CPI relatada por Esperidião Amin (PP-SC), o relator da CPI, propõe censura da Internet. |
Foi aprovado na quarta-feira 04/05/2016 o relatório final da Comissão
Parlamentar de Inquérito de Crimes Cibernéticos (CPICIBER, como ficou
conhecida). O documento
traz uma série de propostas e de projetos de lei (PLs) que passarão a
tramitar na Câmara dos Deputados com prioridade, parte importante deles
com ameaça à liberdade na internet e criminalizando ainda mais quem
navega na rede.
Um dos PLs prevê a possibilidade de bloqueio “a aplicação de internet
hospedada no exterior ou que não possua representação no Brasil e que
seja precipuamente dedicada à prática de crimes puníveis com pena mínima
igual ou superior a dois anos de reclusão, excetuando-se os crimes
contra a honra”.
Em outras palavras, um juiz poderá bloquear toda uma aplicação
(aplicativos de celular, sites ou redes sociais) por considerar que ela é
voltada majoritariamente para se praticar crimes, entre eles o de
violação de direitos autorais, ou “pirataria”. Esse PL foi a grande
polêmica da votação do relatório final.
De um lado, deputados atendendo ao lobby dos grandes estúdios de
Hollywood e de emissoras de TV que buscam ampliar a criminalização do
compartilhamento e o uso de produtos audiovisuais “não oficiais” –
prática corrente na Internet. De outro, deputados e entidades de defesa
dos usuários alertando que é importante punir crimes na rede mas sem
comprometer, por meio do bloqueio, o conjunto das pessoas que fazem uso
das aplicações.
O debate sobre o tema, que já era polêmico desde a apresentação da
primeira versão do relatório final, esquentou ainda mais com a decisão
do juiz Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), de bloquear o
Whatsapp por 72 horas, tomada na última segunda-feira 2.
A despeito das motivações importantes do magistrado (a resistência da
empresa em cooperar com uma investigação), o episódio mostrou como uma
decisão desproporcional pode prejudicar dezenas de milhões de
brasileiros que usam um aplicativo para se comunicar, trabalhar e
desenvolver todo tipo de atividade diariamente.
A solução encontrada pelos deputados? Também excluir da possibilidade
de bloqueio autorizado “aplicações de mensagens instantâneas, de uso
público geral”. O restante do texto, porém, foi mantido, com sérias
ameaças à liberdade de expressão e ao acesso à informação dos
internautas.
Além da amplitude da proposta – considerar qualquer crime cuja pena
de reclusão seja de, no mínimo, dois anos, incluindo novas tipificações
que possam surgir –, como definir se uma aplicação é “precipuamente
dedicada à prática de crimes”?
Cada magistrado interpretará ao seu bel prazer e teremos um campo fértil para novas decisões como a do juiz Montalvão.
O relatório final do deputado Espiridião Amin (PP/SC), traz uma série
de exemplos de países que autorizam a prática do bloqueio de sites e
aplicações. Para o deputado Sandro Alex (PSD/PR), subrelator da CPI,
responsável pela redação deste PL, a vedação total dos usuários a uma
aplicação ou página da internet não pode ser considerada censura.
O que os parlamentares esqueceram de mencionar é que, nos países
democráticos onde o bloqueio é permitido, ele é considerado uma prática
excepcional, aplicada em casos extremos, para crimes muito bem definidos
e situação explicitamente determinadas.
A relatoria para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos já chegou a expedir nota afirmando que o bloqueio de
sites é uma medida extrema, que ameaça o respeito a este direito
fundamental. Alguém tem dúvidas de para que um texto genérico como este
será usado por aqui?
Criminalização em alta
Outro trecho do relatório final, que também trazia preocupações às
organizações defensoras da liberdade na internet, recebeu, na votação
final, uma emenda – proposta pelo deputado Nelson Marchezan Júnior
(PSDB/RS) – que piorou ainda mais o texto.
A emenda alterou a Lei conhecida como Carolina Dieckmann
(12.737/2012), norma que criminaliza quem “invade dispositivo
informático alheio com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações sem autorização expressa”. Na versão proposta por Amin, o
texto previa mudar a “invasão de dispositivo informático alheio” para
“acesso indevido a sistema informatizado”.
Novamente, o caráter vago do termo já era preocupante, mas a prática
só seria criminalizada se tivesse a finalidade de cometer alguma
ilegalidade. Marchezan defendeu, e convenceu a maioria dos pares, de que
o simples “acesso indevido” já deve ser considerado crime, passível de
multa e até um ano de prisão.
O que é acesso indevido? Pergunte ao relator e aos sub-relatores da
CPI de Cibercrimes. A falta de definição abre uma avenida para a
criminalização de usuários, incluindo pesquisadores e quem trabalha com
testes de segurança de rede.
O relatório final traz ainda projetos de lei como o que destina 10%
de recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para o
aparelhamento da Polícia Federal com vistas ao combate a crimes
cibernéticos.
As entidades da sociedade civil haviam sugerido a reserva de recursos
do Fundo Nacional de Segurança Pública, uma vez que o PL promove uma
destinação equivocada e retira verba da necessária fiscalização dos
serviços de telecomunicação no Brasil, notadamente caros, ineficientes e
de baixa qualidade.
Outra proposição sugerida pela CPI prevê a retirada, mediante simples
notificação ao site, de um conteúdo idêntico cuja remoção já tenha sido
ordenada pela Justiça. O deputado Alessandro Molon (Rede/RJ) argumentou
que a medida também atinge a liberdade de expressão, já que esta
análise – se realmente trata-se de conteúdos idênticos - caberá aos
provedores e não a um juiz. A redação final do PL proposto poderia ter
ficado pior, não fosse a pressão da sociedade civil.
Em versões anteriores do relatório, o PL atribuía aos aplicativos a
obrigação de fiscalizar suas publicações para retirar não apenas
conteúdos idênticos mas “similares” àqueles que tivessem recebido ordem
judiciar para saírem do ar. Ou seja, transformava redes sociais e outros
aplicativos em máquinas de vigilância e feria ainda mais a liberdade de
expressão.
Outra proposição da CPI alterada a partir de pressão das entidades
foi o PL que previa a retirada, sem ordem judicial, de conteúdos que
atentassem contra a honra de uma pessoa. A medida deveria ser cumprida
em um prazo de até 48 horas.
A iniciativa, que visava proteger políticos de acusações nas redes
sociais, era um claro ataque à liberdade de expressão e criava uma
prática generalizada de derrubada de conteúdos pelas aplicações sem a
avaliação criteriosa da Justiça e sem permitir o direito de defesa. Nos
debates e em razão das críticas das entidades, o projeto foi retirado do
relatório.
A despeito dos esforços e mobilizações de diversas organizações da
sociedade civil no Brasil e no exterior – entre elas o Intervozes,
Ibidem, Coding Rights, AccessNow, EFF e o Comitê Gestor da Internet no
Brasil – o relatório da CPICiber plantou na Câmara sementes de ameaças a
direitos fundamentais dos usuários, que agora passam a tramitar com
prioridade.
Tais movimentações se inserem em um processo mais amplo de ataque ao
Marco Civil da Internet e de restrições às liberdades na rede,
juntamente com tentativas de reforma da Lei Geral de Telecomunicações e
da imposição de franquias nos serviços de banda larga fixa. A batalha
continuará e vai exigir mais mobilização dos defensores da Internet
livre no país.
Por Jonas Valente e Bia Barbosa (Coletivo Intervozes) - Artigo original publicado @ http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/cpi-de-crimes-ciberneticos-aprova-relatorio-que-ataca-liberdade-na-internet