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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

MUNDINHO EM CARTUM - RAS TAFARI E EDUCAÇÃO




'Mundinho Em Cartum' traz um pouco sobre vivência, história e cotidiano que trazemos em nossas raízes, plantadas por nossos ancestrais em uma eterna luta contra desigualdade, rascimo, preconceito e separatismo,para isso preparamos essa arte educacional a fim de propagar um pouco sobre cultura de matriz africana chamada Ras Tafari. 

 
Os desenhos desse álbum trazem desenhos e textos de Xandão Cruz com vivências e textos de Michel Iriê, Carol Jafet e orientados pelo aprendizado, audições, leitura, diálogo, "caminhada" e vivência.

Contos, "causos" e idéias passados por mestres e mestras ancestrais, griôts e anciões que por pura humildade repassam seus ensinamentos.

Respeito aos Elders, Griôts, Ancestrais, Estudiosos, Historiadores, Vivenciadores e simpatizantes que direta ou indiretamente formam mentes que absorvem ou conhecem a cultura Ras Tafari.






VAMOS INCLUIR O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA NA REDE ESCOLAR, LEI 10639 JÁ!

CHEGA DE MENTIRA E INVERDADES SOBRE CULTURAS AFRO, QUEREMOS A VERDADE!



Turbante: usado pelos homens, principalmente na ordem “bobo shanti”, para cobrir os cabelos em público.
Representa também o vínculo oficial com o congresso E.A.B.I.C (Congresso Negro Internacional Etíope).
É usado "para cima" apontando para o universo, representando o ministério masculino (deus).
No Brasil é comum ver homens e mulheres usando turbante por vários motivos ancestrais, religiosos,
culturais e dezenas de outros motivos afro. Os anciãos rastafáris também chamam o turbante de “torço”.
Texto: MIchel Iriê e Xandão, desenho: Xandão.

Lição de casa: olhem aí na lousa, pessoal! Nas horas vagas pesquisem sobre a Imperatriz Taitu Bitul,
esposa de Sahle Maryam (Menelik II) e sobre o livro de Enoque.
Semana que vem continuaremos postando humildemente este projeto, agradecemos imensamente a manifestação
de todos direta e indiretamente.
Xandão Cruz.
 
Véu ou caída (bobo mary fall): usado pelas mulheres para cobrir os cabelos em público, é mais utilizado na
ordem Boboshanti ( idéia de organização chamada de E.A.B.I.C dentro da cultura a partir da visão de Prince
Emmanuel, que busca raízes na ordem de Melquisedeque). O véu também é chamado de "caída" por ser
um tecido que fica "para baixo" apontando diretamente para a terra, representação do ministério feminino (deusa).
Texto: Michel Iriê com desenho de Xandão Cruz.


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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

PETER TOSH - DISCURSO @ REGGAE SUNSPLASH 1980



Saudações ao Todo Poderoso e ao trovejante Uno, Rastafári - poderoso e e trovão rebelde. Seu nome deve ser exaltado. Há muito tempo que é prisioneiro. Há muito tempo que eles procuram. Há muito eles acusam. Há muito tempo que eles condenam. Há muito tempo que eles matam. Faz tempo que eles crucificam. Mas esta é a dispensação da reencarnação. Mal sabe você, eu articulo aqui. Tem sido um longo, longo, longo tempo - historicamente muito tempo, que eu fui acusado, muitas vezes condenado, incriminado e discriminado de forma ilegal e ilegalmente, sem nenhuma causa justa. Só Jah sabe. Quem sente sabe disso. Entendeu?


Eu e eu pisei neste planeta que eles chamam de Jamaica, para não ser condenado por homens, mas por causa da shitstem (sistema de merda) ilegal projetado pelos feitores. (Tosh faz uma pausa enquanto o público ri) soa como uma piada, mas os fatos são que: o que é piada para você é a morte para ele. Quando você ri eu sou condenado, e eu vejo você rir todos os dias e morrer todos os dias. Soa como uma piada, mas parece que todos vocês atravessaram o seu coração e esperam morrer. Eu gostaria de saber por que, entendeu? Bem, agora é o momento em que Israel deve se erguer, independentemente da condenação ilegal dos homens, independentemente de como os homens podem se sentir nesta dispensação de tempo. Jah vive. Rastafari vive - poderoso e trovejante Rastafari. Só neste vale de Josafá o nome, Rastafari, é ilegal. Você paga quatro dólares em um tribunal por dizer RAAS. Soa como uma piada, entendeu? Mas Eu e Eu não pretendo viver sobre este pequeno pedaço do planeta como um estrangeiro insignificante. Desculpe o meu vocabulário. Porque muitas pessoas tomam o Rasta como a bagagem da terra. Como o meu irmão disse - isso é sério. Muito tempo Eu e Eu tenho sido acusado e me olharam por cima do ombro como um pedaço de pano sujo é, entendeu? Quero que esta sociedade comece a respeitar e reconhecer o que o prefixo Ras significa, independentemente das leis da Babilônia. Eu e Eu não vim me subordinar às leis da Babilônia. Estamos na Babilônia. Mas certifique-se de que você não está fazendo as obras de Babilônia. Como uma ferramenta, como um homem da Babilônia.



Esta música reggae é uma música que na Jamaica não é uma música insignificante. Toda vez que eu ligar o FM, eu tenho que ouvir funky, get down, mexa seu traseiro. E eu não quero nada disso, para a música que eu canto, é um despertar da mentalidade adormecida dos que dormem, entendeu? E a música que eu canto é sempre condenada e proibida de algumas maneiras diplomáticas, que às vezes quando eu toco a minha música e as pessoas ouvem, e a forma como elas a aceitam, eu tenho que perguntar por que - Rastafári. Mas eu quero que os governantes da terra reconheçam os povos da terra, e amem o povo da terra, porque eles são os recursos da terra.


