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terça-feira, 15 de maio de 2012

RASCLAAT - AONDE O ELO ESTÁ PERDIDO?

Kool Herc, Coxsone Dodd e U Roy
RASCLAAT - AONDE O ELO ESTÁ PERDIDO?

Lendo a matéria no site da Trip publicado sobre as origens do Hip Hop e a Jamaica, existem diversas lacunas no texto que não fazem jus a história por completo. 

Existem inúmeros historiadores a respeito e muitos desses vivem no Brasil que podem explicar a origem do Hip Hop e as influências da jamaica, pessoas como King Nino Brown (fundador da Zulu Nation Brasil), Peter Muhamad (remanescente de um dos primeiros grupos de hip hop nacional a ter uma influência real no flow em suas letras que hoje vive em UK), e eu que pesquiso e agrupo material desde 1990 sobre a história do Hip Hop e o Reggae. Sem falar sobre grupos que palestram sobre essa influência como o Z'Africa Brasil.

Primeiramente a influência é inversa, é da música dos EUA sobre a música jamaicana e não da jamaicana na música dos EUA. Lost Poets já era um grupo formado e dentre seus integrantes estava Gil Scott Heron, o primeiro a literalmente declarar poesia sobre um ritmo, o originador do termo RAP (rythm and poetry) e não por influência dos toasters jamaicanos do principio como Count Machucki, King Stitt <<< estes foram da época que o Reggae nem mesmo existia e faziam apresentações com os sounds tocando Blues, R&B e Soul americano e principalmente as orquestras de jazz (maior influência para Skatalites - Don Drummond fez diversas versões para obras do maestro Peres Prado por exemplo) que foi de onde surgiram seus primeiros registros. 

U Roy e tantos outros que faziam na verdade o que é chamado de "caco" (ou peps que seja) - era o que James Brown fazia também em diversas de suas músicas, colocando gritos e frases curtas nos espaços que cabiam fazer dentro da música. Nos primórdios o deejay jamaicano falava sobre os discos sem as partes melódicos dos vocais e dizia o nome da música, do seletor (dono do sound) e do próprio sound mas não era uma letra ou poesia em si, eram freestyles. O papel do deejay mudou consideralvelmente a partir dos 70 (U Roy gravou Version Galore em 1970) e vieram a fazer músicas por completo nas versões dub ou takes gravados inteiros para eles e a partir daí surgiram Dennis Alcapone, I Roy, afilhados como Dillinger, Trinity, Ranking Joe e por ae vai e esses vieram a ser considerados os primeiros mc's jamaicanos. Mas até ai já existia Lost Poets.

Em 1971 Aretha Franklin gravou a música "Rock Steady" literalmente um dos primeiros discos a ser chamado de break beat e foi acompanhada por um grupo de dançarinos que depois iriam formar o Rock Steady Crew, a semelhança entre a música chamada Rock Steady e uma das vertentes do reggae chamada de Rock Steady não é mera coincidência, Lee Perry já produzia funk com os Upsetters nessa mesma linha e na mesma época junto com diversos outros músicos.

A partir dos anos 70 os sistemas de som já ocupavam o Bronx em NY com as Black Panthers Party's que eram praticamente idênticas aos sistemas de som (sistemas de som esses que era usados para fazer manifestações e palestras) e junto a um grupo chamado The Black Messenger numa mesma linha dos Lost Poets de Gil Scott Heron. Em 1969 Kool Herc faz seu primeiro sound, ele se mudou para NY em 1967 e nasceu em 1955 - senão ele teria fundado o Hip Hop com 14 anos de idade. As primeiras festas vieram Coke La Rock (existem rumores que era jamaicano), e depois com Afrika Bambaat e Grandmaster Flash (que nasceu nas Bahamas) fundou o maior alicerce do Hip Hop que é a Zulu Nation em 1973 com princípios e pilares não só para a música, mas para toda uma comunidade e não se resumem em apenas 4 (rap, dj, break e graffiti). Em 1974 Lovebug Starsky criou o termo Hip Hop, ambos celebrados no dia 12 de Novembro de cada ano respectivamente.

