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terça-feira, 13 de abril de 2021

BAILES BLACK


Os quatro jovens que chegam ao pequeno salão localizado na pacata rua da Barra Funda estão entusiasmados. Um dos rapazes particularmente é dono de uma íntima e contida alegria, já que é a primeira vez que vai ao salão de baile. Ele chega à bilheteria, compra o ingresso e, quando os quatro entram, descortina-se para ele uma realidade diferente. A primeira sensação é a de ter entrado em um mundo paralelo. Luzes escuras, giratórias, música em alto volume, e jovens como ele dançam animadamente, causando-lhe certa comoção por causa da alegria espontânea que acompanha os gestos de braços, pernas, quadris…

O salão está repleto, as roupas são bem cuidadas, alguns suam, outros circulam de um lado a outro. Meninas e rapazes se olham com interesse. Nas caixas, o som que começa a tocar é o de Natalie Cole cantando This Will Be, e gritos de aprovação se fazem ouvir. Depois uma sequência de músicas traz aos ouvidos Tim Maia, Jorge Ben, Bebeto, e então braços se trançam nos volteios ritmados do samba-rock. De repente as cores se tornam mais suaves, o ritmo do som diminui, uma luz negra se acende. Marvin Gaye começa a cantar Let’s Get it On e mais gritinhos são ouvidos. Casais se formam para dançar juntos, colados. Os rapazes circulam, chamam as meninas para dançar, são rejeitados, insistem com outras e logo muitos estão dançando. É a sessão de lentas.

O jovem que entrou pela primeira vez no salão aos poucos vai se acostumando com aquele burburinho de sons e vozes, aquela riqueza de luzes e cores. Mas o que o choca mais é que, diferentemente do que vive no seu dia-a-dia, ali a maioria das pessoas é negra, e ele se sente bem. De algum modo, assim que colocou os pés no salão São Paulo Chic, teve certeza de que estava num lugar ao qual pertencia.

Dos meados da década de 70, época em que os bailes no São Paulo Chic lotavam, para cá, houve pouca mudança em termos desse sentimento de identidade que os bailes da população negra provocam.

As equipes de som se profissionalizaram. As modestas caixas acústicas que faziam a alegria dos dançarinos nos pequenos salões foram substituídas por grandes equipamentos de som durante o movimento Black São Paulo, uma extensão do movimento Black Rio que, ainda no final dos anos 70, trocou o ritmo do samba-rock pelo soul e funk de James Brown, Sly and Family Stone, Bar Kays… E isso não ocorreu sem conflitos. Os jovens que aderiam a essa nova onda do soul eram chamados de “neguinhos pop” por aqueles adeptos do som mais antigo. O termo “pop” na verdade se referia mais às músicas de apelo comercial que tocavam nas rádios, mas passou a denominar o soul.


Porém, a nova onda se espalhava rapidamente. Na época em que não havia internet, centenas de negros se reuniam no viaduto do Chá ao cair da tarde das sextas-feiras e as felipetas circulavam por ali anunciando os próximos bailes, sob os olhares e eventuais revistas de muitos policiais militares e sob a atenção de alguns policiais federais, já que aquela reunião podia ser subversiva.

Enquanto em salões como São Paulo Chic o baile comportava um número menor de pessoas, o movimento soul procurava amplos espaços e começava a trazer milhares de pessoas para seus bailes. O aspecto da identidade começou a se acentuar. Nas paredes dos salões, como a Associação Atlética São Paulo, eram exibidos filmes e documentários, a exemplo de Wattstax, que versavam sobre a luta dos afro-americanos em busca de cidadania.

O fato é que os bailes sempre fizeram parte da vida da população negra. A musicalidade e o ritmo são intrínsecos à maioria das culturas tradicionais africanas e essa herança é expressa, de diversas formas, pelos afro-brasileiros. Desde o pós-abolição, as diversas entidades que se formaram tiveram nos bailes uma expressão importante como atividade de lazer. Impedidos de entrar em festas de brancos, os afrodescendentes construíram seu próprio campo de entretenimento. A Frente Negra, por exemplo, tinha o grupo das Rosas Negras, que organizava as grandes festas na década de 30. Mas essas festas tinham não só um caráter recreativo, como também cultural e pedagógico, pois havia palestras, apresentação de grupos de teatro e outras atividades culturais.

Nas décadas de 70 e 80 o movimento soul retomou esse caráter mais educativo das festas. Algumas lideranças do movimento negro iam lá fazer discursos, panfletar, chamar aquele contingente de jovens em sua maioria negros para uma ação política.


“Os Carlos, Tranza Negra, Eduardo, Amaury são nomes que evocam nostalgias, e nostalgia é uma palavra que ainda denomina alguns tipos de bailes frequentados por uma população mais adulta, como os do Musicália e Musicaliando, nomes parecidos que encobrem alguns conflitos que esse campo abarca”.

Isso trouxe resultados nos anos seguintes, especialmente para o movimento hip hop, que nasceu nesse ambiente em que as equipes de som estão mais organizadas e os discursos mais afinados com a busca de uma identidade étnica. As equipes proporcionaram espaço para que grupos de rap viessem mostrar seus trabalhos. Os Racionais MCs, por exemplo, começaram a se apresentar nos bailes da equipe Zimbabwe, uma das pioneiras do movimento soul, que, transformada em selo musical, lançou o grupo. Outras equipes, como Chic Show e Black Mad, também gravavam artistas não só de rap como de outros gêneros, a exemplo do pagode, que divulgavam em seus programas nas rádios, como Bandeirantes e 105 FM. Além disso, algumas equipes adquiriram seus próprios salões, como o Clube da Cidade, na Barra Funda.