Quando eu falo, não falo como um político, porque o meu pai veio para acordar aqueles que dormem e aproximar as pessoas da luz, porque eles estão em trevas, entendeu? Eu estava na mesma escuridão também, caminhando para a destruição. Perdido em fantasia, em busca de realidade. Mas esta pequena sociedade, e não apenas essa, a sociedade universal do mundo lança um ataque diplomaticamente e psicologicamente para difamar, para incriminar e discriminar o conceito do Rastafári - para torná-lo insignificante dentro de sua sociedade. E quais são as obras de sua sociedade para provar que eu sou insignificante? Eu e Eu lido com a justiça, independentemente do que os homens chamam de justiça. Porque a maioria das pessoas acha que dizer, é quando você vai em uma igreja no domingo, com as suas roupas limpas, seu paletó e gravata, e você está santificado , entendeu? Mas eu não quero levar o negócio de meu Pai por nenhum negócio de brincadeira. E quando eu falo, eu falo daqueles que pretendem parecer comigo e difamar a minha imagem, porque eu vejo as determinações da sociedade, que é de louvar os mortos e incriminar os vivos, entendeu? Desde que eu nasci, eu nunca pensei em discriminar ninguém ou incriminar ninguém. Tudo o que eu penso é vivo, e fazer a música doce e aliviar as mentes deprimidas das pessoas que são tão frustradas por causa da pressão econômica. Eu não quero continuar como se eu não sofresse com a pressão, porque eu sei, entendeu? Eu sei isso. Devido à situação financeira desfavorável, eu sou incapaz de lidar com esta shituation (situação) financeira (de merda). Mas esse negócio é brincadeira. Não querem ouvir você falar sobre isso, bem simplesmente pare de falar e cante. Não há mais isso, porque no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Jah (João 1:1). Mas neste tempo de Jah dizer: "Exorto os cantores e tocadores de instrumentos. Todas as minhas fontes estão em ti" (Salmo 87:7).

Os homens sabem o que é as fontes de Jah, ou são, de acordo com suas besteiras gramaticais do Inglês. Se eu seguir a gramática do Inglês, eu sei que eu estaria falando no tempo presente e no passado e aqueles. Mas eu sei que muitos olham para o Rasta como um idiota... um fumante ganja... um louco. Eu não fumo ganja, e a única coisa que se pode ser discriminado ou incriminado é pela posse de ganja, entendeu? Eles tiram o "g" para não perceberem que é "gang" na ganja. Tudo o que está na escuridão veio à luz, viu? E não culpe o Rastaman por expor a escuridão para a luz, porque através de suas obras, saberemos nós conheceremos você. Então eu não quero falar - muitos falam de negócios e promessas. Tolos dançam com promessas confortáveis. Bem, meu pai diz, sinto que falam tão tão mal, vão mentir e cair na merda, entendeu?


Independentemente de quem você quer ser, ou quem você quer parecer, ou o que sua denominação ou organização, você vê, ou se não respeitar e aceitar Jah Rastafári. Você acha que é um negócio de brincadeira? Eu vejo o mundo inteiro louvando a Deus e Jesus, entendeu? E todos eles estão indo para a destruição - financeiramente, físicamente, espiritualmente e moralmente. É verdade que eu lido com isso. A verdade cria ofensa em um só coração. Os caras falam de todos os tipos de coisas - pensa no que eles querem pensar. Mas quando Jah fala, Ele treme a terra. Portanto, não fiquem admirados e fale que tipo de homem é esse, entendeu? Há muitos que dizem que vêm em nome de Deus para fazer a obra de Deus, mas quando eu vou ver a obra de Deus, ela é destrutiva para Eu e Eu. Todos os dias eu estou na cadeia. Cobrado pelo que? Ganja. Quem fez as leis? Deus. (Risos). Acho que esse negócio é uma piada? É verdade, eles não sabem quem é Deus ou que é Deus. Há tantos deuses que existem. Os 12 deuses da Babilônia - Sagitário, Aquário, Peixes e Leão. Vejam bem, porque todos os boys dizem: Qual você é? Qual signo que você é? Leão? Como você pode ser Leão? Leo (em comparação com Leo em inglês) é um Papa. Rastafári é trovejante. Eu não quero levá-lo para nenhum negócio de brincadeira. Não importa se tentar esconder meu nome. Não da para se esconder. Não importa se tentar fazer o meu nome se tornar insignificante e ilegal na sociedade. As obras do homem existem. Não importa se é para tentar incriminar ou discriminar. Jah vive.


Rasta não tem nada com a sociedade, mas multiplicamos o pequeno nada com um pouco de nada, e temos alguma coisa, entendeu? Homens rancorosos que foram para a escola e tiveram a sua educação, não sabem como multiplicar nada com nada para obter um. O mesmo homem com inspiração divina, sabendo como a criação foi criada a partir dele foi até agora. Ele ainda é incompreensível para os cientistas modernos, ou como eles quiserem se chamar.


Bem, não se importa com o que está acontecendo - o shitstem (sistema de merda). Você quer ir para casa? Vá para casa. O último homem que disse para mim "eu quero ir para casa", eu não o vi ainda. E eu não vou ir em um funeral. O que eu falo é Sabedoria, Conhecimento e Overstanding (acima da compreensão) - não Compreensão, entendeu? E eu canto a mesma coisa. Você tem de sentir e conhecer e ir apenas dizer o bem. Todos no Palácio de Buckingham, dançam com a rainha. Você acha que é um negócio de brincadeira porque você sabe dizer: Deus salve a rainha. A rainha dança a música reggae, porque a música reggae é a única música que tem esse ingrediente espiritual, que pode curar uma nação doente. Entendeu. Confira comigo irmão...

Discurso em 4 de julho de 1980 @ Reggae Sunsplash - Trecho publicado originalmente @ The Beat magazine, 1989


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sábado, 20 de fevereiro de 2016

O KEBRA NAGAST E AS REPRESENTAÇÕES DE SI MESMO AFRICANAS ANTIGAS E AFRO-AMERICANAS CONTEMPORÂNEAS

Jean-Pierre Vernant ensinou que os textos escritos conhecidos por nós genericamente como “mitologia” constituem o fim de um longo percurso que esses relatos perfizeram desde sua constituição ‘no fim dos tempos’, percurso em que se estabeleceram, foram transmitidos e conservados. Desnecessário discorrer acerca do exaustivo estudo a que tem sido submetidos os ciclos mitológicos oriundos da Grécia clássica; nosso propósito aqui é dissertar acerca de um outro ciclo legendário antigo que tem alcance em nossa contemporaneidade da mesma forma que o grego. Com isto queremos dizer que, assim como a mitologia grega, este existe na forma escrita e sobrevive nas práticas culturais de determinados grupos sociais. 