Lloyd Barnes nunca foi um ícone ou menestrel do Hip Hop até porque não influenciou o Hip Hop em si, ele produzia reggae e o selo Wackies sempre foi um sêlo de Reggae, lançando pouquíssimo material que pudesse se tocar em festas de Hip Hop, dos poucos pode-se dizer (talvez) que o Hip Hop de Kool Herc e o ritmo (influenciado por Gil Scott Heron de Lost Poets) tenha influenciado na produção de Wack Rap que divide junto com Rappers Delight do Sugarhill Gang, King Tim III (Personality Jock) produzido pela Fat Back Band (que é duvidoso também por não ser um grupo de Hip Hop), enfim todos foram lançados no mesmo ano e mesmo assim já existiam as mixtapes (fitas k7) gravadas ao vivo nas festas e em casa pelos mc's que já circulavam em NY, do Bronx ao Brooklyn. Dos primeiros a fazer essas fitinhas estão Dj Disco Wiz de Porto Rico que já usava diversos sons e efeitos e o primeiro produtor de um dubplate de Hip Hop já em 1977.

A produção do Wackies pode ser considerada mais um flerte com o Rap do que um ícone no Hip Hop por assim dizer. Nada tira seu valor, por ter sido produzido realmente por "born jamericans". Alguns dos deejays do selo Wackies eram remanescentes da ilha e posteriormente vieram a ser chamados como Jah Batta e Skatee que lançaram Style e Fashion isso já em 1988 que pegou um pouco da influência de Kool Herc (não o contrário novamente). Se Lloyd Barnes tivesse lançado algo mais nessa linha, poderia dizer que realmente foi ícone nos primórdios dos registros de Hip Hop, até então, não é. 

Lloyd Barnes foi uma influência na verdade na forma de gravar e utilizar um instrumental (chamado de versão no lado b dos singles e a partir do final dos 70 na jamaica chamado de Riddim). O Hip Hop veio a aprimorar esse formato de gravação rebatizando o uso de músicas de outros para fazer uma própria como sampler. Alguns dos maiores ícones descendentes diretos das ilhas do caribe são Kid Creole, Kangol Kid, Tito, Special Ed, Star (of The Star And Bucwild Show), Jazzy Joyce, Big Pun, Mad Lion, Trugoy (of De La Soul), Crazy Legs, Mr. Wiggles, Karl Kani, Mello Man Ace, Shakim Compere, Herbie “Love Bug” Azor e muitos outros. Esses caras não cresceram ouvindo o Gospel da Motown, suas raizes são realmente do Salsa, Meringue, Compas, Calypso, Reggae que posteriormente vieram a agregar no Hip Hop já nos 80 - esses sim, diferente de Lloyd Burnes foram caribenhos que agregaram no Hip Hop abraçando o movimento e a cultura. 

Existe um termo muito utilizado no Hip Hop que é o Cypher, observar todas as coisas num ângulo de 360 graus. Se a maior influência dos seletores/produtores e deejays da jamaica nos anos 40, 50 e 60 foi a música produzida nos EUA agregada a diversas orquestras em todo o Caribe, obviamente os interessados (e possibilitados) fariam a migração para ter mais acesso a cultura e a música produzida, e obviamente levariam a sua própria cultura que influenciaria toda uma geração a partir dos anos 70 e criariam raízes a partir daí. 

Já no final dos anos 70 e início anos 80 essa troca continuaria com a produção do dancehall e a influência novamente do contexto da música produzida nos EUA e por remanescentes do Hip Hop no reggae jamaicano. Diversas produções que já não mais seriam feitas com bandas, mas sim com programações a partir de baterias eletronicas e samplers (ai sim entra o sleng teng). KRS One (Boogie Down Productions) talvez seja o que mais deu vazão e exposição a esses descendentes jamaicanos e caribenhos apresentando Jamalski, o próprio Mad Lion e Born Jamericans (que já vieram para o Brasil) e participaram constantemente das produções, shows e eventos da Boogie Down Productions.

Por uma das frases iniciais do texto "A influência caribenha no hip hop é sempre mal explicada e até agora não há nenhum material que faça essa ponte de um jeito convincente. Novamente, até agora." <<< Digo que para fazer essa ponte existe a Zulu Nation, e a forma ideal de saber essa história é realmetne ler e saber direto da fonte por quem está vivo e consegue contar a História toda de forma adequada. Deixo o link do site da Zulu Nation que volto a dizer, deve ser a primeira fonte do que se deve ser lido para se escrever sobre o Hip Hop, sua origem e a influência da Jamaica e na Jamaica >>> www.zulunation.com

Isso é uma parte, a História por completo vai ser contada pelo Afrika Bambaata, Kool Herc e Grandmaster Flash quando resolverem fazer um livro inteiro sobre.

domingo, 25 de abril de 2010

LOVE AND ROCKERS - TED BAFALOUKOS - DIRETOR DO FILME ROCKERS [ENTREVISTA]


Abaixo, uma entrevista bem interessante do diretor do filme Rockers, que todo fã ou amante de reggae deve ter assistido nos últimos 10 anos e é presença obrigatória na sua coleção de dvd's ou filmes baixados na internet junto com a coleção de mp3. Apesar do filme já estar meio batido, a entrevista até faz dar vontade de assistir de novo.