Clubes como Alepo, Casa de Portugal, Homs fazem parte da história de vida de pessoas que foram e vão a esses locais para dançar, se divertir, estar em um lugar com seus iguais. DJs (herdeiros do pioneiro Sr. Osvaldo e sua “orquestra invisível”), dançarinos, empresários, cantores, donos de equipe, seguranças compõem um contingente que vibra nos subterrâneos da cidade.

Alguns lugares marcaram gerações, como o Sambary Love, no bairro da Bela Vista, com seus dois ambientes sempre cheios: um em que tocava o gênero “black” (as muitas variações do R&B) e outro dedicado ao samba-rock e pagode ao vivo. Como outros bailes, ali também era frequentado por pesquisadores, militantes, ativistas.


O baile “de preto”, baile “black”, baile nostalgia, baile soul, o baile, enfim, é esse local para o qual convergem expectativas, alegrias, emoções. Não é só a música e dança que o caracterizam, embora sejam o apelo mais forte; não é frequentado só por negros, mas é um campo em que se constroem identidades, expressas nos gestos, nas roupas, na estética, no comportamento.

Aqueles quatro jovens que chegaram ao salão São Paulo Chic na década de 70 talvez hoje não fossem ao baile, talvez fossem para a “balada”. Às vezes a impressão é de que a época gloriosa dos bailes já passou. Mas certas paixões voltam, como o samba-rock. As gerações vão se reinventando e recriando os bailes, que continuam aproximando as pessoas nas periferias, no centro, ou mesmo nas casas noturnas da Vila Madalena. Nos bailes, a vida ainda pulsa numa dança que se perpetua.



OS ÁLBUNS MAIS POPULARES DE AL GREEN


Embora todos os números do banco de dados do Discogs não possam confirmar essa afirmação, "Let's Stay Together" é provavelmente a música nº 1 de Al Green no coração da maioria das pessoas - afinal, era a única música nº 1 da Billboard Hot 100 de singles. Este hit soul também pode ser encontrado no álbum de Al Green mais procurado do Discogs, o lançamento de 1972, e seu mais popular, seus Greatest Hits de 1975.

Estamos tomando um momento para dividir alguns de seus melhores trabalhos pelos números. Entre as nossas classificações de seus álbuns altamente cobiçados e colecionados, você encontrará lançamentos conhecidos do famoso artista de soul music. As listas são determinadas por quantos usuários do Discogs adicionaram o registro à sua coleção (mais popular) ou à lista de desejos (mais desejada).

Sua longa discografia teve uma influência duradoura no neo-soul, hip-hop, R&B e e música eletrônica. No entanto, ele foi atraído pela música cristã (ou gospel) após uma série de tragédias em sua vida e saiu das paradas pop na década de 1980 para trabalhar em álbuns gospel, que resultaram em alguns sucessos religiosos e Grammys. Ele não ficou longe do soul por muito tempo; até mesmo sua música gospel estava cheia do gênero, e ele voltou às paradas seculares no final da década e tem bombeado soul music desde então. O lançamento mais recente de Green, Lay It Down de 2008, foi produzido pelo único Questlove (da banda de Hip Hop;The Roots).

Foto de Charlie Gillett, cortesia da Fat Possum Records

Essas listas não incluem álbuns com a voz ou letras de Green, como o álbum de Tyler, The Creator’s: 'Igor', ou uma compilação como Shaolin Soul ou covers de The Talking Heads. Entre os muitos créditos de Green no Discogs, "Let’s Stay Together" e "Take Me to the River" são as faixas mais populares gravadas ou sampleadas. De acordo com nossos amigos da WhoSampled, Green foi sampleado 605 vezes e tem nada menos que 168 covers (no WhoSampled).

I'm Glad You’re Mine” leva o primeiro lugar como a faixa mais sampleada. A bateria é definitivamente o trecho mais atraente (quero dizer, apenas ouça a introdução sozinha). Notorious B.I.G. usou essa batida de Green em vários álbuns, mas suas canções foram retrabalhadas por todos, de Kanye West a Nas. Para um exemplo mais discernível de um sample, ouça "Simply Beautiful" de Green e "Good to You", produzido por Talib Kweli e Kanye (West).


Álbuns mais procurados

3. Al Green ‎– Greatest Hits (1975)


2. Al Green ‎– I’m Still In Love With You (1972)

1. Al Green ‎– Let’s Stay Together (1972)



Álbuns mais populares

3. Al Green ‎– I’m Still In Love With You (1972)


2. Al Green ‎– Let’s Stay Together (1972)


1. Al Green ‎– Greatest Hits (1975)






quarta-feira, 3 de março de 2021

UMA NOVA EXPLORAÇÃO DOS ÁLBUNS DE SUN RA

Ilustração: Robert Beatty

Talvez tenha sido escrito com o brilho das estrelas - ou, mais provavelmente, predito na escuridão que os cerca! Nos últimos anos, o crescimento da admiração coletiva pela música, arte e filosofia do tecladista e compositor Afrofuturista Sun Ra, e sua banda The Arkestra, foi fenomenal de se ver, igualado apenas pelo volume de suas próprias gravações disponíveis.

A busca pela discografia de The Sun Ra de décadas de status cult de estranheza em direção aos arredores do cânone do século 20, sem dúvida, foi ajudada pelo fato de que a The Sun Ra Arkestra permanece em uma unidade totalmente ativa, mesmo 27 anos após a morte de seu fundador (graças em grande parte ao liderança do saxofonista de 96 anos, Marshall Allen). No entanto, entre os aspectos mais curiosos desta jornada está o quanto da excentricidade de Sun Ra permaneceu intacta - o interesse que ele ganhou, não apesar disso, mas principalmente por causa dele - e como atraiu uma infinidade de perspectivas contemporâneas. Ouça os álbuns de Sun Ra em 2021 e seu trabalho pode ser corretamente colocado em uma infinidade de quadros.

