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quarta-feira, 14 de abril de 2021

CRONOLOGIA DE COMO SURGIU O SISTEMA DE SOM PAULISTA E A CHAMADA 'CULTURA SOUND SYSTEM'


DJ Cuca ‎– Equipe Dinamite Instrumental Vol.III (1991)

👉 ANOS 1970 E 1980

BAILES BLACK'S E EQUIPES DE SOM

Não existia o termo 'sound system', eram Equipes de Som, eram ditos Bailes Black's - frequentado majoritariamente por gente preta - em muitas vezes apenas por gente preta. A maioria acontecia fora do centro, e não tinham foco nenhum em apenas um gênero musical. Tocavam soul, funk, samba, samba soul, samba rock e músicas jamaicanas com a mesma sonoridade. 


👉 ANOS 1990

HIP HOP E DANCEHALL

Equipes de Som, diversos grupos de dj's e e mc's que, de forma itinerante, tocavam por toda São Paulo. Essas equipes tocavam grupos e músicas jamaicanas, sem sequer citar de onde eram as músicas e as vezes nem sabiam que eram jamaicanas. As equipes de som foram os primeiros tocar sets específicos de dancehall e reggae digital a partir dos anos 1990.

DANCEHALL NO BRASIL

As primeiras produções de Dub, como técnica de mixagem começam a ser lançados em LP, com remixagens acontecendo e sendo direcionadas e dedicadas as equipes de som.

Diversos grupos e mc's, já com influência do dancehall, se apresentavam em shows e eventos de Rap por toda São Paulo.

Lojas de discos no Centro de SP nas grandes galerias priorizam a venda de cópias piratas de cd's de Reggae. 


👉 1998 e 1999 

Uma agência chamada instituto iD, depois IDCH, que teve endereço nos Jardins e depois no Paraíso. Era um misto de agência de intercambio, aulas de Yoga, restaurante. Esse local foi um dos primeiros a dispor uma noite para o Reggae, Dub e Dancehall fora da periferia. De tão seletivo, você só entrava com nome na lista, conhecendo algum frequentador conhecido da casa.

Entra no ar o que (eu visualizo) ser hoje o maior site sobre reggae, com o maior tempo no ar, tratando não só sobre o reggae, mas sobre surf e forró. 


👉 ANOS 2000

GRUPOS NO YAHOO; MASSIVE REGGAE E DUBBRASIL

Nesses grupos, o cerne era a visão branca do reggae. A tentativa de explicar como era feito, do que era feita e por quem, de forma seletiva, em um primeiro momento. Em segundo veio a fragmentação em discussões fúteis, mas que tornaram a cena do reggae, o que ela é hoje; A primeira vez que vi alguém se apropriar de algo escrito nessa cena, foi um jornalista (professor) de Minas Gerais que para divulgar uma festa, publicou um trecho de um texto do FYADUB sobre Dub, marcando a autoria como 'Anônimo'. 

O reggae por bandas é definido como 'praieira' ou 'farofa', se estabelece ideologias como a do DJ de reggae tocar 100% vinil, e quem toca CD é 'fake', definição e o estabelecimento do que é e como é um sound system, a partir desse momento pretos (homens e mulheres) e rastafaris não são parte essencial do reggae. Majoritariamente nesses grupos eram pessoas brancas do sudeste do brasil - poucos do Norte e Sul, com mentalidade branca, que gostavam de reggae, e com divergências e criticismos sobre a cultura de quem produzia e produz reggae. Se você não estava nesses grupos, você não vai compreender completamente, como diversas ideias, regras, a fragmentação, e novas ideologias surgiram em SP e no RJ e se espalharam por outras localidades. 

 O serviço Yahoo Groups se tornou inacessível a partir do dia 15 de dezembro de 2020. 

PROGRAMAS DE RÁDIO 

Programas de rádio FM focados em reggae começam a despontar. Mas são deixados de lado e engavetados por algum tempo. Novos programas em rádios independentes e podcasts surgem no decorrer dos anos 2000 e 2010. 

SITES E INFORMATIVOS

Outros informativos impressos e sites entram no ar.