Este é Ted em sua casa de infância na ilha de Andros, na Grécia. Bom, vamos deixar ele explicar o
 restante do que você está olhando.

LOVE AND ROCKERS - TED BAFALOUKOS NOS ENSINOU TUDO QUE SABEMOS SOBRE A JAMAICA

Theodoros Bafaloukos escreveu e dirigiu Rockers, o filme que, sozinho, tornou a Jamaica e o reggae interessantes para caras brancos desencanados, seus filhos maconheiros e um bando de punks ingleses famosos com guitarras. Hoje, Ted não é tão recluso quanto é remoto, passando seu tempo em sua casa de infância na isolada ilha grega de Andros. Mais de 30 anos depois, fizemos uma longa viagem para isso, a primeira entrevista impressa da sua vida.

Além de escrever roteiros e fazer filmes, Bafaloukos fez a direção de arte para três diretores ganhadores do Oscar (Barry Levinson, Errol Morris e Jonathan Demme) e ajudou a conceber inúmeros clipes famosos, inclusive aquele do Aerosmith em que a Alicia Silverstone de camisa de flanela salta de bungee-jump de um viaduto e depois mostra o dedo do meio pro Stephen Dorff.

Após um breve tour por sua casa—centenas de pinturas e imagens de detalhes de partes de cobra espalhadas pelas paredes—ele nos fez sentar e começou a folhear alguns álbuns antigos de fotos. Muitos deles eram da época em que filmou Rockers. Como você verá, é um tesouro escondido de alegria arquivada.

Como você foi parar na Jamaica?
Theodoros Bafaloukos: Fui para lá em 1975 como fotógrafo freelancer da Island Records com um amigo, um jovem da cena do reggae. Tiramos fotos dos rostos da ilha. Foi interessante e empolgante. Também foi engraçado porque me prenderam como um espião da CIA.

Nossa! O que aconteceu?
Eu tinha ido a uma estação de rádio para falar com uma pessoa da comunidade. Eu queria pedir a ele equipamento e ajuda para filmar um documentário—que era o que eu queria fazer a princípio. Eu estava no carro com meu amigo, que dirigia, quando de repente, do nada, um homem enfia a mão pela janela, agarra um caderninho do meu bolso do peito e corre para dentro do prédio gritando “CIA, CIA!”. Saí e tentei correr atrás dele, mas, quando voltei, meu amigo e o carro tinham desaparecido. Fiquei assustado. Me vi totalmente abandonado, cercado por estranhos. Depois meu amigo disse que ficou apavorado. Estou falando de uma época em que o medo reinava e todo mundo andava assustado.

Quando a polícia chegou?
Dois jipes apareceram do nada, cheios de policiais—alguns de uniforme, outros parecendo seguranças. Os mais durões saíram do veículo com Uzis e me prenderam. Eles me colocaram no jipe e desfilaram pelas ruas em baixa velocidade para que todos vissem que eles tinham prendido um agente da CIA! Me levaram para a delegacia, onde ficou óbvio que não tinham ideia do que fazer comigo. Então me levaram até outro cara, que me entrevistou.

Entrevistou?
Interrogou. Quando entrei na sala, o interrogador estava sentado atrás de uma mesa com o meu caderno ao seu lado. Fui até a mesa, peguei o caderno e coloquei no meu bolso.

Corajoso. O que tinha no caderno?
Os endereços de todas as pessoas que eu tinha conhecido na ilha, a maioria músicos. Eu tinha prometido mandar as fotos pra eles quando eu voltasse para os EUA, o que eu fiz.

Então eles te deixaram ir imediatamente?
Depois que eu coloquei o caderno no bolso o cara não falou nada, nem se mexeu. Respondi as perguntas, mas ele nem sabia o que me perguntar. Ele provavelmente tinha feito algumas ligações e percebido que era um engano.