Não é exagero dizer que Sun Ra expandiu a tradição da música criativa moderna e se tornou central para reavaliações mais amplas da arte afro-americana e de vanguarda do pós-guerra; que ele indiscutivelmente semeou as sementes do pensamento afrofuturista e utópico, enquanto defendia um universalismo preto centrado na auto-sustentabilidade e na história da arte-política, enquanto empregava um espelho de trapaceiro na supremacia branca. O Arkestra, por sua vez, tornou-se um exemplo de autonomia DIY (do it yourself / faça você mesmo) de longo prazo, incorporando a linha histórica de performances musicais experienciais, sendo teatrais antes da era “exótica” ao reinado de Tik Tok. O nome de Ra pode surgir em conversas sobre as raízes do free jazz ou do techno - sua música é a prova de ambos.

Na verdade, a grande quantidade de gravações que Sun Ra deixou - além de novas peças descobertas em seus próprios arquivos ou nos arquivos de outras pessoas, e compilações temáticas reformulando a obra - é a principal razão para a amplitude de interpretações de seus muitos impactos e de The Arkestra. Sun Ra dirigia sua própria gravadora (El Saturn Records); fez sessões para outras gravadoras e material licenciado para elas; constantemente gravava concertos e aparições no rádio, mas também permitiu que outros o gravassem. Todo aquele material propagava autossuficiência e uma abordagem indiscriminada para qualificar a arte. A canonização certamente NÃO era o ponto, e “Ótimo” freqüentemente poderia ser encontrado ao lado de “Morno” - a subjetividade sendo uma amante tão cruel quanto o tempo.

Desde nosso último guia para ouvir Sun Ra em 2017, houve mais de 50 novas adições ao catálogo disponível no site. Para o bem da sanidade, só considerei aqueles que foram adicionados desde então - e mesmo assim, deixei de fora muitas sessões dignas ao vivo e de rádio.


88 Keys to the Kosmos: Solos, a Duet and a Trio



Em algum nível, a ideia de discos solo de piano de Sun Ra é bastante natural: Herman “Sonny” Blount foi um prodígio do piano em Birmingham e sua destreza no instrumento (movendo-se perfeitamente de sútil ao agressiivo para ondas vulcânicas semelhantes ao som de Cecil Taylor), que podiam ser ouvidos na maioria das apresentações do Arkestra, muitas das quais com momentos de Rá desacompanhado. Por muito tempo, os dois volumes de Monorails and Satellites (originalmente lançado do “final dos anos 1960”) foram seus álbuns solo de piano mais conhecidos, e a nova versão adiciona um terceiro volume. Embora geralmente apresentem um Rá contido, exibindo principalmente originais de swing meditativos (como "The Eternal Tomorrow"), até com a aparência da eletrônica ("Astro-Vision") ou um impulso em direção à atonalidade ("Calundronius" que soa como Gershwin picado), (Ra) nunca parece estar longe.
 
Um conjunto de álbuns na segunda metade da década de 1970 viu Ra retornar aos teclados solo, às vezes de maneiras únicas. Ambos Solo Piano, Vol. 1 (estúdio 1977) e St. Louis Blues (ao vivo 1977) foram produzidos pelo pianista Paul Bley; e ambos apresentam uma mistura de originais e padrões onde as duas abordagens de tocar - é livre, buscando ao lado do melódico e descontraído - estão intimamente integrados. (Descubra os blues abstratos de fios soltos na versão de Solo de “Sometimes I Feel Like a Motherless Child.”.) O piano solo anteriormente não editado no WKCR de 1977 foi gravado uma semana depois do St. Louis Blues, e junto com a mistura familiar de originais e padrões inclui quatro improvisações dramáticas. Essa mistura de material também está presente no Solo Keyboards gravado não oficialmente, em Minnesota, em 1978 - três das apresentações não são no piano, mas em um sintetizador Crumar, que adiciona um brilho elétrico e tributários futuristas a "Motherless Child". A gravação solo mais recente, Haverford College Solo Piano 1980, também é um nome impróprio, já que Ra executa o concerto inteiro em uma Fender Rhodes, criando pontes naturais entre "Space is the Place" e "Somewhere Over the Rainbow", invocando então efeitos sonoros de Star Wars na segunda de duas improvisações originais.

A exploração de Sun Ra no ambiente livre resultou em dois outros álbuns exclusivos neste período. Visions é uma adorável dupla curiosidade de 1978 com o vibrafonista Walt Dickerson, um convidado em uma das faixas de Haverford que é creditado em todas as sete composições. A maioria é despojada e cheia de interação fácil, as exceções sendo “Utopia” e “Prophesy” - nas quais sons de sintetizador, rabiscos de piano e grupos de outro mundo tocam em contraponto. A única sessão de trio de piano da carreira de Sun Ra, God Is More Than Love Can Ever Be, de 1979, é muito mais do que uma curiosidade. Com Samarai Celestial (também conhecido como Eric Walker) na bateria e Hayes Burnett no baixo, o álbum abraça a acessibilidade da forma em sua plenitude ("Magic City Blue" é um boogie-woogie exuberante), sem nunca se esquecer de se esticar em várias direções (o propulsão de “Blithe Spirit Dance” é conduzida por todos os três músicos). Esta merece maior aclamação.