👉 2001

GREEN EXPRESS; apesar de muitos contarem (e pensarem) que a primeira festa de DUB foi no Susi In Transe, festas de reggae já aconteciam no centro de São Paulo, muitas das quais no Green Express (e em muitos outros lugares) muitos anos antes. Existe uma lacuna de registros de eventos anteriores aos 2000, devido falta de arquivo, somente poucas pessoas fotografaram, filmaram e arquivaram esses registros. 

SUSI IN TRANSE; inicio no Largo do Arouche, após intervenções policiais migrou para a Av. São João. Hoje fica na Pedro II. 


👉 2005 - 2006 

A casa House of Dreads na Zona Norte de São Paulo, se torna um local que descentraliza o reggae e o dub  novamente para uma região periférica em SP. 

Sites de reggae pirateiam discos, disponibilizando todos de forma gratuita em arquivos mp3. Seguidos por outros canais digitais menores que acabam se encerrando com pouco tempo no ar.


👉 2007 - 2009

Primeiro 'boom' de sistemas de som, coletivos, seletores, djs e mc's. O termo 'cultura sound system' começa a ser inserido em diversas discussões. Regramentos de como é e o que é um sound system começa a ser propagado em grupos de discussão.


👉 ANOS 2010

Prefeitura de SP incentiva (financeiramente) através de Editais Públicos festas gratuitas pela cidade de SP. 


👉 2011 - 2019

Maior parte dos locais de eventos que cobravam entrada, aos poucos vão fechando e novos espaços com entrada gratuita surgem em SP.

Para tocar, é preciso (quase que obrigatoriamente) ter todo o sistema de som e levar ele para todos os lugares. 

Eventos gratuitos são feitos praticamente todas as semanas, 'quebrando' todo o negócio de entretenimento. O Reggae é praticamente todo tomado pela gratuidade. 


👉 2020

Alguns trabalhos amadurecendo conceitos, ideias, muitos se desapagando do rótulo reggae. Outros ainda apegados em ideologias e repetindo as mesmas ações e o mesmo comportamento de 20 anos atrás.



terça-feira, 13 de abril de 2021

BAILES BLACK


Os quatro jovens que chegam ao pequeno salão localizado na pacata rua da Barra Funda estão entusiasmados. Um dos rapazes particularmente é dono de uma íntima e contida alegria, já que é a primeira vez que vai ao salão de baile. Ele chega à bilheteria, compra o ingresso e, quando os quatro entram, descortina-se para ele uma realidade diferente. A primeira sensação é a de ter entrado em um mundo paralelo. Luzes escuras, giratórias, música em alto volume, e jovens como ele dançam animadamente, causando-lhe certa comoção por causa da alegria espontânea que acompanha os gestos de braços, pernas, quadris…

O salão está repleto, as roupas são bem cuidadas, alguns suam, outros circulam de um lado a outro. Meninas e rapazes se olham com interesse. Nas caixas, o som que começa a tocar é o de Natalie Cole cantando This Will Be, e gritos de aprovação se fazem ouvir. Depois uma sequência de músicas traz aos ouvidos Tim Maia, Jorge Ben, Bebeto, e então braços se trançam nos volteios ritmados do samba-rock. De repente as cores se tornam mais suaves, o ritmo do som diminui, uma luz negra se acende. Marvin Gaye começa a cantar Let’s Get it On e mais gritinhos são ouvidos. Casais se formam para dançar juntos, colados. Os rapazes circulam, chamam as meninas para dançar, são rejeitados, insistem com outras e logo muitos estão dançando. É a sessão de lentas.

O jovem que entrou pela primeira vez no salão aos poucos vai se acostumando com aquele burburinho de sons e vozes, aquela riqueza de luzes e cores. Mas o que o choca mais é que, diferentemente do que vive no seu dia-a-dia, ali a maioria das pessoas é negra, e ele se sente bem. De algum modo, assim que colocou os pés no salão São Paulo Chic, teve certeza de que estava num lugar ao qual pertencia.

Dos meados da década de 70, época em que os bailes no São Paulo Chic lotavam, para cá, houve pouca mudança em termos desse sentimento de identidade que os bailes da população negra provocam.

