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segunda-feira, 12 de abril de 2021

O PODER ESPIRITUAL DE PHAROAH SANDERS


Enquanto o lendário saxofonista Pharoah Sanders celebra seu 80º aniversário, Shabaka Hutchings explora como o músico transcendente influenciou sua vida, através das lentes da obra Black Unity de 1971 de Sanders.

Escrever sobre o álbum seminal de Pharoah Sanders, Black Unity, começou inocentemente - um desejo de expressar como este álbum me moldou, um reconhecimento neste 80º aniversário do próprio maestro do que ele fez para moldar meu senso de musicalidade e forma. No entanto, conforme coloco as palavras no papel, parece que estou regurgitando ideias que soam poéticas, que cumprem um mito que superei.

Esse é o paradoxo das questões relativas à espiritualidade, eu acho, entender algo sobre sua devoção à luz é derivar inadvertidamente em direção a uma noção de infinito, em que a pessoa fica em um estado constante de admiração a respeito de quão longe as profundezas podem alcançar e quanto há para aprender. Então, decidi começar do zero e descobrir ao ouvir um dos meus álbuns favoritos nesta fase da minha vida - espiritual e profissionalmente, embora na verdade os dois mundos se cruzem continuamente - o que ele me fala.

Acho difícil considerar Pharoah Sanders como um indivíduo. Eu o considero intuitivamente como uma representação de um princípio criativo que centra o comunalismo como a força motriz da qual o espírito se manifesta por meio do som. O espírito pode ser visto como a força vital que anima a matéria, que fornece a energia que ativa nossa vontade de agir. Conceitos lineares da formação desta música nos forçam a imaginar uma base hierárquica, em que um elemento ou músico está à frente de outro em termos de importância de contribuição - esta forma de ver deve ser rejeitada pela visão cíclica que vê a proeminência de músicos individuais como transitória, mas a contribuição do grupo em como alcançar a eternidade.

A centralização do espírito, e a negação do foco individualista geram uma construção cíclica em que metafisicamente não há começo ou fim para a música, isso é aprofundado nas exclamações dos membros da audiência ao soar a nota final. Um reconhecimento aparentemente benigno / ou um gesto participativo para mim, que significa uma promoção da energia do grupo. O bastão é passado de intérprete para público e dentro do espírito de reciprocidade da nossa casa - separados por tempo e espaço - somos convidados a nos juntarmos no louvor, para interpretar a mensagem como nosso conhecimento intuitivo nos guia e retribuir à fonte de a energia que alimentou os músicos.

Minha compreensão da música do Pharoah se desenvolveu em conjunto com uma crescente consciência de mim mesmo, como objeto de investigação em relação a ela (consciência). Antes dessa mudança paradigmática, eu me considerava o sujeito, capaz de analisar e "saber" o que estava acontecendo em qualquer estágio do fluxo sônico. Esta forma de ouvir é adequada para uma apreciação da música ao nível da superfície, mas o Pharoah Sanders é profundo!

Portanto, é preciso mais para romper a camada superficial, revelando os níveis de significado que constituem todo o espectro de sua visão musical. O 'sujeito' é frequentemente definido como a entidade que pensa / faz, em oposição ao 'objeto' que é a coisa sobre a qual age. Portanto, objetivar algo ou alguém é negar (ou ignorar) a existência de uma consciência fora do conhecimento ou compreensão do sujeito, e assumir um grau de controle em relação a como o objeto pode agir sobre esse mesmo sujeito.

Se ver como o objeto em relação a uma peça musical é prostrar-se diante dela, assumir a humildade em assumir níveis de profundidade que vão além do que potencialmente, até mesmo o intérprete individual imaginou. Isso requer um silenciamento da mente, permitindo que visões e ideias se manifestem fora do escopo do que se pensa ser "conhecido" sobre a música. Esta é cada vez mais a única maneira que vejo adequada para me envolver com a música de Pharoah Sanders. Nesse estado, o conceito de tempo se revela uma construção fortemente engendrada socialmente. Depois de ouvir este álbum, lembro-me de tentar combinar todas as músicas em meus próprios sets, para que minha música pudesse ser considerada como uma apresentação singular de uma ideia. O efeito inadvertido disso em minha percepção do tempo, enquanto no palco, foi que os momentos se tornaram significativos em termos de drama geral e poder poético. Eu interpreto essa mudança, como foco como significado que o próprio tempo foi sacralizado e permitindo o potencial de transcendência. Este espaço foi desbloqueado pelo Black Unity.


