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quinta-feira, 29 de abril de 2021

HAILE SELASSIE I NA JAMAICA EM 1966 :: UMA VISITA FUNDAMENTAL PARA O SURGIMENTO DO REGGAE


Em 21 de abril de 1966, Haile Selassie I (nascido Ras Tafari, isto é, príncipe Tafari), o último rei da Etiópia, fazia sua histórica e emblemática visita à Jamaica. Curiosamente, o rei africano chegava à ilha caribenha sem conhecer muito bem um movimento religioso afrocristão local, que o cultuava como a reencarnação de Jesus Cristo, ou até mesmo como a própria representação de Deus (Jeová, também chamado pela forma abreviada "JAH" ou "IAH", de "HalleluJAH").

Surgido em 1930 na Jamaica, o tal movimento chamava-se Rastafári, uma evidente referência ao nome de nascimento do monarca. A crença messiânica em torno de Haile Selassie I sustentava-se especialmente em torno de um fato: Selassie I seria descendente do antigo Rei Davi de Israel (século X a.C.).

De fato, o rei pertencia à Dinastia Salomônica etíope, linhagem cuja origem remete à Rainha de Sabá, da Etiópia, e ao Rei Salomão de Israel (filho do Rei Davi), fruto do famoso e luxurioso encontro entre os dois monarcas da Antiguidade. Tal encontro, que aconteceu no século X a.C., foi mencionado em 2 Crônicas 9, no Velho Testamento e, segundo a tradição monárquica etíope, a Rainha de Sabá teria retornado grávida à Etiópia, fato que deu início à Dinastia Salomônica etíope. Haile Selassie I, no sécu
lo passado, era o 225º monarca dessa linhagem.

Muito antes da visita de Selassie I à Jamaica, o surgimento da fé Rastafári, em 1930, havia sido diretamente influenciado pelas palavras do ativista jamaicano Marcus Garvey, um dos pais do pan-africanismo e um dos mais influentes ativistas negros da História. No entanto, também curiosamente, Garvey jamais viu Selassie I como um Messias.

Naquele memorável dia, em 1966, no Aeroporto Internacional de Kingston, mais de 100 mil pessoas - entre curiosos e devotos rastafáris - esperavam a chegada de Sua Majestade e de sua comitiva etíope: o tal Messias reencarnado iria aterrissar na ilha. E é óbvio que, ao ver toda aquela gente no aeroporto, a reação de Selassie I foi super curiosa e pra lá de marcante: assustado, o monarca inicialmente não quis descer do avião. Mas depois acabou descendo, desfilou pela capital e até mesmo conheceu alguns devotos rastafáris.

Aos crentes rastafáris, por sua vez, Selassie I viria sempre a negar ser o Messias que o acusavam de ser. Além de ser um exímio cristão, ele era o Chefe de Estado logo da Etiópia, nação com uma das mais antigas tradições cristãs ortodoxas do mundo - sim, existe cristianismo originalmente africano e não eurocêntrico.

Aceitar e assumir publicamente uma posição messiânica - coisa que o monarca jamais fez -, ainda que no outro lado do Atlântico, seria uma enorme heresia ao seu Cristianismo Ortodoxo. Pelo contrário: Selassie I ainda estimulou que os rastafáris fossem batizados na Igreja Ortodoxa Cristã Etíope, preceito que muitos seguidores do rei aceitaram, a exemplo do próprio Bob Marley, que foi batizado no Cristianismo Ortodoxo da Etiópia sob o nome de Berhane Selassie, apesar de jamais ter deixado de identificar-se como um devoto rastafári.

Aconteceu que, embora nada disso fosse esperado, a visita de Haile Selassie I à capital jamaicana acabou sendo fundamental para que a fé Rastafári se tornasse popular entre os negros das favelas jamaicanas. O movimento deixava de ser, a partir de então, uma crença restrita a grupos de camponeses descendentes de africanos escravizados que, por viverem em meio às montanhas jamaicanas e fieis às tradicionais leis rastafáris, pouco apareciam nos centros urbanos. A partir daquele dia, a crença passou a difundir-se dentro das favelas.

E é claro: favela produz música. Em seguida, a popularização do Rastafári nas favelas da Jamaica - consequência direta da visita do rei - influenciou profundamente a música que era produzida e que tocava nos guetos: o Ska, ritmo desvinculado de causas sociais ou religiosas, e que dominava a periferia até então, foi logo dando espaço ao surgimento da música Reggae - especialmente o Reggae Roots -, gênero essencialmente compromissado com causas sociais, com o pan-africanismo e com a fé Rastafári. Foi nesse contexto, então, que surgiram aqueles inúmeros músicos e bandas rastafáris de Reggae oriundos das favelas jamaicanas, como Bob Marley, Peter Tosh, The Gladiators e tantos outros.

Outro fato curioso é que Haile Selassie I morreu em 1975, logo no auge da cena Rastafári e do Reggae nos guetos jamaicanos. Após sofrer um golpe de Estado republicano-marxista em 1974, na Guerra Fria, Selassie I foi provavelmente assassinado, fato que marcou a queda da monarquia mais antiga do mundo até então, e que resistiu a todas as tentativas de colonização europeia. A Etiópia - cuja bandeira deu origem às cores da religião Rastafári e consequentemente da música Reggae -, hoje uma república, é uma das únicas duas nações africanas que jamais foram colonizadas.

De qualquer forma, as negações de Selassie I quanto a ser o retorno de Cristo, bem como a sua morte, não foram suficientes para que o messianismo em torno de si deixassem de existir. Após a morte do monarca em 1975, por exemplo, Bob Marley & The Wailers compuseram a música "Jah Live" ("Jeová vive"), um hino em reverência à eternidade de Selassie I.

E embora a religião Rastafári tenha sido posteriormente apropriada de forma esvaziada e pejorativa pelo "universo branco" - consequência da globalização da música Reggae -, a crença continua a existir e segue exercendo forte influência sobre o Reggae Roots. Entre suas principais características, encontram-se a cosmovisão cristã profundamente afrocêntrica e a ideologia pan-africanista, extremamente influenciada pela visão política de Marcus Garvey; enquanto entre suas principais leis e costumes, estão o uso sacramental da Cannabis e a proibição do consumo da carne e do álcool.

De toda essa curiosa e especial história, uma coisa pode ser afirmada: se não fosse a casual e emblemática visita do rei etíope à ilha caribenha naquele fatídico 21 de abril de 1966, talvez a música Reggae, fruto direto da religião Rastafári, jamais teria existido. Pelo menos da forma como a conhecemos.









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