As equipes de som se profissionalizaram. As modestas caixas acústicas que faziam a alegria dos dançarinos nos pequenos salões foram substituídas por grandes equipamentos de som durante o movimento Black São Paulo, uma extensão do movimento Black Rio que, ainda no final dos anos 70, trocou o ritmo do samba-rock pelo soul e funk de James Brown, Sly and Family Stone, Bar Kays… E isso não ocorreu sem conflitos. Os jovens que aderiam a essa nova onda do soul eram chamados de “neguinhos pop” por aqueles adeptos do som mais antigo. O termo “pop” na verdade se referia mais às músicas de apelo comercial que tocavam nas rádios, mas passou a denominar o soul.


Porém, a nova onda se espalhava rapidamente. Na época em que não havia internet, centenas de negros se reuniam no viaduto do Chá ao cair da tarde das sextas-feiras e as felipetas circulavam por ali anunciando os próximos bailes, sob os olhares e eventuais revistas de muitos policiais militares e sob a atenção de alguns policiais federais, já que aquela reunião podia ser subversiva.

Enquanto em salões como São Paulo Chic o baile comportava um número menor de pessoas, o movimento soul procurava amplos espaços e começava a trazer milhares de pessoas para seus bailes. O aspecto da identidade começou a se acentuar. Nas paredes dos salões, como a Associação Atlética São Paulo, eram exibidos filmes e documentários, a exemplo de Wattstax, que versavam sobre a luta dos afro-americanos em busca de cidadania.

O fato é que os bailes sempre fizeram parte da vida da população negra. A musicalidade e o ritmo são intrínsecos à maioria das culturas tradicionais africanas e essa herança é expressa, de diversas formas, pelos afro-brasileiros. Desde o pós-abolição, as diversas entidades que se formaram tiveram nos bailes uma expressão importante como atividade de lazer. Impedidos de entrar em festas de brancos, os afrodescendentes construíram seu próprio campo de entretenimento. A Frente Negra, por exemplo, tinha o grupo das Rosas Negras, que organizava as grandes festas na década de 30. Mas essas festas tinham não só um caráter recreativo, como também cultural e pedagógico, pois havia palestras, apresentação de grupos de teatro e outras atividades culturais.

Nas décadas de 70 e 80 o movimento soul retomou esse caráter mais educativo das festas. Algumas lideranças do movimento negro iam lá fazer discursos, panfletar, chamar aquele contingente de jovens em sua maioria negros para uma ação política.


“Os Carlos, Tranza Negra, Eduardo, Amaury são nomes que evocam nostalgias, e nostalgia é uma palavra que ainda denomina alguns tipos de bailes frequentados por uma população mais adulta, como os do Musicália e Musicaliando, nomes parecidos que encobrem alguns conflitos que esse campo abarca”.

Isso trouxe resultados nos anos seguintes, especialmente para o movimento hip hop, que nasceu nesse ambiente em que as equipes de som estão mais organizadas e os discursos mais afinados com a busca de uma identidade étnica. As equipes proporcionaram espaço para que grupos de rap viessem mostrar seus trabalhos. Os Racionais MCs, por exemplo, começaram a se apresentar nos bailes da equipe Zimbabwe, uma das pioneiras do movimento soul, que, transformada em selo musical, lançou o grupo. Outras equipes, como Chic Show e Black Mad, também gravavam artistas não só de rap como de outros gêneros, a exemplo do pagode, que divulgavam em seus programas nas rádios, como Bandeirantes e 105 FM. Além disso, algumas equipes adquiriram seus próprios salões, como o Clube da Cidade, na Barra Funda.

Clubes como Alepo, Casa de Portugal, Homs fazem parte da história de vida de pessoas que foram e vão a esses locais para dançar, se divertir, estar em um lugar com seus iguais. DJs (herdeiros do pioneiro Sr. Osvaldo e sua “orquestra invisível”), dançarinos, empresários, cantores, donos de equipe, seguranças compõem um contingente que vibra nos subterrâneos da cidade.

Alguns lugares marcaram gerações, como o Sambary Love, no bairro da Bela Vista, com seus dois ambientes sempre cheios: um em que tocava o gênero “black” (as muitas variações do R&B) e outro dedicado ao samba-rock e pagode ao vivo. Como outros bailes, ali também era frequentado por pesquisadores, militantes, ativistas.