A primeira vez que vi Pharoah tocar ao vivo fiquei impressionado com sua postura, parecia que ele estava enraizado no chão e era capaz de extrair energia de todo o seu corpo para ser canalizado através do saxofone. Eu ouço isso na música do Black Unity. Há uma sensação de que a música é tanto do céu quanto da terra, tanto em cima como em baixo. Não há como quantificar essa afirmação, ela não deve ser racionalizada em termos de lógica. É um raciocínio intuitivo, poderoso pelo que simboliza para o ouvinte: que está aberto a conceitos antigos que remontam à época da civilização kemética.

Minha reflexão final sobre o álbum seminal Black Unity é que o título é a resposta à questão que pairava sobre o movimento pelos direitos civis na América, que se escondia na barriga de todos os movimentos anticoloniais que varreram a África durante os anos 70, e ainda é relevante hoje. Como nós, pretos, triunfamos sobre um sistema de supremacia branca que afetou até mesmo nosso escopo para definir os parâmetros do "real"? Pharoah diz isso de forma simples e melhor ... Unidade Preta!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O DIA DOS SALVADORES

Master Wallace Fard Muhammad
26 de fevereiro de 1877 é a data de nascimento do Grande Mahdi, Mestre Wallace Fard Muhammad. A celebração de seu aniversário de nascimento a cada ano é conhecida como Dia do Salvador. Ele é o fundador da Nação do Islã na América. Ele é o professor do Honrado Elijah Muhammad (e Malcolm X, Clarence 13X, Louis Farrakhan, e diversos outros).

Mestre W. Fard Muhammad fez uma grande demonstração de amor pelos homens e mulheres pretos americanos entrando com ousadia na América, começando no ano de 1910, com o propósito de ressuscitar nosso povo de uma posição deplorável e degradante de ignorância e ódio de si mesmo. Ele tornou seu propósito conhecido publicamente em 4 de julho de 1930 em Detroit, Michigan. Foi em Detroit que ele impactou 25.000 pretos, que ao ouvirem sua mensagem ousada, voluntariamente mudaram seus nomes para novos nomes que ele lhes deu e iniciaram o processo de se divorciar do modo de vida imposto a nós pelas várias manifestações da América de instituições de supremacia branca.

Ele começou a reeducar completamente todos os que o seguiram. Ele nos deu uma maneira de comer alimentos que prolongaria nossas vidas; proibindo especificamente o consumo de carne de porco, necrófagos e a velha dieta da era da plantação de "comida da alma" (soul food). Ele nos deu uma lei que proíbe os vícios comuns que são familiares na sociedade americana. Na verdade, a proibição do álcool, narcóticos, jogos de azar e prostituição tornou-se uma proibição simultânea dos produtos e serviços de várias gangues de criminosos que traficavam nas “quebradas” em Detroit. Digno de nota, é a notória Jewish Purple Gang (Gangue Roxa Judaica). Eles haviam estabelecido 25.000 destilarias ilegais de álcool de “porco cego” na área de Detroit, enquanto o mestre W. Fard Muhammad realizava a obra divina de ressuscitar 25.000 pretos das condições impostas a eles desde os dias da escravidão.

Ele é a razão para a formação da classe Fruto do Islã (FOI) de treinamento masculino. Ele disse ao Honorável Elijah Muhammad para “fazer todos os homens e meninos ingressarem na classe Fruto do Islã, e torná-los lutadores corajosos; dispostos a qualquer momento a dar suas vidas por amor e justiça de Allah.” E nos últimos 89 anos, os homens da Nação do Islã demonstraram a bravura e a coragem que começaram com a mensagem e a obra de Allah, na pessoa do Mestre W. Fard Muhammad.

Ele estabeleceu uma classe para mulheres conhecida como MGT & GCC, que significa Treinamento para Meninas Muçulmanas e Classe de Civilização Geral. Esta classe é um santuário masculino gratuito para mulheres com o propósito de proteger e treinar mulheres para se tornarem as mulheres justas de Deus. E essa classe de mulheres representou, ao longo do século 20 na América, um padrão muito alto de feminilidade que se manteve como a antítese dos retratos negativos das mulheres negras nos estereótipos insultuosos da cultura popular, como tia jemimas, jezebels, safiras e mamães (relacionadas ao erotismo e prostituição).