Estamos fazendo referência ao ciclo de lendas que envolve a assim chamada “Rainha de Sabá”, que tem expressões em várias culturas da região do Mediterrâneo oriental antigo, entre judeus, árabes/muçulmanos, cristãos e etíopes, narrativa que possui também versões por escrito em cada uma dessas culturas. No contexto de divulgação do patrimônio cultural e civilizacional africano ensejado pela promulgação da Lei 10.639, temos realizado um trabalho de pesquisa focado especificamente na sociedade africana que agregou à sua herança cultural a lenda da Rainha de Sabá: a sociedade etíope. Nosso estudo é centrado em uma fonte literária etíope chamada Kebra Nagast.

Como resume Mario Curtis Giordani, “a história da Etiópia apresenta algumas características próprias que a diferenciam da história de outros povos africanos: documentação escrita, influência de uma tradição lendária, situação geográfica especial”. Um dos primeiros Estados a adotar o cristianismo como religião oficial na História, dentre os mais longevos que existiram, e única nação africana a não ser colonizada por europeus. A escolha em se trabalhar com a Etiópia não consiste em menosprezar as manifestações religiosas e culturais tradicionais atribuídas à África, mas, ao invés disso, de um esforço em trazer à tona a – para muitos surpreendente – diversidade do continente.

Temos assim o Kebra Nagast, termo que em Geês, idioma litúrgico da Etiópia no qual foi escrito, significa “Glória dos Reis”, obra que faz parte de um imenso corpus literário etíope. A importância do Kebra Nagast, diante da profusão de outras obras, a maioria sequer traduzida para outros idiomas, advém do fato de ele constituir muito mais que um simples texto literário, mas sim – assim como a Torá para os judeus e o Corão para os muçulmanos – aquilo que Edward Ullendorff chama de “repositório dos sentimentos religiosos e nacionais etíopes”. Trata-se de uma crônica pretensamente histórica dos reis etíopes, remontando sua origem à lenda de Sabá. A própria narrativa central, a alma e motivo condutor do Kebra Nagast é o ciclo da rainha de Sabá e sua visita à Salomão, baseado no relato bíblico encontrado em 1 Reis 10, versículos 1 a 13 e 2 Crônicas 9, versículos 1 a 12. De acordo com tais passagens, a rainha de Sabá, cuja aparição no relato bíblico não é precedida de qualquer explicação, tomou conhecimento da impressionante sabedoria do rei Salomão, de Israel, e empreendeu uma longa viagem a fim de conhecê-lo e colocar à prova tal sabedoria, portando uma quantidade enorme de presentes. Uma vez em Israel,

"Salomão a esclareceu sobre todas as suas perguntas e nada houve por demais obscuro para ele, que não pudesse solucionar. Quando a rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão (...), perdeu o fôlego ficou fora de si e disse ao rei: ‘Realmente era verdade tudo quanto ouvi na minha terra a respeito de ti e da tua sabedoria!"

O relato encerra com uma generosa troca de presentes entre os monarcas e a volta da rainha de Sabá para seu reino. Esse é apenas o núcleo da lenda de Sabá que, como dissemos, povoa o imaginário de diversos povos antigos . Entre os próprios judeus, por exemplo, sabemos que circulavam mais informações a seu respeito, uma vez que o historiador judeu-romano Flávio Josefo, no primeiro século de nossa era comum, registrou no Livro Oitavo de suas Antiguidades Judaicas mais detalhes sobre a visita, como o nome atribuído pelos judeus à rainha, não citado na Bíblia, que seria Nicolis, e o fato de seu reino ser a Etiópia e o Egito, não Sabá. 

De que modo a Etiópia incorporou esse mito? O Kebra Nagast retoma a narrativa da Bíblia e a expande, acrescentando informações que aquele relato não faz referência. De fato, muito embora a discussão historiográfica seja grande em torno da localização de Sabá, que poderia se localizar tanto na costa iemenita do Mar Vermelho – sendo a rainha árabe, portanto – quanto na costa africana, isto é na Etiópia, o Kebra Nagast toma como ponto de partida pacífico a rainha de Sabá como etíope. De fato, a proposta do Kebra Nagast é contar a origem da dinastia que governava a Etiópia à época de sua escrita e legitimar o seu poder. Assim, partindo do relato bíblico, podemos dizer que o Kebra Nagast o aprofunda: de acordo com ele, a rainha etíope – chamada Makeda – tomou conhecimento, através de agentes comerciais, da sabedoria de Salomão e empreendeu uma viagem nos mesmos moldes da que a Bíblia relata. A diferença começa quando a rainha se propõe a partir, pois, além de a rainha se converter à fé israelita, o rei Salomão traça um plano para tomá-la como esposa, e de fato, recorrendo a um estratagema, consegue fazer com que a rainha virgem se deite com ele. O Kebra Nagast diz que após isso, o rei tem um sonho profético, em que “apareceu em seu sonho um sol brilhante, e ele desceu dos céus e espalhou grande esplendor sobre Israel. E quando havia terminado, ele voou a Etiópia e brilhou com grande luminosidade para sempre, pois ele desejava morar lá.” A rainha Makeda retorna a seu reino esperando um filho do rei Salomão. Esse filho, chamado Menelik, ao tornar-se adulto, refaz o caminho da mãe, visitando também o pai, que por sua vez insta com ele para que assuma o trono de Israel. Como Menelik recusa, Salomão ordena que ele seja feito rei da Etiópia, quebrando a tradição de governantes mulheres, e para tanto envia primogênitos dos nobres de Israel como corte para o reino gêmeo que Israel passará a ter então. Os jovens enviados, inconformados com a incumbência que é na prática um exílio, arquitetam um plano em que entra em cena o objeto que é o tema central do Kebra Nagast: a Arca da Aliança, chamada no texto de Zion (Sião). O plano é roubar do templo de Jerusalém e levar consigo para a Etiópia o signo-mor do favor e da presença de Deus na terra. De fato, a Arca do Pacto é o objeto-símbolo central do Kebra Nagast, corporificando a transferência do favor de Deus dos judeus aos etíopes (prefigurada no sonho de Salomão), sendo a garantia da legitimidade da dinastia de reis descendentes de Salomão, com uma descrição totalmente baseada no relato da Bíblia. A Etiópia seria governada, portanto, de acordo com o relato do Kebra Nagast, por uma dinastia de reis, iniciada com Menelik, descendentes do rei Salomão, e seria a nação fiel depositária do objeto mais sagrado que já existiu. Ao mesmo tempo, Israel perdera o favor de Deus, como é relatado no próprio Kebra Nagast:

"Portanto, quando os judeus O virem, eles serão envergonhados, e serão condenados ao fogo duradouro. Mas nós que acreditamos, seremos colocados no trono e regozijaremos (...). Depois que os judeus crucificaram o Salvador do mundo, eles foram espalhados, e seu reino foi destruído e foram subjugados para sempre.