O baile “de preto”, baile “black”, baile nostalgia, baile soul, o baile, enfim, é esse local para o qual convergem expectativas, alegrias, emoções. Não é só a música e dança que o caracterizam, embora sejam o apelo mais forte; não é frequentado só por negros, mas é um campo em que se constroem identidades, expressas nos gestos, nas roupas, na estética, no comportamento.

Aqueles quatro jovens que chegaram ao salão São Paulo Chic na década de 70 talvez hoje não fossem ao baile, talvez fossem para a “balada”. Às vezes a impressão é de que a época gloriosa dos bailes já passou. Mas certas paixões voltam, como o samba-rock. As gerações vão se reinventando e recriando os bailes, que continuam aproximando as pessoas nas periferias, no centro, ou mesmo nas casas noturnas da Vila Madalena. Nos bailes, a vida ainda pulsa numa dança que se perpetua.



domingo, 28 de fevereiro de 2021

1976: MOVIMENTO BLACK RIO

1976: Movimento Black Rio, de Luiz Felipe de Lima; Peixoto
 e Zé Otávio Sabadelhe (Rio de Janeiro: José Olympio, 2016)
Lançado em 10 de novembro de 2016, o livro 1976: Movimento Black Rio, dos jornalistas Luiz Felipe de Lima Peixoto e Zé Otávio Sabadelhe, celebra os quarenta anos da manchete de Lena Frias, Black Rio: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil, publicada em 17 de julho de 1976 no Caderno B do Jornal do Brasil. Em 28 reportagens, os autores recorrem a entrevistas e material previamente publicado para contar a história da cultura de bailes que, alimentados por soul, funk e disco afro-norte-americanos, espalharam-se pela Zona Norte carioca nos anos 1970, bem como a história do conjunto das apropriações desses gêneros por Tim Maia, Toni Tornado, Hyldon, Carlos Dafé, Cassiano, Gerson King Combo, Dom Salvador e Abolição, União Black, e Banda Black Rio. O livro tenciona constituir “uma contribuição à construção discursiva de uma memória social positiva da população negra brasileira” e oferece elementos para um trabalho necessário de revisão historiográfica que transcende o âmbito do tema tratado, apesar de erros fatuais que poderiam ter sido corrigidos por cruzamento de dados.


Escrito pelos jornalistas Luiz Felipe de Lima Peixoto e Zé Otávio Sabadelhe, coautor de Memória afetiva do botequim carioca (2015), o livro 1976: Movimento Black Rio foi lançado em 10 de novembro de 2016, aos quarenta anos da manchete de Lena Frias para o Jornal do Brasil. Segundo o Grupo Editorial Record (2016), do qual José Olympio é um selo, “a obra faz parte do projeto de mesmo nome organizado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, com patrocínio da Natura, que contará com uma série de ações de valorização do Movimento Black Rio”. Entende-se por Black Rio a cultura de bailes que, nos anos 1970, espalhou-se pela Zona Norte carioca, alimentados por soul, funk e disco afro-norte-americanos. O termo foi cunhado por Frias em 1976 para designar aquilo que alguns de seus entrevistados, entre os quais Oséas Moura dos Santos, o Mr. Funky Santos, nomeavam Soul Power.

O sucesso de coletâneas de música afro-norte-americana lançadas pelas equipes de som dos bailes — Soul Grand Prix, Dynamic Soul e Black Power — somou-se ao sucesso fonográfico de Tim Maia para abrir as portas da indústria a uma geração de músicos negros que, na esteira do samba-jazz, da bossa-nova, do twist e do iê-iê-iê, exploraram musicalidades afro-pan-americanas com referência ao soul, ao funk, à disco e ao jazz. Assim, a expressão Black Rio passou a encampar o conjunto das apropriações destes gêneros por Tim Maia, Toni Tornado, Hyldon, Carlos Dafé, Cassiano, Gerson King Combo, Dom Salvador e Abolição, União Black, e Banda Black Rio. Até mesmo Jorge Ben e Wilson Simonal, cujas carreiras fonográficas se iniciam na primeira metade dos anos 1960, bem como o João Donato de A Bad Donato (1970), o Gilberto Gil de Refavela (1977), o Caetano Veloso de Bicho Baile Show (1977–1978), dentre outros, seriam eventualmente associados ao Black Rio. A participação de artistas do soul-funk brasileiro nos bailes teve contudo caráter acessório. Estes se prolongariam pelos anos 1980 sob o nome bailes funk, fixados em gravações importadas, com repertórios sempre atualizados (electrofunk, electro, house, Miami bass, Latin freestyle), e terminariam por gerar uma música própria: o funk carioca.