"Eu e Leroy 'Leroy Horsemouth' Wallace, o legendário, pioneiro baterista e estrela do Rockers,
 posando para a foto no centro de Kingston, 1977"

Pelas suas fotos dessa época você parecia mais como o ator principal de um pornô zapatista do que um agente da CIA.Por que, como é um agente da CIA? [risos] Eu tinha um passaporte grego, o que me tornava ainda mais suspeito. Eles o pegaram e me mantiveram lá pelo que pareceu uma eternidade. Outro cara veio me interrogar, mas de novo não deu em nada. Eram 10 ou 11 da noite quando de repente esse cara branco aparece e diz, “Vem comigo”. Eu disse, “E o meu passaporte?”, e ele disse, “Sai daqui, cara”. Então eu fui embora. Fui até a casa onde eu estava ficando e encontrei todos eles ali: meu amigo, Augustus Pablo, a turma toda. Todos eram mais novos do que eu. Eles estavam assustados e olhando para mim como se eu tivesse voltado dos mortos. Simplesmente disseram, “Desculpa, eles vêm te matar hoje à noite e a gente não quer ficar aqui”.

Eles estavam tirando uma com você?
Não, não estavam. Coisas assim aconteciam o tempo todo.

Esse é um retrato da Jamaica completamente diferente do que você apresenta em Rockers.
Tinha essa ideia de que tudo estava numa boa, por causa do sucesso de Bob Marley. Mesmo para o reggae, a realidade era outra—bem mais cruel. E mais cruel ainda para um cara branco no meio disso. Morei lá dois anos antes de começarmos a filmar. Aqueles jamaicanos que moravam nos guetos de Kingston eram pessoas inocentes no dia a dia e era exatamente isso que eu queria capturar no filme—um retrato mais realista de quem eram ou do que realmente gostariam de ser. Algo como Robin Hood. A Jamaica era um mundo de fantasia onde a realidade como conhecíamos não podia existir.

Como assim?
Eles moravam em um cenário que os separava do mundo real. Você não tinha nenhum lugar pra ir, raramente tinha alguém pra chamar de “pai”. Eles eram homens simples que tinham relacionamentos com mulheres. Não existiam estruturas familiares de verdade. Na maioria dos casos, as crianças não eram reconhecidas, e mesmo que você crescesse com uma mãe, não tinha nada pra te apoiar, porque era dureza mesmo. Era praticamente impossível sair qualquer coisa daí que não fosse tolerância à violência, uma mentalidade de gangue entre a molecada enquanto o resto das pessoas batalhava pra ganhar a vida. Mas é importante perceber que muitas pessoas conseguiram viver sob essas condições de forma pacífica e produtiva. Isso era muito legal.

Como era a Jamaica para alguém de Andros e Nova York?
Bem exótica. Uma experiência extraordinária.

Mais extraordinária do que Nova York? Você veio desse vilarejo na Grécia.
Olha, eu mudei de Andros para Atenas aos 17 anos, saí dessa casa, dessa mesma mesa onde estamos sentados agora. Tive a sorte de ter um pai de cabeça aberta que me aconselhou—sem me pressionar—a ir para a Rhode Island School of Design, uma das melhores faculdades de design do mundo.

Quando foi isso?
Isso foi entre 1964 e 1968—a era do sexo, drogas e rock ’n’ roll. Depois da faculdade voltei para a Grécia durante a Junta Militar, para servir o exército. No meio tempo me casei com a Eugenie—esse ano comemoramos 39 anos de casamento. Depois da minha baixa do exército fomos para Minnesota e depois arrumamos nossas coisas e fomos para Nova York. Viramos boêmios e moramos em um prédio abandonado em Tribeca.

Como vocês ganhavam a vida?
Eu fazia vários bicos. A Eugenie trabalhava na indústria têxtil como designer. Eu basicamente me mantinha ocupado fazendo consertos no prédio onde morávamos e pegava serviços estranhos. Trabalhava como fotógrafo, até que a revista New York me encarregou de fotografar um jovem jamaicano no Tropical Club, um clube vagabundo no Brooklyn. Fui lá e de repente o Augustus Pablo apareceu tocando melódica. Fiquei de queixo caído. Ele foi o primeiro que conheci.