Qualquer estranhamento em relação aos possíveis anacronismos (como a referência à crucificação de Cristo enquanto motivo para a transferência da Arca do Pacto de Jerusalém para Aksum, a capital religiosa etíope) do Kebra Nagast é dissipado quando se leva em conta que, conforme Ullendorff ressalta, “os componentes principais da sua história tiveram um período muito longo de gestação na Etiópia e em outros lugares, e possuem todos os elementos de uma confluência gigantesca de ciclos legendários”. Ou seja, o Kebra Nagast constitui um exemplo de fonte literária resultante do assentamento por escrito de uma tradição repassada oralmente por um longo tempo, no qual sofreu as mais diversas influências, mas fruto principalmente da ação de três elementos: memória, oralidade e tradição, estando constantemente aberto, portanto, à renovação e inovação. Por isso, Jean-Pierre Vernant afirma que “quando o mitólogo especialista em Antiguidade encontra uma lenda já fossilizada em textos literários ou eruditos (...), se quiser decifrá-la corretamente terá que alargar sua pesquisa, passo a passo”, uma vez que “o que interessa ao historiador (...) é o pano de fundo intelectual evidenciado pelo fio da narração, o quadro em que está tecido.” Assim, para compreender a representação que fazem os etíopes de si mesmos no Kebra Nagast, de povo escolhido em substituição aos rejeitados israelitas, é imprescindível a ampliação do campo de pesquisa; é necessário buscar o que diz a historiografia sobre a Etiópia antiga e que impressões registraram outros povos sobre os etíopes. 

Ao afirmarem no Kebra Nagast que “Deus amou o povo da Etiópia, pois sem conhecerem Suas leis eles destruíram seus ídolos; mas aqueles para quem a lei foi dada (os judeus) fizeram ídolos e veneraram os falsos deuses que Deus odeia” , os etíopes estão construindo a sua identidade a partir do outro, do diferente. Estão marcando uma clara fronteira cultural que os torna intrinsecamente diferentes dos judeus. Como afirma François Hartog em seu Espelho de Heródoto,

"dizer o outro é enunciá-lo como diferente – é enunciar que há dois termos, a e b, e que a não é b. Por exemplo: existem gregos e não-gregos. Mas a diferença não se torna interessante senão a partir do momento em que a e b entram num mesmo sistema. Não se tinha antes senão uma pura e simples não-coincidência.

A partir do momento em que é definida a diferença fundamental entre dois grupos e a relação que a subjaz, “pode-se desenvolver uma retórica da alteridade própria das narrativas que falem sobretudo do outro”, que tem na figura da inversão – “em que a alteridade se transcreve como um antipróprio” – o meio mais usual para traduzir essa diferença. Assim, os etíopes – constantes em sua fé a Deus – são representados como o contrário dos judeus, que rejeitaram a condição de povo escolhido e se tornaram, portanto, infiéis. 

Ora, “um texto não é uma coisa inerte, mas inscreve-se entre um narrador e um destinatário. Entre o narrador e o destinatário existe, como condição para tornar possível a comunicação, um conjunto de saberes semântico, enciclopédico e simbólico que lhes é comum.” Levando que, obviamente, tal afirmação se aplica a toda narrativa, vejamos que imagem outros povos deixaram registradas dos etíopes em suas narrativas, exemplificando o conjunto de saberes evidentes que sobre eles compartilhavam os povos antigos.

Homero e Heródoto são alguns dos autores clássicos gregos que fazem diversas referências à Etiópia, evidenciando a relevância desse povo no contexto internacional antigo. A análise da Bíblia – fonte primária principal de nossa pesquisa, ao lado do Kebra Nagast – usada enquanto documento histórico, focando na temática de nossa pesquisa, traz à tona o relevante papel desempenhado pela Etiópia no espaço geográfico que envolve o eixo “Mediterrâneo Oriental/Mar Vermelho/Oceano Índico”, na Antigüidade. Essa importância é, primariamente, inferida a partir das numerosas citações do povo etíope que encontramos na Bíblia, que é o objeto de nossa análise comparada à da fonte propriamente etíope, o Kebra Nagast. Antes de passarmos às referências, vale lembrar a ressalva feita por Ullendorff : um termo recorrentemente usado na Bíblia para referir-se à Etiópia é “Cush”, que muitas vezes refere-se não somente a esse país propriamente, mas de um modo geral à fronteira da região ao Sul do Egito, incluindo a Núbia; o contexto pode fornecer a chave para saber qual é o caso. Em suma, é um termo hebraico equivalente ao conhecido termo grego Aethiopía. Aqui, portanto, tomaremos Cush e Etiópia como expressões sinônimas usadas na Bíblia para referir-se ao mesmo lugar.

A primeira referência bíblica à Etiópia encontra-se já no relato da criação do mundo, em que Deus cria o Jardim do Éden, de onde nascem quatro grandes rios, um dos quais é o “Geom: rodeia toda a terra de Cuch”. Segundo Josefo, em sua História dos Judeus, trata-se do rio Nilo , versão corroborada por Cheesman, citado por Ullendorff, que fala da importância do Nilo Azul para a vida e História etíope e segundo quem ‘até hoje as fontes do Nilo são chamadas de Giyon’ . Analisando-se a tabela genealógica de Gênesis 10: 6-8, em que vemos Cush ser listado como filho de Cam, a Bíblia fala que todos os seus descendentes se estabeleceram na Ásia, muito embora a única área não-africana citada seja Canaã, correspondente à Palestina. Assim, a Bíblia sugere que os povos proto-árabes seriam descendentes de povos africanos anteriores. Há diversas passagens no Velho Testamento em que a Etiópia, ou Cush, é citada como fronteira da região ao sul do Egito, como em Ezequiel 29: 10 (“...desde Magdol até Siene, e até as fronteiras de Cuch”), Naum 3: 9 (“Cuch era a sua força, e o Egito também sem limite...“), e Eze. 30: 9, onde percebemos que a referência aos “mensageiros enviados por mim, em navios, para assustarem Cuch em sua tranquilidade”, é uma clara referência à navegação subindo o rio Nilo. Os rios da Etiópia também são referidos na Bíblia em Isaías 18: 1, 2: “Ai da terra dos grilos alados, situada além dos rios de Cuch!”. Os “barcos de papiro” citados no versículo 2 podem ser vistos até a atualidade no lago Tana, no Norte da Etiópia.