In the Shadow of ‘Space’: The ABC/Impulse! Years



Após o sucesso comercial do álbum Space Is The Place de 1972, Sun Ra assinou um contrato com o famoso selo Impulse!, um acordo ambicioso que deveria incluir o licenciamento de antigos lançamentos da Saturn Records para reedição, bem como a criação de novas gravações. As coisas não correram como planejado. Depois que o primeiro álbum do acordo, Astro-Black de 1973, fracassou, o acordo desmoronou; no entanto, outros títulos chegaram ao mercado, e a música da Arkestra gravada para o Impulse! encontrou seu caminho para lançamentos futuros. (Uma recontagem completa desse assunto confuso é parte da biografia crucial de Sun Ra de John Szwed, Space Is The Place.) Na verdade, esse período na existência terrena da Arkestra (1972-74) viu Rá e o grupo fazendo parte das gravações de estúdio mais intrigantes de sua “carreira”, abraçando o barulhento, eletrônico e discordante. Vários álbuns desse período agora estão disponíveis digitalmente - ou organizados - pela primeira vez.

Aparentemente, a música mais "famosa" deste período é, na verdade, um nome impróprio: uma sessão de 1972 lançada em 1993 como Space is the Place: Music for the Film não é a trilha sonora do filme cult que parece ser, embora tenha sido gravada como tal; no entanto, inclui versões novas / diferentes de alguns dos materiais mais conhecidos de Sun Ra interpretados por uma Arkestra de 12 peças "compacta". Por outro lado, a Discipline 27-II de outubro de 1972 é totalmente original, abrangendo as muitas notas e rotas que até então fizeram de Rá e sua banda exploradores musicais. É expansivo (mais de 20 músicos e cantores); percussão e voz pesada; livre e oscilante; celestial, engraçado e filosófico, com uma suíte poética de 24 minutos que dá título ao álbum e é seu coração pulsante. Um clássico.
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Crystal Spears é algo completamente diferente. Gravado inverno / primavera de 1973 e planejado para pelo selo Impulse! de 1975. O lançamento (mas arquivado pelos "termos" da gravadora), abre com um surto emocional de sintetizador e órgão barulhento, perambula em território tradicionalista orientado para a canção apenas por um momento ("Eternal Sphynx"), e se transforma em um percussivo, crescendo psicodélico, e não é para os fracos de coração. The scattered Cymbals / Symbols Sessions (New York, 1973), todos reunidos aqui pela primeira vez, são gravações irmãs de Spears; mais estruturados em sua interação de uma Arkestra relativamente pequena, espinhosa e elétrica em espírito. Apenas a troca entre o sax tenor de John Gilmore, Sun Ra no órgão e o baterista Harry Richards na curta "Universe Is Calling" parece um momento estabelecido.

Também gravado no inverno de 1973, Pathways to the Unknown foi lançado pela Impulse! em 1975, encerrando a experiência do rótulo. Também soa como uma peça, de "fora" tocando cheio de espaços para digressões carregadas de pequenas combinações, explosões de banda completa ou longos solos externos (Gilmore e Allen no recém-adicionado "Intrinsic Energies"). Melodias e estruturas extensas são difíceis de encontrar. A única exceção é "View From the Mountain Top", um trecho de três minutos adicionado à reedição, onde o órgão de Ra, o tenor de Gilmore e o clarinete baixo de Eloe Omoe criam um clima mais focado. Seja a disposição, as circunstâncias ou o estúdio, Sun Ra e o selo Impulse!, a música abraça uma distopia que suas outras (canções) eras apenas reconhecidas.


Time Travelers & Super Heroes: Oddities & Curiosities



Uma das razões pelas quais o personagem e a música de Sun Ra sempre se destacaram foi a variedade de informações contidas em ambos. Ele foi um ímã, um tradutor e um construtor de utopias, com uma ampla gama de interesses esotéricos; mas também um músico altamente qualificado e intransigente, um líder de banda consumado que liderou uma orquestra desde os seus 20 anos, impulsionado a levar sua filosofia e som ao maior público possível. A mistura desses atributos criou uma cosmologia poderosa. Também levou Sun Ra por caminhos criativos incomuns em direção a destinos longínquos, enquanto o colocava em contato com outras grandes mentes. Somos abençoados por ele ter gravado muitas dessas discursões.

Há, por exemplo, a versão expandida de With Pharoah Sanders & Black Harold, uma gravação de um concerto de 1964 no Judson Hall de Nova York que marca o único documento da época do grande saxofonista tenor com a Arkestra. Uma nova versão expande o conjunto histórico original em quatro números, apresentando Sanders alguns meses antes de se juntar ao grupo de John Coltrane - e já em pleno vôo. A versão de Sun Ra de compromisso com a libertação preta também o colocou em contato com artistas do então incipiente Movimento das Artes Negras, principalmente com o acompanhamento de Arkestra de 1968 da peça do escritor Amiri Baraka,  A Black Mass. The Ankh and the Ark apresenta outra peça de evidência do envolvimento de Rá com essa tradição literária, uma entrevista em 1966 com o grande escritor e defensor de Arkestra; Henry Dumas (que seria morto por um policial de Nova York dois anos depois). A conversa mostra a visão de mundo de Rá então atual, com Dumas como um poderoso interlocutor. The Stranger: A Radio Play (por volta de 1968) é o som do Arkestra como uma banda de trabalho no estranho contexto do teatro de rádio, fazendo tudo o que era necessário para sobreviver, mas incapaz de salvar a apresentação medíocre com sua partitura exótica . O álbum Batman & Robin de 1966, creditado a "The Sensational Guitars of Dan and Dale", também mostra os membros de Sun Ra e Arkestra (bem como membros do Blues Project de Al Kooper) fazendo um show por dinheiro; mas esta - uma sessão rápida produzida por Tom Wilson (que tinha acabado de trabalhar com Bob Dylan e estava prestes a gravar The Velvet Underground & Nico) - é uma piada, apresentando não apenas a música tema, mas versões instrumentais dos sucessos do da época (sob títulos amigáveis ​​ao Batman), tocados como R&B rudimentar.