"Era o verão de 1977 e estávamos filmando Rockers em St. Ann, no lado norte da Jamaica. 
Os atores e a equipe carregavam os suprimentos e o equipamento, subiam todo o campo da colina
 para filmar uma cena na plantação de ganja."
Naquela época, o que você sabia sobre reggae?
Eu escutei Bob Marley pela primeira vez quando ele estava com os Wailers em 1974, totalmente por acaso. Eugenie e eu estávamos indo para Minnesota e paramos por alguns dias para visitar uma amiga em Chicago. Uma noite ela disse, “Vamos para um clube com um som interessante”, e era o Bob Marley. Foi um show inacreditável.

Que tipo de música você gostava?
Vários tipos. Principalmente de rock e R&B. Minha esposa tinha dois irmãos que tocavam guitarra. E muito blues, claro. Se meu coração tivesse espaço para só um tipo de música, seria blues. Tudo começou de um jeito esquisito, através da minha paixão por rebetika.

Rebetika é a forma grega de blues.
O que aconteceu com a rebetika e o blues aconteceu com a música de Bob Marley também. Rocksteady e ska já eram conhecidos, mas quando escutei Augustus Pablo percebi uma coisa muito profunda, algo além e acima do que você ouvia. O reggae tinha profundidade musical e uma grande variedade de sons. Se você for ver o reggae entre o final da década de 60 e o começo da de 70, você não vai acreditar que foi tudo feito pelas mesmas 20 e poucas pessoas nos estúdios de Kingston. Literalmente. Todos esses gêneros emergiram simultaneamente e a partir dos mesmos músicos—ska, rocksteady, reggae, rocker, os dubs.

Eram uma coisa só?
As pessoas que começaram o ska também começaram o reggae—não mais do que dois ou três bateristas, guitarristas e baixistas. A qualidade dos cantores se tornou crucial, a habilidade deles em inspirar os músicos. O som estava lá, a única coisa que faltava eram os pequenos discos de 45 rotações que tinham que ser prensados o mais rápido possível—em duas horas, até em meia hora—para que os custos fossem mantidos os mais baixos possíveis. Essas gravações eram feitas em estúdios rudimentares, as faixas novas tocadas em grandes bailes ao ar livre aos finais de semana, viajando em vans lotadas de amplificadores e alto-falantes gigantes. Essa música tinha como objetivo o consumo imediato. Mais tarde eles começaram a gravar discos ao vivo e vendê-los em apenas algumas barracas e lojas. Era assim. E eles venderam mais no Reino Unido e menos nos EUA.

O Reino Unido sempre foi mais aberto ao reggae.
Sim, e o fato da Jamaica ter sido uma colônia britânica influenciou isso. Era mais fácil para um jamaicano ir para a Inglaterra do que para os EUA, por causa de passaporte e questões de visto. Eles também tinham absorvido o reggae em um nível maior. Bandas da 2 Tone, Selecter e outras foram todas muito importantes. Também acredito que a música punk deve muito ao reggae. Eles tinham a mesma postura. Por isso que tinham covers punk de faixas de reggae.

Tudo isso em uma cena estritamente jamaicana? Era uma espécie de gueto?
Muito localizada. Você poderia chamar de gueto, mas na verdade não era. Guetos na Jamaica eram bairros de quarteirões construídos em torno de pátios, como Atenas nos anos 20 e 30 ou vilas africanas. Neles havia estruturas sociais com vida própria que funcionava separadamente do contexto mais amplo, que era o governo, a polícia, o exército e o sistema judiciário. As estações de rádio locais raramente tocavam reggae. Elas tocavam soul e disco, assim como os clubes.

Eles não apoiavam a própria cena?
Não era a cena deles, porque ninguém ganhava dinheiro com aquilo. Só alguns caras que eram donos dos sistemas de som faziam algum dinheiro. Na verdade, só duas pessoas estavam por trás da maioria dos primeiros lançamentos— Coxton Dodd [do selo Studio One] e Duke Reid [do selo Treasure Isle]. Quando o gênero começou a ganhar reco-nhecimento internacional, as coisas começaram a mudar, e lá pelo meio da década de 70 reggae como conhecíamos desapareceu. Era impossível para tão poucas pessoas estarem em tantas bandas. Só existiam músicos para cinco ou seis bandas. Bob Marley pegou alguns dos melhores. Os outros começaram a se mudar para Nova York e Londres. No final dos anos 70, não tinha sobrado ninguém. Você poderia dizer que tudo terminou com o One Love Peace Concert em 1978.