O profeta Isaías se refere à Etiópia em diversas ocasiões: em Isa. 11: 11, sobre a diáspora: “para resgatar o resto do seu povo, a saber, aquilo que restar na Assíria (...) e em Cuch”; em Isa. 43: 3, citando a Etiópia como resgate pelo povo de Israel: “Por teu resgate dei o Egito, Cuch e Sebá, dei-os em teu lugar”; em Isa. 45: 14, aludindo a seu comércio intenso: “e os mercadores de Cuch, e os sabeus, homens altos, virão a ti e se tornarão teus”; em Isa. 20: 3-5, em uma profecia de libertação: “da mesma maneira que o meu servo Isaías andou nu e descalço durante três anos – sinal e presságio que diz respeito ao Egito e a Cuch –, dessa mesma maneira o rei da Assíria levará os cativos do Egito e os exilados de Cuch (...) Eles ficarão apavorados e envergonhados por causa de Cuch, a sua esperança”. 

Uma passagem de especial interesse historiográfico é a de Isaías 37: 9, repetida praticamente nos mesmos termos em 2 Reis 19: 9, em que é encontrada uma alusão à 25ª Dinastia Egípcia, a chamada Dinastia Etíope, em que foi efetivada a união entre o Egito e o “Cush”, citando inclusive nominalmente um de seus faraós (reconhecido pela historiografia): “Por ter recebido um recado a respeito de Taraca, rei de Cuch, dizendo: “ele partiu para a guerra contra ti”.” Além de confirmar o relato de outras fontes e da historiografia sobre o enfrentamento entre o Egito sob dominação “etíope” e o Império Assírio, o versículo deixa subentendido a importância que tinham e o temor que causavam os guerreiros negros do reino cushita nos impérios da Antigüidade . 

Em Ester 1:1 são descritos os “limites do mundo”, sendo que estes correspondiam, no momento da escrita do texto, aos limites do domínio persa (que segundo Heródoto não conseguiram submeter os etíopes): “Eis o que aconteceu no tempo de Assuero, este Assuero que reinou desde a Índia até a Etiópia...”. Assim, a Etiópia delimita no texto bíblico uma das fronteiras do mundo conhecido e civilizado.

O livro de Jeremias traz também importantes alusões à Etiópia e aos etíopes, como em Jer. 46: 9, que corrobora a fama de elevada estatura física de que gozam os etíopes, e Jer. 13: 23, onde faz referência à cor negra desse povo: “Pode o etíope mudar a sua pele? O leopardo mudar suas pintas?”. Nos versículos 7 a 12 do capítulo 38, e 16 a 18 do capítulo 39, Jeremias faz um relato a partir do qual podem ser extraídas valiosas informações sobre as relações entre judeus e etíopes, ajudando a quebrar a imagem de povos estanques vivendo isolados na antigüidade, ao mesmo tempo que mostra a ancestralidade da penetração da cultura judaica entre os etíopes, que “desembocará” mais tarde no Kebra Nagast. Trata-se da ocasião em que o rei Ezequias, de Israel, foi convencido a permitir o lançamento do profeta Jeremias em uma cisterna onde morreria de fome, apuro do qual foi salvo graças à intervenção de Ebede-Meleque, um etíope eunuco que vivia na corte de Ezequias. Percebe-se não só a interação entre estes povos, mas também que Ebede-Meleque gozava de alta estima na corte real de Israel, uma vez que o rei atende aos seus apelos e manda que Jeremias seja resgatado da cisterna. Segundo Josefo, tratava-se de um criado do rei, obviamente prosélito judeu, mas com uma posição privilegiada, tendo acesso direto à pessoa do rei, que por sua vez estava disposto a ouvir suas admoestações.

Para mostrar que não se tratava de um fato isolado, um etíope vivendo entre os judeus em Canaã, o texto de 2 Samuel 18: 21 afirma que foi um etíope a serviço do rei Davi que levou a este a notícia da morte de Absalão, filho do rei Saul. Muito diferente da imagem atual, estereotipada, de uma África em geral, e Etiópia em particular, dependente de outras nações e irrelevante no cenário internacional, a Bíblia contém e transmite uma visão em que a Etiópia e os etíopes figuram no primeiro escalão das potências e grandes homens da época, como em Ezequiel 30: 4, 5, 9, onde a Etiópia é retratada como uma poderosa nação aliada do Egito, confiante em si e temida, mas que seria humilhada pelo poder de Deus.

Nos Salmos são também numerosas as referências à Etiópia, como no capítulo 87, versículo 4, que reza: “eu recordo Raab e Babilônia entre os que me conhecem, eis a Filistéia, Tiro e a Etiópia, onde tal homem nasceu”, passagem usualmente interpretada como alusão a grandes centros que possuíam colônias judaicas, o que confirmaria a penetração da cultura judaica na Etiópia desde muito cedo. É também nos Salmos que encontramos a citação preferida da Etiópia na Bíblia (Sal. 68: 32): “Do Egito virão os grandes, a Etiópia estenderá as mãos para Deus”. Essa passagem, que profetizaria a conversão da Etiópia, é citada duas vezes no Kebra Nagast e usada até hoje como lema ou em emblemas heráldicos na Etiópia, como um símbolo da ardente aderência daquele povo à fé cristã.

A Etiópia, relacionada ou não ao Sul do Egito, é mencionada em Daniel 11: 43, em 2 Crônicas 12: 13 e 16: 8, assim como nos capítulos 21, verso 16, e 14, versos 8 a 12, em que é descrito um improvável – sob os pontos de vista histórico e geográfico – ataque dos etíopes ao reino de Judá governado pelo rei Asa: “Zara, o cuchita, marchou contra eles com um exército de um milhão de homens e trezentos carros (...) os cuchitas fugiram e Asa os perseguiu com seu exército”. Mais uma vez é demonstrada, mesmo que soe inverossímil o relato, não é essa a questão, a “fama” e o respeito de que gozavam os etíopes nas relações internacionais do mundo antigo. Ainda no livro de 2 Crônicas, cap. 12 ver. 2, 3, os etíopes são citados como integrantes da força militar com a qual o faraó Sesac capturou cidades de Judá e atacou Jerusalém.

De acordo com Ullendorff, vestígios das relações comerciais de larga escala mantidas entre as nações do universo pan-mediterrânico antigo podem ser encontrados na linguagem usada na escrita dos livros bíblicos de Jó e Provérbios, que são marcados pela presença de palavras do sul da Arábia, demonstrando a longa estabilidade desse processo. Em Jó 28: 19, por exemplo, há referência ao valioso “topázio de Cuch”.