O Egito desempenhou um papel central na mitologia de Sun Ra desde o início - inspirando seu nome adotado e fornecendo a ele uma história cultural centrada no preto e um mapa estelar que literalmente mudou sua vida. Portanto, não é surpresa que o Egito fosse um dos destinos musicais de seus sonhos, um sonho que se tornou realidade em dezembro de 1971. O enorme conjunto Egypt, 1971, compila todas as gravações disponíveis da primeira viagem histórica da Arkestra ao Norte da África, quatro notáveis horas de música, com Rá confiando fortemente em teclados eletrônicos - muitas vezes tocando longas passagens solo, prototecnologia - ouvindo o ruído galvânico de seu  perído que se aproxima do selo e gravadora Impulse!. Sun Ra voltou duas vezes ao Egito no início dos anos 80 e, ao fazê-lo, em 1983, ele e o Arkestra foram para o estúdio com o baterista / compositor Salah Ragab, uma das principais figuras do "jazz" do país. O EP de duas faixas resultante, "Egypt Strut" / "Dawn", é o Arkestra em seu modo de banda de boogie posterior, com tonalidades do norte da África.

Uma vibração de pista de dança ainda mais intensa pode ser encontrada em On Jupiter, de 1979, uma espécie de disco irmão do Lanquidity do ano anterior. Aquele álbum da Arkestra universalmente amada, gravada com o famoso produtor nova-iorquino Bob Blank, é um ponto alto na música amigável para DJs que tocam Sun Ra; mas para o meu dinheiro empalidece com a música "UFO" em On Jupiter’s, uma música deliciosa e funky (cortesia do baixo elétrico fornecido pelo co-escritor Steve Clarke) que casa o olhar espacial do líder da banda com as profundas ruminações da era. On Jupiter é tanto uma fatia clássica da Arkestriana quanto um reflexo de seu momento musical e, portanto, parece simpático ao Swirling do ano passado, o primeiro álbum novo da Arkestra em duas décadas. Essas reinterpretações com muitos vocais do songbook original de Sun Ra e Arkestra antecipam nosso estado contemporâneo (veja a cappella "Sea of ​​Darkness", uma ótima leitura de "Seductive Fantasy" de On Júpiter) ao mesmo tempo em que parece atemporal.


Chopped: Thematic Compilations 



Finalmente, um dos grandes aspectos de agora ter toda a produção de Sun Ra administrada por uma única entidade legal, Sun Ra LLC, é que o imenso (e crescente) arquivo que pode ser recontextualizado de várias maneiras, permitindo mais reconsiderações temáticas. Um punhado de álbuns com compilações recentes fez exatamente isso, alguns destacando membros individuais da Arkestra, outros envolvendo partes específicas do repertório do grupo.

As compilações que homenageiam o trabalho da cantora June Tyson (Saturnian Queen of the Sun Ra Arkestra) e do saxofonista tenor John Gilmore (Kosmos in Blue and Blues at Midnight), dois dos músicos centrais e mais antigos do grupo, dão a eles seus tributos em um maneira que a história da música popular não mudou. Tyson foi o único membro feminino de longa data das bandas de Sun Ra durante seu mandato de um quarto de século. Ela era dançarina, coreógrafa e vocalista, mas o mais importante, era a voz universal da razão e da humanidade transmitindo as filosofias cósmicas do líder da banda - muitas vezes com um toque de humor atrevido (ouvir "Outer Spaceways Incorporated") que raramente fazia parte da abordagem do próprio Rá. Gilmore foi um dos músicos do Arkestra cuja presença tornou impossível para os tradicionalistas do jazz descreverem totalmente o grupo como uma espécie truque. John Coltrane amou o tom de Gilmore tanto que ele modelou o seu próprio som depois dele; Gilmore também foi membro da Art Blakey’s Jazz Messengers em meados dos anos 60, antes de se comprometer totalmente com a Arkestra. Com base nas gravações de Sun Ra dos anos 1950 e início dos anos 60, os compositores gêmeos defendem Gilmore como um grande saxofonista da era do hard-bop, tocando as mudanças em vez de pular galáxias sonoras. (Embora ele pudesse, é claro, fazer as duas coisas.)

Coleções baseadas em temas sônicos desconstroem o pensamento musical de Sun Ra, de acordo com muitos, que o próprio grande compositor pode ter considerado menos diversas categorias, considerando mais como ingredientes. Por exemplo, não há mentira em nomear uma compilação de 25 faixas de Sun Ra Exotica, expressando sua admiração pelo kitsch de "audição fácil" de Les Baxter, ou a apropriação de locais musicais e efeitos sonoros de alta fidelidade, como tendência, em vez de como fonte de material para o universalismo de Ra. Claro, números como "Tiny Pyramids" e "Cha Cha in Outer Space" se encaixam confortavelmente ao lado de coquetéis de guarda-chuva e modismos do dia, mas eles estão na verdade se preparando para o ensopado de alma multidimensional da Arkestra; assim como seu trabalho misturando doo-wop, R&B urbano e swing de big band que fez seu nome como músico em Chicago no final dos anos 40 e 50.

Space Age Rhythm & Bop (1950) apresenta Sun Ra como escritor / produtor / arranjador / e engenheiro da parada de sucessos local do dia, polvilhando poeira estelar em material numa miscelanea como o rosnado violento de Yochanan; "Hot Skillet Mama". Sua entrega lírica e propósito comunicam-se diretamente décadas depois. Usando quase 40 anos de gravações, em uma variedade de configurações, Sun Ra Plays Gershwin realiza outro tipo de recontextualização, mostrando um radical americano engajado em um dos amados clássicos do país. A leitura ao vivo inédita da Arkestra em 1979 de "Rhapsody in Blue" abre com uma improvisação de piano solo estendida sobre seu famoso tema, seguida por uma versão turbulenta - um triunfo de quem está de fora, dando um novo significado em um padrão antigo e alegre. Que Sun Ra tocou o “Blue” mais legal do que George Gershwin não é preciso dizer.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

ROOTS: CURTIS MAYFIELD, A ALMA DO SOUL

Curtis Mayfield

Durante o Mês da História Negra, o PAM relembra obras marcantes da música negra americana que estão enredadas na história do país. Hoje, o álbum Roots, de Curtis Mayfield com toda sua elegância e sua lealdade ao Black Power.