Os bailes de subúrbio foram objeto dos trabalhos de Hermano Vianna (1988: 19–34), Michael Hanchard (1994: 111–119), Claudia Assef (2003: 35–51), Silvio Essinger (2005: 15–48), Sonia Giacomini (2006: 189–256) e Paulina Alberto (2009); a música soul brasileira, dos de Bryan McCann (2002), Zuza Homem de Mello (2003: 367–390), José Roberto Zan (2005), e Sean Marquand e Sérgio Babo (2006). Allen Thayer (2006) abordou ambos os temas. O uso anacrônico do termo soul para a produção musical dos anos 1970 no Brasil explica-se pelo fato de, em 1969, a revista Billboard ter mudado o nome da parada de música afro-norte-americana, de rhythm‘n’blues, para soul, designação mantida até 1982 (BRACKETT, 2009: 66). Por outro lado, a emergência do funk carioca no final dos anos 1980 e a necessidade de diferenciar entre “o verdadeiro funk” e o primeiro gênero brasileiro de música eletrônica dançante contribuíram para a manutenção da palavra soul enquanto designação da vertente não eletrônica do soul-funk brasileiro.

O livro de Sabadelhe e Peixoto é a primeira monografia publicada sobre o assunto. Além de uma apresentação por Peixoto e de uma introdução por Sabadelhe, ele consiste em 28 reportagens[1] seguidas por considerações finais de Carlos Alberto Medeiros, um posfácio de Ana Maria Bahiana, e bibliografia. Os autores entrevistaram Dom Filó, Toni Tornado, Roberto Menescal, Zeca Marques, Leandro Petersen, Zezé Motta, o DJ Paulão (da equipe Black Power), Carlos Alberto Medeiros, Macau, Nei Lopes, William Magalhães, Mamão, Alcione Pinto Magalhães, Jamil Joanes, André Midani, Hyldon, Tony Bizarro, Sandra de Sá, Ed Motta, Fernanda Abreu, Pee Wee Ellis e BNegão. Um conjunto de citações cuja fonte não é especificada possivelmente provém de depoimentos de Marcos Romão (62–63), do DJ Paulinho da equipe Black Power (67), de Sir Dema (68, 74–75), de Marcelo Gularte (72), de Paulo Cézar Caju (79–80), do DJ Jailson da equipe Jet Black (81–82), de Altay Veloso (148–149), de Jorjão Barreto (156), de Nasca (183–184), do DJ Corello (189) e do DJ Marlboro (195). Excertos do depoimento de Filó conduzem a narrativa, em alternância com outras falas, trechos da literatura e amostras do jornalismo da época.