O Mestre W. Fard Muhammad também orientou o desenvolvimento de um sistema escolar independente para a educação e treinamento de crianças negras. A Universidade Muhammad do Islã (The Muhammad University of Islam) começou durante os primeiros dias da Nação do Islã e existe como um dos modelos de maior sucesso a partir do qual outros sistemas escolares Pretos ou Afro-centrados seguiram um padrão.

Mestre Fard Muhammad fez tudo isso e muito mais. E ele nunca pediu nada em troca. Ele partiu no início de 1935 e colocou a Nação do Islã sob a orientação do muito Honorável Elijah Muhammad. Ele continuou a guiar o Honorável Elijah Muhammad por meio de correspondências e de outras maneiras. Mas ele nunca ordenou que qualquer dinheiro, propriedades ou riquezas fossem enviados a ele. Ele nos deu muito, mas não pediu nada em troca, exceto o comando simples, mas abrangente para seu amado povo de "aceitar o que é seu e ser você mesmo". E tudo isso, apesar de ter sido preso enquanto estava entre nós, pelo fato de as autoridades não quererem que ele pregasse o Islã aos ex-escravos pretos na América.

O nascimento do Mestre W. Fard Muhammad é muito significativo na história do povo preto na América. Em 26 de fevereiro de 1877 é o mesmo dia em que ocorreu o evento conhecido como a grande traição do preto. Um trecho do livro How White Folks Got So Rich (Como o povo branco ficou tão rico) discute esse significado histórico e bíblico:

O Compromisso de 1877 é sem dúvida o evento mais devastador na história dos pretos na América. Foi quando um grupo de políticos se reuniu no Wormley Hotel em Washington, D.C., para tentar resolver o impasse nas eleições presidenciais de 1876 entre Rutherford B. Hayes e Samuel Tilden. Eles concordaram que, se Hayes recebesse a presidência, ele removeria as tropas federais que protegiam os ex-escravos no Sul, e a antiga classe escravista do Sul estaria livre para retornar ao poder e estabelecer novas formas de escravidão sem supervisão ou controle federal." Este é o ponto exato na história americana em que os brancos determinaram que o homem e a mulher preta seriam para sempre um cidadão de segunda classe em todos os aspectos da sociedade americana.

Após doze anos de “emancipação”, os pretos foram devolvidos à escravidão virtual e atribuídos à inferioridade política, social e econômica permanente. Um congressista judeu da Louisiana, William M. Levy, fez o discurso que convenceu os legisladores de que esse ato perverso que os estudiosos chamam de “a grande traição do povo preto” foi a melhor política para a América.

Os pretos haviam feito grandes avanços no desenvolvimento de negócios privados, mas a Ku Klux Klan direcionou esses negócios para a destruição, como em Rosewood, Flórida e Tulsa (Black Wall Street), Oklahoma e muitos, muitos outros lugares menos conhecidos. Os negros perderam bilhões em dólares de investimento para os brancos por meio desses atos de terror. Muitas vezes, as empresas pretas não tinham seguro devido às políticas racistas das seguradoras americanas, de modo que a destruição de uma empresa preta era totalmente irrecuperável. Os brancos não tinham essas deficiências no desenvolvimento de seus negócios.

A parte mais profunda desta história, entretanto, é que no MESMO DIA em que aqueles políticos Brancos decidiram acabar com o progresso dos Pretos para sempre, Allah decidiu que O SALVADOR para os Pretos nasceria. Ambos os eventos - os dois acontecimentos MAIS SIGNIFICATIVOS DA HISTÓRIA DA AMÉRICA PRETA - aconteceram em 26 de fevereiro de 1877!



segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

10 LIVROS ESSENCIAIS SOBRE RASTAFARI



Em tempos tão estranhos, onde se deturpam ideias, conceitos, pilares espirituais, e mensagens. Qualquer dizer é o start, que dá início a um conflito inimaginável na internet, principalmente no facebook. Um caso muito interessante é realmente de um curso rastafári com cobrança. Anos atrás, esse tipo de coisa não existia, mas hoje existe. Não que eu vá dizer para você não fazer ou ir fazer, até porque quem cuida da sua vida e do seu dinheiro é você. 