Através da nossa voz, o mundo sabe, não há escolha. Estamos implorando para salvar as crianças, os pequenos, que simplesmente não entendem. Dê uma chance a eles. Para criar seus jovens e ajudar a purificar a terra ...” 50 anos atrás com a música“ We Got To Have Peace” do álbum Roots, a mensagem de Curtis Mayfield não poderia ter sido mais clara. Foi uma resposta à então violenta Guerra do Vietnã, que se transformou nas piores cenas de terror. Fiel à sua estética, o ex-vocalista do The Impressions ajustou suas rimas a um ritmo bem equilibrado, com arranjos de cordas, percussão, uma seção de metais chamativa e um baixo oscilante, tudo isso convidando você a dançar para curar o mundo.

Curtis Mayfield: We Got to Have Peace

Homem que se auto realizou (gueto)

Quanto mais alta sua voz ficava, mais profundo se tornava o tom, sem dúvida uma das melhores qualidades do nativo de Chicago. Ele atingiu seu auge no início dos anos 1970, deixando a banda The Impressions e co-fundando o Curtom, um selo classudo onde nosso visionário produtor escolheu fazer com que suas muitas opiniões fossem ouvidas. Ele já havia trilhado esse caminho nos dias de seu trio vocal: "People Get Ready", "Choice of Colors" e, claro, "Keep On Pushing" ... todos hinos não oficiais do movimento pelos direitos civis.

Em 1968, a música "We’re A Winner" do mencionado The Impressions é menos uma canção de oportunidades iguais e de puro orgulho negro. Na Cidade do México, os velocistas levantaram os punhos, um sinal de que uma nova luta estava surgindo para uma comunidade cansada de se curvar. I Black Power estava incendiando as paradas e Curtis Mayfield agora estava do lado dos Panteras Negras, cujas visões políticas estavam mais de acordo com o radicalismo subjacente que ardia no coração do cantor gospel. “Chega de lágrimas, nós choramos e finalmente enxugamos nossos olhos e estamos avançando.” Lendo nas entrelinhas, a intenção já era clara. À medida que ele começou a trabalhar mais com seu próprio nome, criando orquestrações que realçavam sua voz, a política de Mayfield se tornou ainda mais clara.

Curtis Mayfield & The Impressions – Choice Of Colors 

O racismo é um subproduto do capitalismo”, argumentou Fred Hampton, chefe do Partido dos Panteras Negras em Illinois antes de ser assassinado pela polícia armada em 4 de dezembro de 1969. Esta declaração, um convite para superar as divisões do passado, certamente faz sentido quando olhamos para Curtis Mayfield, cuja independência de espírito o levou a promover o autogoverno. Para o músico, crescer em uma cidade onde mais de um ídolo o incentivava a fazer o que queria, ter o controle dos próprios meios de produção era a única garantia de liberdade. “Estávamos todos tentando sobreviver em um negócio administrado por gravadoras que não davam tudo o que você pensava que ganhava”, lembra Mayfield, cujas opiniões foram moldadas pelo Motown de Berry Gordy.


A Voz do Anjo das Trevas

Move On Up” tem tudo a ver com isso - um sucesso que encorajou a juventude negra a assumir seu destino em suas próprias mãos e que colocou nosso Ghetto Child direto no topo das paradas com o álbum solo Curtis, em 1970. Esse sucesso estrondoso - que definiu o pilar do seu tom estético característico - é apenas um dos muitos destaques desta coleção. “We the People Who Are Darker Than Blue” é, sem dúvida, a glória coroada do álbum, com sua introdução ultra elegante e uma pausa de percussão totalmente inusitada. E não podemos esquecer sua mensagem unificadora, onde Mayfield se recusa a deixar sua identidade ser algo que poderia isolá-lo quando, na verdade, poderia ser a solução para enfrentar os maus tratos organizados pelo Estado contra pessoas pretas.


Por mais aberto que fosse sua música, Curtis Mayfield tinha plena consciência de onde ele vinha. Isso é o que mostra o álbum Roots, cuja capa contrasta fortemente com Curtis. Lá longe o céu azul e o tom amarelado das roupas descoladas; agora ele está sentado ao pé de uma árvore com suas raízes entrelaçadas. A imagem reflete a mensagem desse disco - um apelo por uma soul music que se preocupa tanto com o debate e as ideias quanto com a fusão de sons. Basta ouvir “Underground” com sua guitarra descontraída, ecos flutuantes e ritmos latinos. O homem no controle da música estava chefiando um grupo de alquimistas. Impulsionados por andamentos rápidos e baladas profundas, eles exploraram os limites da psique humana com toques de blues poderosos, reminiscentes de Muddy Waters. O fato de este álbum popular e sofisticado ter sido comparado a What’s Goin ’On de Marvin Gaye mostra como ele é bom. E, como Marvin Gaye, a caneta de Curtis Mayfield ficava cada vez mais mordaz à medida que ele era seduzido pelo trabalho de Johnny Pate, um veterano do jazz de Chicago que trocou o baixo pela caneta. O resultado é uma série de discursos que ecoam nossos eventos atuais, como “Beautiful Brother Of Mine”, um hino à sindicalização.