"Nessa área, conhecida como 'Idler's Rest', era perto da esquina do loja Randy's Record Shop.
 Músicos, cantores, e pretenciosos serem cantores ficavam por lá para ouvir os nos 45 rpm's, 
esperando por ser chamados para uma sessão de estúdio."

É interessante Rockers não ter muitos dos ingredientes típicos jamaicanos, como palmeiras e praias. Por que isso?Isso foi de propósito. Meu objetivo com o filme era muito simples: desde o começo pensei nele com uma música, então a questão não era o que incluir, mas sim o que eu deixaria de fora. Eu tinha que esco-lher. Você não pode encaixar tudo num filme. Minha avó, que nunca foi à escola e era uma mulher extraordinária, ficava me vendo dese-nhar quando eu era criança e dizia, “Isso está muito carregado”, quando eu colocava muitos elementos. No meu caso, tentei me manter dentro de uma certa moldura e não me via como um cineasta, mas como um artista.

Você tinha confiança que o seu filme seria um sucesso?
Eu sentia que o filme ficaria excepcional, mas ao mesmo tempo minha mente estava focada em completá-lo. Qualquer coisa podia acontecer durante as filmagens, o que acabaria com o projeto. Um dia um moleque poderia puxar um gatilho e matar alguém—estamos falando de Kingston, um lugar onde 600 crianças foram mortas naquele ano—e isso seria um desastre completo. Teria sido o fim. Uma grande parte da população foi assassinada, na maioria das vezes sem motivo algum.

Por que motivo, exatamente?
Guerra de gangues, mas acredite você ou não, a lei não desencorajava ninguém porque havia armas em toda parte. Existia um desejo por armas, era bacana andar com uma, e também existiam políticos que andavam com verdadeiros exércitos e caras armados. Os meninos de 11, 12 anos eram os que davam mais medo—não dava para saber quais seriam as reações deles, eles podiam te matar num piscar de olhos. Acho que tive muita sorte em terminar esse filme. Todo dia eu temia que alguém da equipe ou um ator fosse assassinado.

Você diria que a cena lembra o hip-hop contemporâneo?
Não muito, porque as pessoas que viviam lá e faziam música morriam de medo de armas. Eles não tinham armas. Eles não eram idiotas, sabe, sofriam com as armas. O que me faz ver Bob Marley como um herói é o fato dele ter voltado e tentado ajudar a estabelecer algum tipo de ordem. Claro, ele não podia resolver tudo, e existiam muitas reações das pessoas nas ruas. Mas esse esforço para promover uma trégua e a paz cessou a violência das gangues por um ano. Daí começou de novo, e antes do final do ano ambos os líderes das gangues estavam mortos. Aí a cocaína entrou na história.

Ela substituiu a maconha?
O fumo continuava lá, mas foi a cocaína que matou e devastou. Tinha muito dinheiro envolvido, as pessoas ficaram agressivas e começaram a matar umas às outras. Mas você também podia conhecer as pessoas mais amáveis e interessantes—uma fábrica de expressões comprimida em um lugar tão pequeno. E eu não estou falando de Kingston. As casinhas construídas em bloco parecem mais com favelas do que com guetos. Eram em lugares assim que todos os músicos rasta viviam.

Quem são os rastas exatamente?
Reggae e rasta andam juntos, eles viraram uma coisa só. Eles se tornaram o motivo para que todos os caras jovens de Kingston pudessem dizer, “É, agora eu tenho uma bandeira, eu tenho uma nação, um Deus, e então vai se fuder, branquelo. E você também, bal-die [careca, jeito rasta de chamar negros não-adeptos]”. Marcus Garvey foi uma figura chave para isso. Garvey tentou organizar o povo negro e persuadi-lo a voltar para a África. “O homem negro não é um homem branco, o homem negro pertence à África.”

Então o racismo predominava.
Sem dúvida. Eles diziam para mim, “Grego, não queremos nada de você porque qualquer coisa que você nos der não é sua para dar. Essa é minha própria vida, e minha própria vida é negra e nunca pode melhorar com a sua preocupação. Eu quero cuidar da minha vida, controlá-la, então eu irei à África, que é cheia de pessoas negras, e serei parte desse outro mundo, dessa vida negra”. Existia racismo até entre eles, entre pessoas com a pele mais escura e aqueles com pele mais clara, entre os que estudaram e que não estudaram.