Uma das mais famosas passagens do Velho Testamento referentes à Etiópia é, sem dúvida, Números 12: 1, em que Miriã e Arão se queixam por Moisés ter casado com uma mulher etíope. Embora muitas haja muitas explicações desse relato que dizem que “Cuchita” pode ser aplicado à Zípora, esposa midianita (árabe) de Moisés, isso não explica a indignação dos seus irmãos. Vale ressaltar que na maioria das citações bíblicas usadas nesse texto em que é usado o termo “Cuch”, por exemplo, a Bíblia de Jerusalém tem notas de rodapé explicando que tal termo significa Etiópia. Josefo nos diz que Moisés de fato casou-se com uma princesa etíope de nome Tarlis, encerrando com este matrimônio sua campanha de contra-ofensiva vitoriosa no comando do exército egípcio contra os etíopes. O profeta Amós dá a entender, numa passagem do seu livro (versículo 7 do capítulo 9), que a migração de Israel fora do Egito não seria a única em que Deus tomou parte, o que inclui de algum modo os etíopes: “não sois para mim como os cuchitas, ó israelitas? Não fiz Israel subir da terra do Egito, e os filisteus de Cáftor e os arameus de Quir?” A principal referência à Etiópia no Novo Testamento ocorre em Atos dos Apóstolos 8: 27, onde lemos sobre “um etíope, eunuco e alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia”. Este homem etíope era um prosélito judeu que foi batizado na fé cristã por São Felipe, mostrando mais uma vez a inter-relação que havia entre esses povos. Vale destacar que essa passagem também consta no Kebra Nagast, associando esta Candace – provavelmente trata-se de um título das rainhas meroíticas – à rainha de Sabá, como se fossem uma só pessoa, fazendo alusão às passagens de Lucas 11: 31 e Mateus 12: 42, em que Jesus fala da “Rainha do Sul” que veio conhecer a sabedoria de Salomão.

Pela quantidade de citações que ele contém, percebe-se que a fonte primária do Kebra Nagast é o Velho Testamento, principalmente pelo lugar central que seus relatos ocupam na sua estrutura, ela própria retirada de um relato da Bíblia. Trata-se, porém, de uma obra muito mais extensa, em que é percebido um trabalho de ‘colagem’, paráfrase, reescrita de muitos trechos da Bíblia, do Antigo e Novo Testamentos, bem como de escritos rabínicos e apócrifos. Nele há um grande número de citações bíblicas, especialmente Salmos, mas as mudanças na fraseologia, no vocabulário e no contexto tornam difícil definir exatamente o que é texto extraído da Bíblia dentro do Kebra Nagast. 

Esta longa série de citações à Etiópia e aos etíopes na Bíblia, assim como as raízes do Kebra Nagast, bíblicas em sua maioria, é evidência suficiente para demonstrar a importância desse povo no recorte temporal estudado, a Antigüidade. Quando aliado às evidências apontadas pela historiografia e pela arqueologia, assim como por diversas outras fontes da época, não bíblicas, como as fontes gregas já citadas, começa-se a perceber que é plenamente factível a elaboração de uma História da África em que esta é ‘tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações’, baseada na mesma ‘história da ancestralidade e religiosidade africana’. Uma África com História, e uma História muito diferente da imagem negativa e estereotipada e preconceituosa repassada ao longo do tempo.

Tais evidências em artefatos culturais apenas corroboram o que os artefatos arqueológicos não dão margem à dúvida: o fato de que a Etiópia, no início da era cristã, “era uma potência mercantil de primeiro plano, o que se evidencia pela cunhagem de moeda própria em ouro, prata ou cobre.” A cunhagem de moedas, especialmente de ouro, no mundo antigo, era um ato não só econômico, mas essencialmente político: “Através dela o Estado de Axum [outra denominação para o antigo Estado etíope] proclamava ao mundo sua independência e prosperidade, o nome de seus monarcas e as divisas do reino.” Tanto que por volta do ano 270, na Pérsia, o profeta Mani descreveu Axum em seu Kephalaia como “um dos quatro maiores impérios do mundo.” De fato, as evidências mostram que a Etiópia ocupou a hegemonia mundial das grandes rotas de comércio que tinham como centro a região do corno da África e ligavam desde Bizâncio à Índia. Escavações arqueológicas em vários sítios etíopes “revelaram numerosos objetos de origem não-etíope” , que vão desde estatuetas de Buda à moedas de prata romanas. As influências culturais de egípcios, árabes, judeus, sírios, budistas, armênios, gregos, cristãos bizantinos e outros foram assimilados pela cultura etíope e transformados em algo próprio. Como ressalta Kobishanov,

"o reino axumita foi muito mais do que uma grande potência comercial nas rotas que uniam o mundo romano à Índia e a Arábia ao nordeste da África; foi também um importante centro de difusão cultural, exercendo sua influência ao longo dessas rotas e tendo, ao mesmo tempo, numerosos traços de sua cultura determinados pela influência de muitos países de antiga civilização do nordeste da África e do sul da Arábia, sob seu domínio."

Compreende-se melhor a partir de tais informações a visão que tinham outros povos dos etíopes, assim como o quadro que eles pintaram de si mesmo no século XIII, quando colocaram por escrito o ciclo de lendas sobre a origem de seu Estado de base teocrática no Kebra Nagast. Nossa pesquisa com essa fonte primária africana, atrelada ao Ensino de História da África e de História Antiga africana e às reflexões que as determinações da Lei 10.639 enseja, nos leva à consideração de novas possibilidades analíticas dessa História. O ensino de História Antiga, historicamente, se constitui numa preocupação para os docentes brasileiros, levando em conta a escassez de pesquisas nacionais sobre temas relacionados e à própria falta de interesse pelo tema. Pedro Paulo Funari afirma que tal quadro sofreu nítida e significativa mudança na última década, com a formação de professores para o ensino superior capacitados nesta área, a expansão das pesquisas acadêmicas (nacionais) sobre o mundo antigo, com muitas Universidades tendo em seus quadros professores mestres e doutores com pesquisa própria sobre a Antigüidade, e uma busca de renovação de sua inserção na sala de aula. É exatamente nesse quadro atual de renovação da História antiga que nossa pesquisa se enquadra, potencializada pelo respaldo da referida Lei.