A verdade é que conhecimento não é 'de grátis', nunca foi. Conhecimento sempre foi algo dispendioso, e se trata de dinheiro e tempo, mas existe algo mais caro e arriscado que é charlatanismo, seita religiosa, proselitismo, sincretismo religioso. E isso é algo perigoso e nunca fez bem a absolutamente ninguém. A moda hoje são os coach's de absolutamente tudo, e nesse tudo hoje, pode incluir o rastafári. 

Agora existe uma forma de você conhecer algo, saber, compilar informações e discutir com pessoas que você confie nas ideias e conhecimento. Mas para discutir, conversar, tirar suas dúvidas e até mesmo contestar informações é preciso ter informações em mãos. Se você assumir que a palavra de alguém é uma verdade absoluta - leia a parábola da verdade; isso pode ser tão perigoso para você, tanto quanto é perigoso para quem te cerca. Leia, estude, conheça, saiba através do seu próprio tempo e de acordo com a sua ambição em conhecer algo mais profundamente.

Eu separei 10 (dez) títulos de livros que você pode ler sobre rastafári - mas existem outras centenas que voê pode escolher para ler. Todos tem seu preço - alguns até com download gratuito aqui no fyadub. Mas esses livros, são algo que vai se tornar seu, e por escolha própria você pode guardar ou compartilhar com quem você quiser. 

Conhecimento reina supremo!
'Na leitura não é necessário ou obrigatório que você concorde com tudo o que lê. Você deve sempre usar ou aplicar o seu próprio raciocínio para o que você leu com base no que você já sabe, como tocar os fatos sobre o que você leu. Obter juízos de valor sobre o que você lê com base nesses fatos. Quando digo fatos quero dizer coisas que não pode ser contestada. Você pode ler os pensamentos que são velhos, e as opiniões antigas e foram alteradas desde que foram escritas. Você deve sempre procurar, para descobrir os mais recentes fatos, e em particular o assunto, e apenas quando esses fatos são consistentemente mantidos, quando você lê, você deve concordar com eles, caso contrário, você tem direito a sua própria opinião.' - Marcus Garvey; Eduque-se


2. The Autobiography of Emperor Haile Sellassie I: King of All Kings and Lord of All Lords; My Life and Ethiopia's Progress 1892-1937 - Vol. 2 (Inglês) Capa comum – 1 março 1999 - https://amzn.to/2Llg4OA

3. Selected Speeches of His Imperial Majesty Haile Selassie I (Inglês) Capa comum – 26 novembro 2011 - https://amzn.to/3sdL2IV  ou free download

4. Message To The People (Inglês) Capa comum – 9 junho 2017 - https://amzn.to/3bzA0YV

5. Philosophy and Opinions of Marcus Garvey [Volumes I & II in One Volume] (Inglês) Capa comum – 19 novembro 2014 - https://amzn.to/3nFyAOY ou free download

6. A Journey to the Roots of Rastafari: The Essene Nazarite Link (Inglês) Capa comum – 2 julho 2014 - https://amzn.to/2LlQmtk

7. The Rastafarians: Twentieth Anniversary Edition (Inglês) Capa comum – 12 dezembro 1997 - https://amzn.to/3nuvDjT

8. The Kebra Negast (The Book of the Glory of Kings), with 15 Original Illustrations (Aziloth Books) (Inglês) Capa comum – Ilustrado, 3 abril 2013 - https://amzn.to/3i4CKPe ou free download

9. Ethiopia and the Origin of Civilization (Inglês) Capa comum – 16 março 2017 - https://amzn.to/38uHRF4

10. The First Rasta: Leonard Howell and the Rise of Rastafarianism (Inglês) Capa comum – Ilustrado, 1 janeiro 2004 - https://amzn.to/35uPJo0

Dentro do grupo do fyadub no facebook, existem já diversos títulos para download, em português e inglês, que você pode fazer o download direto e compartilhar. 

Dúvidas sobre o blog ou alguma informação postada, quer dizer algo, reclamar, elogiar, sugerir: use a página https://fyadub.org/contato/, ou https://www.facebook.com/fyadub.fyashop para mensagem inbox, ou whatsapp 11 99984.4213, ou e mail contato@fyadub.org


terça-feira, 5 de janeiro de 2021

AFROFUTURISMO - 28 FILMES PARA ASSISTIR


O canal de streaming estadunidense 'The Criterion Channel' - uma espécie de Netflix cult, disponibilizou 28 filmes afrofuturistas em seu canal de streaming.  Alguns clássicos como 'Space Is The Place' dirigido por John Coney apresentando Sun Ra e sua orquestra e diversos outros filmes absolutamente recentes. Lista extremamente valiosa culturalmente e relacionada a inovação artística no entretenimento.  Destaque para dois filmes brasileiros (que ainda não vi); 'Once There Was Brasilia'  e 'White Out, Black In' ambos dirigidos por Adirley Queirós. 