"O falecido Richard 'Dirty Harry' Hall. Ele foi um saxofonista tenor brilhante e co estrelou o filme.
 Esta foto foi tirada no quintal de Hoursemouth na Avenida Maxfield, no coração do gueto de 
Kingston em 1976."

Como você conseguiu que os músicos fizessem papéis no seu filme? No final, você não filmou um documentário.
Eu morei com eles por mais de dois anos e demorou um pouco para convencê-los. Não era algo que podia ser imposto. O interessante do filme é que tudo foi feito ao contrário: primeiro escolhi o elenco, depois escolhi as locações, e no final escrevi o roteiro. Todos eles fazem papel de si mesmo. O que eles dizem é bem simples, até o argumento é bem enxuto. Eu tinha morado na ilha há algum tempo, então não queria filmar um documentário—qualquer um poderia fazer isso. Eu queria fazer um filme sobre a música da Jamaica e incluir todo mundo que estivesse por lá, exceto o Bob Marley.

Por que você não queria ele no filme?
Porque ele já era uma grande estrela e teria virado um filme sobre o Marley. Ele certamente eclipsaria os outros músicos, que eram tão bons ou melhores que ele, e eu não queria isso. Não tenho nada contra o Marley, mas realmente acredito que o Burning Spear era ótimo, e o mesmo vale para os outros músicos do filme. Por motivos diferentes. Consegui com que todos os bons músicos participassem e acho que captei a música em seu melhor momento.

Como foi a recepção ao filme?
Espetacular. Foi exibido pela primeira vez no Los Angeles Film Festival num cinema lotado onde cabiam 800 pessoas. Teve outra exibição no final do festival porque tinha muita gente que queria assistir. Em Cannes foi exibido na mesma noite que Apocalypse Now do Francis Ford Coppola e teve um incidente com milhares de pessoas, policiais a cavalo e tropa de choque. Tinha gente que queria entrar, e os ingressos estavam esgotados, e a desordem tomou conta. Saiu em tudo quanto é primeira página no dia seguinte. Fiquei intrigado pelas resenhas na França, até as dos jornais conservadores. A primeira frase no Le Monde era “Rockers não é um filme, é um trabalho de arte. Tão bom que é difícil de acreditar, ainda assim é verdade”.

A que você atribui esse sucesso?
Reggae tinha virado um gênero internacional de música, como samba, rumba e música cubana. Tinha ido um passo além, alcançado público no mundo inteiro pela primeira vez. Imediatamente após a exibição, começaram a me tratar como algo intrigante. Recebi propostas de Hollywood, mas eu estava com a mente em outras coisas.

Você ganhou dinheiro com o filme?
Por mais incrível que pareça, não. Nada. Algumas pessoas ganharam muito só com a música. Tivemos problemas enormes depois, quando o filme acabou.

O que aconteceu?
As coisas ficaram confusas. Ninguém tinha experiência, nem o produtor nem eu. Ninguém tinha feito nada parecido com aquilo e eles não tinham ideia do que fazer. Achavam que era só um filmezinho e não se preocuparam em se envolver no processo.

O processo de promover o filme?
Eles promoveram o filme, mas acabaram de mãos vazias. Não sabiam como capitalizar em cima dele. Por outro lado, mesmo que soubessem, acho que teria acontecido a mesma coisa. Acredite, agora, depois de 30 anos, comecei a fazer dinheiro com o filme através do DVD. Depois de todos esses anos, acabei de receber um cheque com uma pequena quantia... uma quantia bem pequena. É ridículo. Também não ganhei nenhum dinheiro com a música. Eu ia até a Tower Records em Nova York e via pilhas de CDs e pensava que outras pessoas estavam ga-nhando dinheiro que era meu. Eu sou o produtor da trilha sonora.

Quanto custou o filme?
Cerca de US$ 500.000. Conheci esse produtor, um cara jovem picado pelo bichinho do cinema, e trabalhamos juntos. Mostrei a ele algumas filmagens e ele disse, “Vai em frente e faça o que você quiser”. Infelizmente ele não está mais vivo.

"A maconha em Kingston era horrível. Horsemouth compensava fumando largas quantidades durante o dia."