Essa tendência de renovação da História Antiga pode ser sintetizada na seguinte fórmula: continuam-se valorizando os temas tradicionais da História Antiga, que são a base para se estabelecer relações entre a sociedade contemporânea e as antigas; no entanto novos temas começam a ser incluídos, a partir das necessidades contemporâneas, fazendo ligação entre narrativas historiográficas do passado e temas relevantes da atualidade que merecem reflexão pelos alunos. Ou seja, está ocorrendo a diversificação dos objetos e das abordagens, ao lado da integração entre o estudo da Antigüidade e da realidade brasileira contemporânea. Nesse contexto, Funari destaca duas principais inovações interpretativas que vem influenciando positivamente o ensino de História Antiga no Brasil: “a apresentação de uma Antigüidade construída pela historiografia, antes que uma História dada, acabada”, e “o relacionamento entre a Antigüidade e o mundo contemporâneo em que vivemos”.

A nossa pesquisa, focada a princípio na Antigüidade etíope (e norte-africana de um modo geral) e em suas trocas culturais especialmente com o povo judeu, que geraram a saga nacional etíope – nossa fonte, o Kebra Nagast –, possui naturalmente um forte vínculo com a contemporaneidade, que pode ser explorado tendo em vista a Lei 10.639: o Kebra Nagast, além de ser um livro sagrado ancestral para o povo etíope, goza do mesmo status atualmente pelos adeptos da Doutrina Rastafári, amplamente difundida – e paradoxalmente pouco conhecida – no Nordeste do Brasil. Desse modo, a nossa pesquisa possui um alcance duplo: além de trabalhar no resgate da História de uma civilização africana que exerceu importância vital na Antigüidade, trazendo à tona uma imagem desconhecida da África para o ensino de História no Brasil, não estando a Europa permanentemente no centro de tudo, tem a oportunidade de estudar e divulgar de maneira aprofundada as origens africanas ancestrais de uma manifestação afro-americana atual – o Rastafarismo, que possui raízes em organizações políticas e religiosas da África pré-colonial. O Rastafarismo surgiu na Jamaica na década de 1930, a partir das pregações do líder Marcus Garvey. Trata-se de um movimento religioso e sócio-cultural pan-africanista, uma espécie de “sionismo negro”, que considera o último Imperador da Etiópia, Haile Salassie, encarnação de Deus, e prega o retorno de todos os povos negros, trazidos à América como escravos, para a África, a sua terra prometida (Sião). É uma religião abraâmica altamente sincrética, que possui raízes firmemente plantadas na tradição bíblica e no Kebra Nagast. Os rastas usam o passado bíblico da teocracia judaica para formar sua etnia como uma família, uma nação.

As práticas religiosas, o comportamento e a própria aparência dos adeptos do Rastafarismo tem ligações íntimas com o texto bíblico e com o Kebra Nagast, ligações estas praticamente desconhecidas pelo público em geral, especialmente o escolar, o que gera uma visão negativa e preconceituosa dessa manifestação religiosa. Por exemplo, poucos sabem que o uso de dreadlocks, o penteado característico rasta, com longas tranças (embora não universal entre seus adeptos nem exclusivo deles), está relacionado ao voto do nazireado ordenado por Jeová – Jah, na abreviação comumente usada entre os rastas – em determinadas circunstâncias ao seu povo escolhido, conforme o capítulo 6 do livro de Números. Trata-se, assim, de um voto religioso que expressa profunda devoção a Deus, simbolizando ao mesmo tempo a juba do “Leão de Judá” e a rebelião contra os modelos estabelecidos por “Babilônia”, o domínio branco capitalista que vem há séculos explorando a raça negra. Mesmo na linguagem usada pelo Rastafarismo percebe-se a onipresença de termos bíblicos e oriundos do Kebra Nagast, o que denota a ligação e a influência exercida por esses escritos na vida de seus adeptos.

Vale destacar também que a exposição, pelos professores, dos resultados dessa pesquisa para o corpo discente contará com a ajuda de uma das principais manifestações e forma de expressão da cultura rasta: a sua musicalidade, sendo a música Reggae muito popular em nossa região, o que facilitará sua inserção em sala de aula. O Reggae, mais do que simples música para entretenimento, trata-se de expressão da religiosidade Rastafári, contendo suas letras inúmeras referências à Bíblia e ao “Livro”, o Kebra Nagast. Muitas letras também são expressões de protesto racial e político.


Marcos José de Melo
Graduando em História pela Universidade de Pernambuco; membro do Leitorado Antiguo – Grupo de Ensino e Extensão em História Antiga; Bolsista em Iniciação Científica FACEPE/CNPq; email: marcos_melo83@hotmail.com

Prof. Dr. José Maria Gomes de Souza Neto
Professor Adjunto da Universidade de Pernambuco/Faculdade de Formação de Professores de Narazé da Mata; coordenador do Leitorado Antiguo – Grupo de Ensino e Extensão em História Antiga; email:
zemariat@uol.com.br



Se você tiver interesse em receber uma cópia do livro Kebra Nagast, com a tradução em inglês de Sir. E. A. Wallis Budge (publicado em 2000 e revisado em 2008), no qual esse artigo foi baseado, envie um e mail contato@fyadub.org solicitando. Teremos o maior prazer em encaminhar o livro gratuitamente. Ou se preferir, pode adquirir uma das diversas versões nos links abaixo;


     
     

sábado, 5 de setembro de 2015

INTERVIEW WITH RAS ZAHIR :: BLACKHEART WARRIORS SOUND SYSTEM




Ras Zahir - Blackheart Warriors Sound System

We send some questions to Ras Zahir, part and producer of the sound system and label Blackheart Warrios from San Diego/USA. We follow the label since the first release and we keep contact with Zahir. Since of that, we follow the consolidation of the work, and the label became one of the most likely for us. We are proud in develop the label here in Brasil and all South America. We give thanx to Zahir to answer us, and eventually distant he became a bredren of fyadub. We hope you like and share the interview and give your feedback if you like it. Blessed Love.

When BHW started and who are the brothers with you doing the works?
Ras Zahir: Blessed love Fyadub and give thanks for this opportunity to share ourstory. Blackheart Warriors Soundsystem started in 2004 in the Southeast area of San Diego. Originally it consisted of myself Ras Zahir, Orthodox Reuben, Brizion and Asher Greyfoot. Asher was our helper but has since moved on to do different works. My role in the group is box builder, selector, operator and executive producer for the record label. Reuben is our other operator and selector. Brizion is our dub producer. The record label was established in 2012 and we currently have 7 releases.