Afrofuturismo

Cunhado em 1994 pelo crítico Mark Dery, o termo “Afrofuturismo” tornou-se uma estrutura essencial para a arte sobre experiências pretas imaginárias e alternativas. Como escreve o autor Ytasha Womack, “Afrofuturismo combina elementos de ficção científica, ficção histórica, ficção especulativa, fantasia, afrocentricidade e realismo mágico com crenças não ocidentais”. As ideias afrofuturistas encontraram um terreno fértil no cinema, e esta série expansiva leva os espectadores em uma jornada internacional intergaláctica que remonta a muito antes de o termo existir, e em um futuro distante. Abrangendo animação, documentário e espetáculo de gênero, essas visões exuberantes da criatividade, resistência e liberdade pretas ziguezagueavam pela diáspora africana de Nova York a Brasília, Kinshasa e mundos desconhecidos. Com curadoria de Ashley Clark, a série reúne filmes como Space is the Place: Afrofuturism on Film, que aconteceu no Brooklyn Academy of Music em 2015; com uma sequência planejada para 2020, que foi cancelada devido à pandemia; e uma seleção de títulos totalmente novos, muitos deles disponíveis para streaming pela primeira vez.

A lista de filmes está logo abaixo;  

Introducing Afrofuturism; introdução do diretor curatorial da Criterion, Ashley Clark, foi gravada em 2020

1. Space Is the Place; Dirigido por John Coney • 1974 • Estados Unidos; Estrelando Sun Ra, Barbara Deloney, Raymond Johnson

2. Born in Flames; Dirigido por Lizzie Borden • 1983 • Estados Unidos; Estrelado por Honey, Adele Bertei e Jean Satterfield

3. The Brother from Another Planet; Dirigido por John Sayles • 1984 • Estados Unidos; Estrelado por Joe Morton, Daryl Edwards, Steve James

4. Ornette: Made in America; Dirigido por Shirley Clarke • 1985 • Estados Unidos; Estrelado por Ornette Coleman

5. Yeelen; Dirigido por Souleymane Cissé • 1987 • Mali; Estrelado por Issiaka Kane, Aoua Sangare

6. Welcome II the Terrordome; Dirigido por Ngozi Onwurah • 1995 • Reino Unido; Estrelado por Suzette Llewellyn, Saffron Burrows, Felix Joseph

7. The Last Angel of History; Dirigido por John Akomfrah • 1996 • Reino Unido

8. The Changing Same; Dirigido por Cauleen Smith • 2001 • Estados Unidos

9. Dark Matters; Dirigido por Monique Walton • 2010 • Estados Unidos; Estrelado por Sade Jones

10. The Becoming Box; Dirigido por Monique Walton • 2011 • Estados Unidos

11. Robots of Brixton; Dirigido por Kibwe Tavares • 2011 • Reino Unido

12. Hasaki Ya Suda; Dirigido por Cédric Ido • 2011 • França; Estrelado por Jacky Ido, Cédric Ido e Min Man Ma

13. Native Sun; Dirigido por Terence Nance e Blitz Bazawule • 2011 • Estados Unidos; Estrelado por Edward Dankwa, Marcus Quarshie, Helena Yaboah

14. An Oversimplification of Her Beauty; Dirigido por Terence Nance • 2012 • Estados Unidos; Estrelado por Terence Nance, Namik Minter e Chanelle Aponte Pearson

15. Jonah; Dirigido por Kibwe Tavares • 2013 • Reino Unido, Tanzânia

16. Touch;  Dirigido por Shola Amoo • 2013 • Reino Unido; Estrelado por Tanya Fear, Alexis Rodney, Nina Edwards

17. Twaaga; Dirigido por Cédric Ido • 2013 • França, Burkina Faso; Estrelado por Sabourou Bamogo, Harouna Ouedraogo, Sidiki Diarra

18. Afronauts; Dirigido por Nuotama Bodomo • 2014 • Estados Unidos; Estrelado por Diandra Forrest, Yolonda Ross, Hoji Fortuna