Nas palavras dos autores, o livro descarrega “uma torrente de relatos” (219). Faltam-lhe porém verificação e cruzamento de dados. O Black Rio teria inspirado o samba-jazz (21), que lhe é anterior (LOPES, 2006). O discotecário Ademir Lemos teria citado “uma renda que um jogo de Flamengo e Vasco não atingia nos domingos do Maracanã” (24), quando efetivamente citou “uma renda que um jogo, se não tiver Vasco ou Flamengo, não atinge” (FRIAS, 1976: 1). A música Heartbeat, do grupo War (ESSINGER, 2005: 34), recebe o nome de Heartbreak (64). O livro de Hanchard (1994) é creditado a McCann (104), de cujo artigo (2002: 35) provém a citação (105) atribuída ao primeiro. A aliança entre o soul e o samba de raiz é dada por “jamais revelada” (116), embora Essinger a tenha exposto em 2005 (40–42). The Platters seria um grupo “da gravadora Motown” (126), pela qual jamais passaram[2]. Dois álbuns de Luiz Melodia, um de 1978, outro de 1980, seriam balões “de ensaio para a concepção da linha sonora que iria balizar o disco Maria fumaça” (169), de 1977. Gerson King Combo teria recebido um telegrama de James Brown (170), um engodo que Essinger (2005: 39) revelou há onze anos. A origem do soul da Filadélfia é localizada na “fundação [em 1971] da gravadora Philadelphia International Records” (186–187), ainda que Kenny Gamble e Leon Huff tenham iniciado seus trabalhos em 1965 (LAWRENCE, 2004: 117). The Sugarhill Gang seria um “grupo de Nova Iorque” (194), embora todos os seus integrantes e o selo que os gravava estivessem sediados em Englewood, no estado de New Jersey (KATZ, 2012: 77–78). O subgênero de funk carioca conhecido por putaria é rotulado de proibidão (194). Breaks seriam “trechos ritmados de determinada faixa, inserida em outra música, por meio de mixagens” (195), quando constituem elementos básicos de construção da música hip-hop (KATZ, 2012: 14. ROSE, 1994: 73–74). A criação da “estrutura musical do hip-hop” seria resultado de “beats eletrônicos da máquina de ritmos programável Roland TR-808” e do “advento dos samplers” (197), dois recursos que só se tornaram disponíveis em 1980, sete anos após a fundação da cultura hip-hop (KATZ, 2012: 17–19). Muita coisa poderia ter sido corrigida pela revisão: “latente” (27) por “patente”; “cujo os” (74) por “cujos”; “Blood, Sweet and Tears” (149) por “Blood, Sweat and Tears”; “flauta em baixo” (153) por “flauta baixo”; “o melô” (194) por “a melô”. Por fim, as expressões “base endiabrada” (120), “petardo disco-funk groovadíssimo” (177) e “outro petardo” (197) tomam o lugar de descrições musicalmente relevantes.

Peixoto afirma em sua apresentação que o livro “quer ser uma contribuição à construção discursiva de uma memória social positiva da população negra brasileira” (16). Os autores se perguntam: “quando ou como o Movimento Black Rio teria sucumbido ao espetáculo que se criou em torno dele?” (219). Ao apresentá-lo no papel de precursor das atuais políticas de identidade, sob os auspícios do mesmo Estado que hoje sujeita todas as atividades recreativas nas favelas cariocas ao arbítrio da polícia ou das Forças Armadas, eles não deixam de participar desse espetáculo. É lícito exclamar-se: “menos ‘política identitária’, menos ‘empoderamento’, menos ‘lugar de fala’ e mais luta de classes!”[3]

Por outro lado, ao inserir os bailes black, a música soul, os bailes funk e o funk carioca no âmbito transnacional das manifestações da diáspora africana, ambos prestam contribuição ao combate contra o racismo estrutural da historiografia musical brasileira, onde, por exemplo, Mr. Funky Santos ocupa posição ambígua. Ao mesmo tempo que se credita ao radialista e DJ (branco) Big Boy ter começado tudo em Botafogo, atribui-se a Moura dos Santos o início dos Bailes Black, no extinto Astória Futebol Clube4, no bairro do Catumbi (ESSINGER, 2005: 19). Organizador, desde 1972, das Noites do Shaft, no Renascença Clube, no Andaraí, Dom Filó afirma: 

Big Boy. Ele tocava eminentemente o rock! Botava lá um “James Brownzinho” no final do baile. Então ele não era o black da hora, só que tinha o material. Outra coisa. O primeiro baile não foi no Canecão. O primeiro baile foi na Zona Norte! O Big Boy só fazia no Canecão porque a sua clientela era eminentemente branca (OLIVEIRA FILHO; CARDOSO; MEDEIROS, 2009).

A ideia de que o Black Rio — e, por decorrência, o funk carioca — tenha origem em Botafogo parece derivar de um problema de interpretação da matéria de Frias, que afirma: “no começo era apenas a [equipe] de Big Boy” (1976: 4). E cita Moura dos Santos (grafado “Santos dos Santos” no texto): “O soul começou com Big Boy, Ademir, Monsieur Limá, por volta de 1969, 1970” (6). Vianna (1988: 24) infere: “os primeiros bailes foram realizados na Zona Sul, no Canecão”. Seja pelos depoimentos coletados, seja pela iconografia reunida, 1976: Movimento Black Rio fornece farto material para um trabalho necessário de revisão historiográfica que transcende o âmbito do tema tratado. 



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