Who you describe important on the sound system in the USA?
Ras Zahir: The Soundsystem scene is fairly new in USA as compared to England or Europe, but it is starting to build momentum and we are seeing various new sounds building up their set to playing out all over the country. Notable sounds are Aba Shaka, Black Redemption, Wildfiyah Rootikal, Fasimbas Afrikan Vanguard, Inner Standing Sound, Zion Love, Roots I-Mention, Dub Siren, and Dub Stuy plus more.

When we think about reggae in USA we think in jamaicans mixing with hip hop. How this change?
Ras Zahir: Well I can only speak from the perspective of where I live (San Diego). In San Diego we are conessiours of older Roots, dub, and Rub a Dub style of reggae. We don't really vibe with this newer hip hop & reggae fusion. We love older reggae and dub. We also vibe to the newer roots but to be honest it took a while to get people use to the newer digital Roots and dub we currently see coming from UK and Europe. In recent times though a lot of people are catching on to it. Overall most people here love the older sound of Reggae (70s and 80s) and don't like that type of "reggae" with hip hop influences.

Blackheart Warriors Sound System
The BHW play other styles of music?
Ras Zahir: No. We focus strictly on old and new Roots, Dub, Steppas and Nyahbinghi. We don't have any interest in playing anything else on our sound system beside that. This is the formula we have stuck with since the Sound was created.

The BHW stablish a great label, dealing with great producers and musicians, what do you expect for the future?
Ras Zahir: Give thanks. We expect more releases and works in the future. We just released a new 10" record with Fikir Amlak, Rob Symeonn and King Alpha which we are really excited about. It has been received very well. We also have another release coming with Fikir Amlak and Brizion, which is due to be released by the end of this year. In the vaults we have some other projects we hope to release with Russ Disciple, King Alpha, Vivian Jones, Wellette Seyon, Luv Fyah, Ark Aingelle, I-David, Judah Eskender and a few more. As long as the people show support, we will continue to release music.

What do you think about the future of reggae and the sound systems around the world?
Ras Zahir: I think it will continue to grow and spread to the four corners of the earth. Reggae Music is a powerful vehicle for our expression and people will always need music in their lives so its only natural for it to grow and carry on through the generations. What i would like to see is more younger ones getting involved with sound system to solidify its future. Reggae Sound systems bring the music to another level and dances bring people together. This is why we do it.....To deliver the message of Qedamawi Haile Selassie and African Redemption to the masses. Our dances give people a safe and positive place to have a good time while being edified.

Do you like the sound clashs, what do you think about it?
Ras Zahir: I personally don't endorse sound clashes and Blackheart Warriors is not a clashing type of sound system. To me clashes are very ego driven and divides the people instead of uniting them. We would rather play in unity to keep the vibes more positive. I do understand the history of sound clashes in sound system yet We choose not to be involved in it. We will defend ourselves if we are attacked musically though.

What the Rastafari means in the sound of BHW?
Ras Zahir: Rastafari livity and His Majesty means everything to I and I (us). His Majesty is the driving and guiding power that makes all this possible. Without HIM we would be like a rudderless ship drifting aimlessly in the ocean. He gives I and I direction and purpose, and because of this, we hold on to the Rastafari livity and uphold the order to the best of our ability. The sole purpose of our sound system is to spread the gospel of Rastafari worldwide.

Orthodox Reuben e Ras Zahir
You are a Bobo Shanti, part of EABIC... work with (EABIC) is a influence to BHW?
Ras Zahir: I can only speak for myself since I'm the only Bobo Shanti/EABIC member of the sound. Yes it influences everything I do in life. It is my culture.

Do you think is possible apart the Rastafari out of the Sound System?
Ras Zahir: Yes. We have witnessed many sounds from the past and present who are not of the Rastafari faith partake in sound system. To each their own.

Spirituality is important to BHW?
Ras Zahir: Yes, as I mentioned before, this livity of Rastafari is the wind beneath our wings that keeps us moving in the Right direction. We are very spiritual and this dedication is reflected in all aspects of our lives including sound system.

What BHW like to play in the sessions, (like labels, producers, vocalists)?
Ras Zahir: That's a good question. We play a wide variety of Roots and dub. Jah Shaka, Young Warrior, Black Redemption, Roots Injection, Kibir La Amlak, King Earthquake, Conscious Sounds, King Alpha, Inner Sanctuary, Niney Observer, Yabby You, Twinkle Brothers, Black Legacy and Blakamix to name a few. There are too many to name but overall we like the militant Rastafari Sound over heavyweight dubs.

Leave the message you want to all massive!
Ras Zahir: I just want to give thanks to all our supporters who purchased our records and to those who support our Temple of Roots Dances. We could not do this without you so please continue to support us anyway you can. You are greatly appreciated. All praises and honor be unto JAH our King, Qedamawi Haile Selassie. Much love and respect!

Ras Zahir


BLACKHEART WARRIORS @ FYASHOP

Fred Locks / Wellette Seyon / I-Jah Solomon* / Kibir La Amlak - His Eyes / Selassie In Control / Jahovia / Crown Him The King (10")
Label:Blackheart Warriors
Cat#: BWR-1001
Media Condition: Mint (M)

R$175.00
+ shipping


Fikir Amlak, King Alpha, Rob Symeonn - Ethiopian Sunrize / Destroy Everything (10")
Label:Blackheart Warriors
Cat#: BWR-1007
Media Condition: Mint (M)

R$70.00
+ shipping


Fred Locks - Not Only The Black Star Liner (7")
Label:Blackheart Warriors
Cat#: BWR-006
Media Condition: Mint (M)

R$50.00
+ shipping


Tena Stelin*, Roots Hitek - Afrikan Exile / Return To Glory (10")
Label:Blackheart Warriors
Cat#: BWR-1004
Media Condition: Mint (M)

R$70.00
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Sista Miko / Brizion - Fire And Brimstone (10")
Label:Blackheart Warriors
Cat#: BWR-1003
Media Condition: Mint (M)

R$70.00
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Fred Locks / Sista Beloved - He Lives / Be Still (10")
Label:Blackheart Warriors
Cat#: BWR-1005
Media Condition: Mint (M)

R$70.00
+ shipping


Judah Eskender Tafari / Wellette Seyon / I-David - Fret Not (10")
Label:Blackheart Warriors
Cat#: BWR-002
Media Condition: Mint (M)

R$70.00
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