século XIII, quando colocaram por escrito o ciclo de lendas sobre a origem de seu Estado de base teocrática no Kebra Nagast. Nossa pesquisa com essa fonte primária africana, atrelada ao Ensino de História da África e de História Antiga africana e às reflexões que as determinações da Lei 10.639 enseja, nos leva à consideração de novas possibilidades analíticas dessa História. O ensino de História Antiga, historicamente, se constitui numa preocupação para os docentes brasileiros, levando em conta a escassez de pesquisas nacionais sobre temas relacionados e à própria falta de interesse pelo tema. Pedro Paulo Funari afirma que tal quadro sofreu nítida e significativa mudança na última década, com a formação de professores para o ensino superior capacitados nesta área, a expansão das pesquisas acadêmicas (nacionais) sobre o mundo antigo, com muitas Universidades tendo em seus quadros professores mestres e doutores com pesquisa própria sobre a Antigüidade, e uma busca de renovação de sua inserção na sala de aula. É exatamente nesse quadro atual de renovação da História antiga que nossa pesquisa se enquadra, potencializada pelo respaldo da referida Lei.

Essa tendência de renovação da História Antiga pode ser sintetizada na seguinte fórmula: continuam-se valorizando os temas tradicionais da História Antiga, que são a base para se estabelecer relações entre a sociedade contemporânea e as antigas; no entanto novos temas começam a ser incluídos, a partir das necessidades contemporâneas, fazendo ligação entre narrativas historiográficas do passado e temas relevantes da atualidade que merecem reflexão pelos alunos. Ou seja, está ocorrendo a diversificação dos objetos e das abordagens, ao lado da integração entre o estudo da Antigüidade e da realidade brasileira contemporânea. Nesse contexto, Funari destaca duas principais inovações interpretativas que vem influenciando positivamente o ensino de História Antiga no Brasil: “a apresentação de uma Antigüidade construída pela historiografia, antes que uma História dada, acabada”, e “o relacionamento entre a Antigüidade e o mundo contemporâneo em que vivemos”.

A nossa pesquisa, focada a princípio na Antigüidade etíope (e norte-africana de um modo geral) e em suas trocas culturais especialmente com o povo judeu, que geraram a saga nacional etíope – nossa fonte, o Kebra Nagast –, possui naturalmente um forte vínculo com a contemporaneidade, que pode ser explorado tendo em vista a Lei 10.639: o Kebra Nagast, além de ser um livro sagrado ancestral para o povo etíope, goza do mesmo status atualmente pelos adeptos da Doutrina Rastafári, amplamente difundida – e paradoxalmente pouco conhecida – no Nordeste do Brasil. Desse modo, a nossa pesquisa possui um alcance duplo: além de trabalhar no resgate da História de uma civilização africana que exerceu importância vital na Antigüidade, trazendo à tona uma imagem desconhecida da África para o ensino de História no Brasil, não estando a Europa permanentemente no centro de tudo, tem a oportunidade de estudar e divulgar de maneira aprofundada as origens africanas ancestrais de uma manifestação afro-americana atual – o Rastafarismo, que possui raízes em organizações políticas e religiosas da África pré-colonial. O Rastafarismo surgiu na Jamaica na década de 1930, a partir das pregações do líder Marcus Garvey. Trata-se de um movimento religioso e sócio-cultural pan-africanista, uma espécie de “sionismo negro”, que considera o último Imperador da Etiópia, Haile Salassie, encarnação de Deus, e prega o retorno de todos os povos negros, trazidos à América como escravos, para a África, a sua terra prometida (Sião). É uma religião abraâmica altamente sincrética, que possui raízes firmemente plantadas na tradição bíblica e no Kebra Nagast. Os rastas usam o passado bíblico da teocracia judaica para formar sua etnia como uma família, uma nação.

As práticas religiosas, o comportamento e a própria aparência dos adeptos do Rastafarismo tem ligações íntimas com o texto bíblico e com o Kebra Nagast, ligações estas praticamente desconhecidas pelo público em geral, especialmente o escolar, o que gera uma visão negativa e preconceituosa dessa manifestação religiosa. Por exemplo, poucos sabem que o uso de dreadlocks, o penteado característico rasta, com longas tranças (embora não universal entre seus adeptos nem exclusivo deles), está relacionado ao voto do nazireado ordenado por Jeová – Jah, na abreviação comumente usada entre os rastas – em determinadas circunstâncias ao seu povo escolhido, conforme o capítulo 6 do livro de Números. Trata-se, assim, de um voto religioso que expressa profunda devoção a Deus, simbolizando ao mesmo tempo a juba do “Leão de Judá” e a rebelião contra os modelos estabelecidos por “Babilônia”, o domínio branco capitalista que vem há séculos explorando a raça negra. Mesmo na linguagem usada pelo Rastafarismo percebe-se a onipresença de termos bíblicos e oriundos do Kebra Nagast, o que denota a ligação e a influência exercida por esses escritos na vida de seus adeptos.

Vale destacar também que a exposição, pelos professores, dos resultados dessa pesquisa para o corpo discente contará com a ajuda de uma das principais manifestações e forma de expressão da cultura rasta: a sua musicalidade, sendo a música Reggae muito popular em nossa região, o que facilitará sua inserção em sala de aula. O Reggae, mais do que simples música para entretenimento, trata-se de expressão da religiosidade Rastafári, contendo suas letras inúmeras referências à Bíblia e ao “Livro”, o Kebra Nagast. Muitas letras também são expressões de protesto racial e político.


Marcos José de Melo
Graduando em História pela Universidade de Pernambuco; membro do Leitorado Antiguo – Grupo de Ensino e Extensão em História Antiga; Bolsista em Iniciação Científica FACEPE/CNPq; email: marcos_melo83@hotmail.com

Prof. Dr. José Maria Gomes de Souza Neto
Professor Adjunto da Universidade de Pernambuco/Faculdade de Formação de Professores de Narazé da Mata; coordenador do Leitorado Antiguo – Grupo de Ensino e Extensão em História Antiga; email:
zemariat@uol.com.br



Se você tiver interesse em receber uma cópia do livro Kebra Nagast, com a tradução em inglês de Sir. E. A. Wallis Budge (publicado em 2000 e revisado em 2008), no qual esse artigo foi baseado, envie um e mail contato@fyadub.org solicitando. Teremos o maior prazer em encaminhar o livro gratuitamente. Ou se preferir, pode adquirir uma das diversas versões nos links abaixo;


     
     

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