Você manteve contato com as pessoas do filme?
A maioria deles está morta. Metade foi assassinada. Dirty Harry, por exemplo, foi morto em Nova York. Ele ficou preso dois anos, provavelmente por causa de drogas ou de alguma briga. Não sei direito, não perguntei. Seis meses depois que ele saiu da cadeia alguém o matou. Mesma coisa com Natty Garfield. Em contraste, um amigo que eu dava como morto na verdade está vivo. Nos falamos pelo telefone recentemente. Eu pergunto o tempo todo, “Aquele cara ainda está vivo, aquele outro morreu?” A maioria deles não está mais na Jamaica.

Você fez muitos amigos?
Fiquei lá por muitos anos, eu tinha que fazer amizades, colocar todas as cartas na mesa. Eu não tinha muitos, mas queria que todos soubessem quem eu era. Tinha uma época em que as pessoas da Jamaica vinham até nossa casa em Nova York todos os dias. Morávamos perto do Brooklyn, onde os jamaicanos também moravam, mas quem quer que fosse que viesse para a cidade para tocar dava uma passada lá.

Eles respeitavam o que você estava fazendo?
Todo mundo acha que eu ganhei uma baita grana. Bom, nem todo mundo, mas é difícil convencer as pessoas de que eu não ganhei um centavo.

Se ouvissem o título hoje em dia, pensariam que não é um filme sobre jamaicanos.
O termo Rockers era muito popular durante o auge do reggae. Existia esse som novo, muito sofisticado com novos esquemas percussivos. De certa maneira, Sly Dubar introduziu seu próprio ritmo, mais forte. Você ouvia muito “rock steady, rockers”. O produtor escolheu o nome. A arte é minha, assim como o cartaz do filme. Fiz sozinho porque não tinha ninguém para fazer.

Quem escreveu o roteiro?
Eu escrevi.

Você fumava um monte de maconha na época?
Claro.

E como era a maconha jamaicana?
Horrível. Ainda pior que a de Nova York.

"Essa foto do Augustus Pablo é antes da gravação do Rockers. Em novembro de 1974, Pablo veio
 para os EUA fazer os seus primeiros shows. Essa foi uma a noite de abetura no Tropical Cove
 Night Club no Brooklyn."

"Pablo outra vez, desta vez com seu ukulele nas ruínas abandonadas do elevado de West Side
 Highway, centro de Manhattan, 1975."

"Pablo e amigos, com o World Trade Center de fundo."

"No inverno, quando terminamos o filme e me mudei de volta para Nova Iorque. Muitos dos
 atores/músicos do Rockers vieram visitar. Esse é Horsemouth no telhado do meu loft tribeca."


sábado, 5 de setembro de 2009

EARL SIXTEEN - TURNÊ NO BRASIL

Earl Sixteen (ou Earl 16) é um dos cantores de reggae roots em maior atividade hoje em dia. Começou a carreira nos anos 70 e trabalhou com os mais importantes produtores da era classica do reggae: Lee Scracth Perry, Augustus Pablo, Coxsone Dodd (Studio One), Mikey Dread, Joe Gibbs, Linvall Thompson, Sly and Robbie, Derrick Harriot, etc.

Com sua voz distinta e mensagem consciente, ele vem emplacando hits na Jamaica e na Inglaterra há mais de 30 anos. Mesmo sem largar o reggae roots Earl sixteen nunca parou no tempo. Nos útimos anos vem produzindo com grandes nomes como Zion Train, Mad Professor, Gussie P, Manasseh e a lista que não acaba.

Em 2009 lançou o single "Pirate´s Game" com produção do DIGITALDUBS, um "rub-adub" com tempero brasileiro pra deixar todos com vontade de ver Earl Sixteen ao vivo no Brasil!

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DATAS DA TURNÊ DIGITALDUBS + EARL SIXTEEN

09 SET > RIO DE JANEIRO > Teatro Odisseia
rua mem de sá 66, Lapa
a partir das 22hs
R$ 25
R$ 20 antecipado pelo site: www.esquemageral.com.br/loja

10 SET > SÃO PAULO > Jive Club
alameda barros 376, Higienópolis
a partir das 23hs
R$ 25
R$ 20 antecipado pelo site: www.esquemageral.com.br/loja

11 SET > BRASÍLIA > Festival Cerrado Virtual
mercado alternativo (antigo camping show)
R$ 25 promocional para os primeiros 1mil ingressos

12 SET > PINDAMONHANGABA > International Reggae Festival
eco bar - estrada do ribeirão grande
R$ 15 antecipado

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