19. White Out, Black In; Dirigido por Adirley Queirós • 2014 • Brasil

20. Crumbs; Dirigido por Miguel Llansó • 2015 • Espanha, Etiópia; Estrelado por Daniel Tadesse

21. You and I and You; Dirigido por Terence Nance • 2015 • Estados Unidos

22. The Golden Chain; Dirigido por Adebukola Bodunrin e Ezra Claytan Daniels • 2016 • Estados Unidos

23. Once There Was Brasilia; Directed by Adirley Queirós • 2017 • Brasil; Estrelado por Wellington Abreu, Marquim do Tropa, Andreia Vieira

24. 1968 < 2018 > 2068; Dirigido por Keisha Rae Witherspoon • 2018 • Estados Unidos

25. Supa Modo; Dirigido por Likarion Wainaina • 2018 • Alemanha, Quênia; Estrelado por Stycie Waweru, Marrianne Nungo e Nyawara Ndambia

26. Zombies; Dirigido por Baloji • 2019 • Bélgica, República Democrática do Congo
Estrelado por Popaul Amisi e Gaelle Kibikonda

27. T; Dirigido por Keisha Rae Witherspoon • 2019 • Estados Unidos; Estrelado por Koko Zauditu-Selassie, Kherby Jean, Jesus Mitchell

28. I Snuck off the Slave Ship; Dirigido por Lonnie Holley e Cyrus Moussavi • 2019 • Estados Unidos
Estrelado por Lonnie Holley, Theotis Taylor


quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

A BOSSA NOVA E O MEDO BRANCO

Johnny Alf
Como mecanismos sutis do racismo acabaram apagando a paternidade de Johnny Alf na criação de um dos mais importantes movimentos musicais do país.


Em 6 de julho de 2019 o Brasil se despedia de um de seus maiores artistas: João Gilberto. Nenhuma dúvida sobre o imenso rombo na cultura brasileira, bem como sobre o inegável talento de João como expoente da nossa música. Todos os veículos de comunicação noticiaram que havia morrido "o pai" da bossa nova. Essa paternidade musical ele dividia com o não menos lendário Tom Jobim. Na época, essa referência massiva ao grande João Gilberto como o pai da bossa nova me chamou para uma reflexão mais aprofundada sobre esse momento histórico de nascimento daquele que ainda hoje é um dos movimentos musicais mais importantes deste país – dentro e fora dele, pois a bossa nova é um dos ritmos mais ouvidos no mundo todo.

Nos dicionários, assim como, grosso modo, na biologia, pai é aquele que fecunda um óvulo a ser gestado. Até aqui, tudo bem, quer dizer, mais ou menos.

Acho muito difícil que alguém neste país não tenha ouvido, ao menos uma vez, o canto sussurrado de João Gilberto, bem como a maestria habilidosa dos dedos de Tom Jobim acariciando o piano. O marco midiático da bossa nova foi a composição "Chega de Saudade", de 1958, escrita pela consagrada parceria entre Tom Jobim e Vinicius de Moraes e gravada primeiro pela diva Elizeth Cardoso, e depois por João Gilberto, que fez o violão em ambas as versões. E aí é que temos um problema. Na verdade temos "o" problema, que é mais comum no Brasil do que julgaria nossa emblemática Garota de Ipanema. Por pesquisas pessoais, descobri que quase uma década antes da célebre gravação que daria a paternidade da bossa nova a João Gilberto, essa aclamada e sofisticada sonoridade e formato musical já tinha emergido do piano pelos dedos habilidosos do senhor Alfredo José da Silva, ou Johnny Alf, brilhante pianista, compositor e intérprete. Uma figura histórica que é menos reverenciada do que sua competência e importância exigem, como podemos concluir pelas palavras do jornalista Ruy Castro para a Folha de S. Paulo em 2016: "O Johnny Alf, sem dúvida, foi um grande precursor da bossa nova, na década de 50. É um processo que já vinha desde os anos 40, pelo menos, a bossa nova era apenas uma inovação em cima de uma bossa brasileira que já existia, a conclusão de um processo evolutivo. E o Johnny Alf, assim como o João Donato, já era bastante evoluído dentro desse processo todo, ou seja, ele já era uma bossa nova dez anos antes da bossa nova".