Um ano depois, ele lançou Superfly, um modelo de blaxploitation onde ele dirigiu palavras duras para traficantes de drogas e outros “Pushermans” (aqueles que negociam para comprar sua dose de drogas). Em seguida, voltou ao mundo, talvez o auge e a mais bela das obras de Mayfield. “Right on for the Darkness”, são oito minutos de sulco amargo e pegajoso, apontando o dedo para aqueles que estão no topo que olham para os que estão abaixo deles, uma alegoria mal velada do inferno chamada vida nos Estados Unidos.

Já houve um dia tão claro no coração das trevas?

O álbum Roots, relançado em 2021.




Calendário do LP Roots, 1971

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A HISTÓRIA DE CASSIANO, O GÊNIO ESQUECIDO E ÍCONE DA MÚSICA PRETA BRASILEIRA

Conhecido pelas novas gerações por uma citação na música de Racionais MCs, Cassiano tem um lugar importantíssimo na música brasileira e na consolidação do movimento negro no país

Cassiano tem seu nome marcado na história da música, mas, infelizmente, é pouco conhecido das novas gerações.

Sua qualidade como cantor e compositor o coloca no mesmo nível que Tim Maia, porém, injustamente, com menos holofotes.

Genival Cassiano dos Santos nasceu em um bairro pobre da cidade de Campina Grande, na Paraíba. Quando criança, aprendeu os primeiros acordes de violão com seu pai, amigo íntimo da fera Jackson do Pandeiro.

Ao chegar com a família ao Rio de Janeiro, em meio a um grande processo migratório, Cassiano conseguiu emprego de servente de pedreiro. Nos horários e dias de folga, aproveitava para treinar acordes de violão e bandolim. Durante os anos 60, período em que a música negra, principalmente o soul, passavam a fazer cada vez mais sucesso, o cantor se junta com Hyldon e outros músicos e formam a banda “Bossa Trio” que, mais tarde, se converteria em os “Diagonais”, grupo responsável, junto com Tim Maia, pela difusão da música negra pela região sudeste.

O Síndico havia voltado dos Estados Unidos há pouco tempo e estava na fissura para produzir, encontrou no Brasil Cassiano, que tocava junto com sua banda na noite de São Paulo e Rio de Janeiro. Impressionado com o talento do cantor na guitarra, voz e composição, Tim Maia convida Cassiano para a gravação do primeiro álbum do Síndico, em 1970. Foi nesse disco que Tim inseriu duas composições do cantor Paraibano “Eu amo você” e “Primavera”, sucessos que ajudaram Cassiano a tornar seu nome conhecido e passar para a carreira solo, arrastando muito fãs pelo caminho.

Seu primeiro disco solo foi “Imagem e som”, de 1971. Neste LP, interpretou “Ela mandou esperar” e “Tenho dito”, ambas em parceria com Tim Maia, e ainda, “Primavera”, com Silvio Rochael e “Uma lágrima”. O primeiro lançamento foi um grande sucesso, o que garantiu a segunda gravação, denominada: “Apresentamos o nosso Cassiano” álbum no qual interpretou dez composições de sua autoria, dentre elas, “Cedo ou tarde”, com Suzana, “Me chame atenção”, com Renato Britto e “Castiçal”.

Mas a grande explosão de sucesso viria em 1976, quando lançou o disco com duas de suas músicas mais conhecidas: “A Lua e Eu” e “Coleção”, ambas viraram temas de novela da Globo e marcaram uma geração de fãs da música negra.

O grande sucesso do cantor ajudou a impulsionar o movimento negro no Brasil, o qual se reunia em torno dos bailes organizados em São Paulo e Rio de Janeiro sob a égide da trilha sonora composta por Cassiano.

Porém, com toda a genialidade, o cantor foi acometido por problemas respiratórios e foi submetido à retirada de um dos pulmões, fato que levou ao enfraquecimento de sua voz e, consequente, aposentadoria. Nas décadas de 80 e 90, Cassiano compôs músicas para Alcione e outros cantores famosos, fez pequenas participações em um disco aqui e outro ali.

Nos anos 90, esquecido pela indústria cultural brasileira e pouco lembrado pelas novas gerações, a gravadora Universal retoma a voz do cantor no disco “Velhos camaradas”, de Cassiano, Tim Maia e Hyldon, álbum que reuniu alguns sucessos de cada um dos artistas e fez um estrondoso sucesso de vendas e público.

Atualmente, o cantor continua vivo, mas pouco participa da indústria musical atual. Suas composições são tocadas todos os dias em videokês. Para as novas gerações, ele é lembrado pela citação em uma das músicas dos Racionais “Vida Loka – parte II: “Ouvindo Cassiano, há, os gambé não guenta”.

Na maior parte das vezes, o nome do cantor passa despercebido por entre as batidas do rap do grupo paulista. Percebemos que poucos entenderam que Cassiano foi fundamental para o estabelecimento da música negra no Brasil e, sem ele, certamente teríamos um Racionais muito diferente do que é.

Cassiano é um daqueles gênios que aparecem em nosso país, entretanto, não é lembrado como deveria, nem de acordo com o talento e trajetória que teve.

Aqui guardamos um espaço para seu legado e para sua importância para a música brasileira, principalmente aquelas que tocavam em barracos de comunidades pobres, enquanto o jovem negro penteava seu cabelo no garfo pra dar um rolê na noite de sábado.

Grande Cassiano!


 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

ESCUTANDO A ALEGRIA NA COLEÇÃO DE DISCOS DE JAMES BALDWIN

O curador Ikechúkwú Onyewuenyi espera despertar uma nova geração de escritores com "Chez Baldwin", uma lista de músicas no Spotify com 32 horas de duração baseada na coleção de discos de vinil de Baldwin.

James Baldwin

No início dos anos 1950, James Baldwin mudou-se para uma vila suíça nos Alpes com dois discos de Bessie Smith e uma máquina de escrever debaixo do braço. Foi lá que ele terminou seu primeiro romance, Go Tell It on the Mountain (1953), que ele atribui em grande parte às entonações blues de Smith: “Foi Bessie Smith, por meio de seu tom e cadência, que me ajudou a cavar de volta a maneira que eu mesmo deveria ter falado ... e para lembrar as coisas que ouvi, vi e senti. Eu as enterrei muito fundo”, escreveu Baldwin em um ensaio.

Para o eminente romancista e ensaísta americano, a música era geradora. Desenterrando inspiração que de outra forma poderia permanecer oculta. Ikechúkwú Onyewuenyi, curador do Hammer Museum em Los Angeles, espera despertar uma nova geração de escritores com "Chez Baldwin", uma lista de reprodução do Spotify com 478 faixas e 32 horas baseada na coleção de discos de vinil de Baldwin.

A lista de reprodução é uma espécie de bálsamo quando se está escrevendo”, disse Onyewuenyi ao Hyperallergic. "Baldwin se referiu ao seu escritório como uma 'câmara de tortura'. Todos nós já encontramos aqueles momentos de bloqueio do escritor, em que o processo de colocar a caneta no papel parece derramamento de sangue. Esse processo de tortura para Baldwin foi negociado com esses discos.

Onyewuenyi criou a compilação enquanto fazia pesquisas para The Welcome Table, o último escrito de Baldwin, na qual ele trabalhou até sua morte. Existem quatro textos datilografados da peça, a história mudando de forma a cada iteração: a versão mais antiga, que remonta a 1967, vem da década que Baldwin passou na Turquia, onde ele estava no exílio. Seis anos depois, um encontro com o estudioso Henry Louis Gates Jr. e a performer Josephine Baker na casa de Baldwin no sul da França levou a peça em uma direção diferente; Baker e Gates inspirariam os dois personagens principais.

A peça acabou por exemplificar o que Onyewuenyi descreve como o estilo tardio de Baldwin: "onde sua sexualidade - antes privada e reservada ao romance - se infiltrou em seus ensaios e peças". Além de explorar temas de erotismo, gênero, raça e nacionalidade, The Welcome Table é o único texto criativo onde ele faz referência à crise do HIV / AIDS.

Juntos, a natureza inacabada de The Welcome Table  implica vazio - uma parcial nisso - onde o significado não é totalmente formado, existindo em algum lugar entre os diferentes textos datilografados”, disse Onyewuenyi. “Essa multiplicidade e mistura de scripts, juntos, comunicam que Baldwin não era‘ o Jimmy de todos. Ele continha multidões. Então fiquei intrigado. Como podemos contabilizar essas discrepâncias?

Onyewuenyi encontrou fotografias da coleção de discos de Baldwin publicadas por La Maison Baldwin, uma organização sem fins lucrativos dedicada a preservar o legado do escritor no sul da França.

Casa de James Baldwin em Saint-Paul de Vence, França (photo by Daniel Salomons)

Olhando as fotos da casa de Baldwin na Provença, peguei seus discos, seu ambiente sônico, como uma forma de preencher o espaço, mas ainda permitir espaço para esse vazio, para diferenças. Além de ler os livros e ensaios que ele produziu enquanto morava na Provença, ouvir os discos foi algo que me transportou para lá”, disse Onyewuenyi.

Acho que queria me sentir entre aqueles convos barulhentos e ternos quando convidados como Nina Simone, Stevie Wonder (ambos apresentados na lista de reprodução), Maya Angelou, Toni Morrison, entre outros, partiram o pão e debateram com amor e carinho que não nem sempre é comum quando alguém está tentando se encontrar como Baldwin estava durante esse período de escrita de 'estilo tardio''”, acrescentou.

Nem todos os registros de Baldwin foram encontrados no Spotify. Dois álbuns, When the Night Comes de Lou Rawls (1983) e Sweet & Sour Tears (1964) de Ray Charles, ambos na coleção do escritor, estão ausentes da lista de reprodução porque não chegaram à plataforma musical. Mas Onyewuenyi diz que há “algo bom em ser uma lista de reprodução incompleta”.

Isso me lembra também do arquivo de registros de Frankie Knuckle no espaço de Theaster Gates, o Stony Island Arts Bank”, disse ele ao Hyperallergic. “A questão de tocar o arquivo de discos abre para a eventual deterioração e ruína dos discos- torna-se incompleto então, quando os sons não podem ser emitidos?

Quando questionado sobre seu álbum favorito na lista de reprodução, Onyewuenyi apontou para uma faixa específica: "Studio Dialogue" de Dinah Washington de seu álbum de 1959 What A Diff'rence A Day Makes!, um trecho de uma conversa entre a cantora e seu engenheiro de gravação:
"Você quer que eu soe como Julie London?
Não, soa como Dinah Washington.
Você prefere que eu soe como Lady?
Eu gostaria que você soasse como Dinah Washington.
Eu poderia soar como Spokane, Washington ...
Eu gostaria que você soasse como Dinah Washington."

Eu acho que há algo sobre como alguém deve soar, como ressoa com o que inicialmente me trouxe a esta playlist, que é Baldwin navegando sobre como articular essa mudança em sua voz nos últimos estágios de sua vida”, disse Onyewuenyi. “Posso imaginar Baldwin ouvindo Washington e juntando-se a seu lúdico cabo-de-guerra, com auto-vis-à-vis, e como alguém pode pensar como o público quer que eles sejam.

Ouça a playlist “Chez Baldwin” abaixo ou no Spotify.


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