Nascido em 19 de maio de 1920, no Rio de Janeiro, Alfredo José da Silva perdeu o pai, Antonio, militar combatente da revolução de 1932, quando tinha apenas 3 anos de idade, o que obrigou a mãe Inês Marina da Conceição a trabalhar como doméstica para mantê-lo. Na casa onde a mãe trabalhava, teve a preciosa oportunidade de ter uma boa formação escolar e ainda estudar piano e música erudita já aos 9 anos de idade. Sua inclinação pela música popular negra norte-americana, o jazz, sobretudo pelas charmosas canções que adornavam a sonoplastia do cinema da época, o levou a admirar gênios como Nat King Cole e Cole Porter. Em 1949, entrou para o mundo artístico pelas mãos de Dick Farney e, em 1952, conheceu nas noites musicais cariocas aquele que se tornaria um de seus ilustres pupilos, Tom Jobim. Cerca de 1 ano depois, em 1953, gravaria duas canções que marcariam sua contribuição para a MPB: "Céu e mar" e "Rapaz de bem", sendo esta última considerada precursora da bossa nova.

Mas onde está o problema? Está nessa paternidade musical deslocada de Johnny Alf para João Gilberto. Mais precisamente, está nos motivos do deslocamento dessa paternidade: o racismo. Mas não o racismo nu e cru, aquele que mata a luz do dia um George Floyd ou deixa um Miguel cair do nono andar de um prédio. Falo do racismo nas suas formas camufladas, despercebidas e que, por isso, mesmo são letais. Uma das minúcias do racismo é a exclusão sutil ou a morte simbólica, como bem escreveu Abdias Nascimento em O genocídio do Negro Brasileiro, aquela que acaba por convencer a própria pessoa negra de que sua relevância é nula ou sua relevância nas questões mais importantes é limitada.

Alf era negro, homossexual, de origem pobre e introspectivo, apesar de simpático. Em uma reportagem sobre o verdadeiro pai da bossa nova, feita por Nilton Corazza, músico, jornalista e editor da revista digital Teclas & Afins, resgatei uma fala de Alf justificando a sua pouca aderência ao movimento e a pouca repercussão de seu primeiro trabalho oficial, o disco "Rapaz de bem", lançado em 1961, quando a bossa já estava formalizada (e embranquecida): "Isso talvez tenha sido conseqüência de meu temperamento. Sempre estive afastado da patota, porque sou muito desconfiado das pessoas. Os problemas que tive na vida me criaram dificuldades de relacionamento. Em meio de grupinho, nunca estava seguro."

Em reportagem do The New York Times (ago/20), Nelson Valença, que foi seu produtor por mais de 20 anos disse: "Houve um movimento para promover Tom Jobim, que era rico, branco, jovem, bonito. Talvez ele fosse alguém que poderia ofuscar Tom Jobim."

Além desse movimento de promoção midiática que os privilegiados tiveram, existia também o medo branco, que se manifesta na presença de pessoas negras que demonstram autonomia e personalidade independente, pois Johnny insistia em manter sua liberdade musical, experimentando e tentando sempre inovar e não se deixar cair no senso comum das gravadoras da época, que viam na bossa nova a oportunidade de confrontar o rock'n'roll norte-americano que dominava o mercado fonográfico mundial.

É claro que Johnny Alf teve seu talento reconhecido e em sua carreira contabiliza mais de 80 composições gravadas por grandes nomes como Chico Buarque e Roberto Menescal. Mas não como deveria, já que foi a fonte onde beberam todos os músicos brancos da bossa nova, como Carlos Lyra, Sergio Ricardo e Vinicius de Moraes. Para aquele que foi mestre não só do grande Tom Jobim, que o apelidou de "Genialf", mas do próprio João Gilberto, a parte que lhe foi reservada na história da MPB e, principalmente, da bossa nova é ínfima. Podemos afirmar seguramente que se não fosse "Rapaz de Bem" a história da bossa nova talvez não atingisse o respeito internacional que alcançou. Diferentemente do pai branco aclamado pela mídia, João Gilberto, a morte de Johnny Alf em 2010 não foi tão comentada e poucos se lembraram de que se tratava do verdadeiro precursor da Bossa Nova. O plano de fazer desse movimento um marco nas artes musicais do país, embranquecendo o samba e levando ao mundo um Brasil branco, universitário e feliz, distante da realidade dos morros cariocas, perdura até hoje. Se você perguntar ao fã-clube de Beyoncé ou Rihanna sobre a bossa nova, irá ouvir da maioria esmagadora: "É coisa de branco!", mesmo em meio à demanda por representatividade.

Na questão racial brasileira, há lacunas e invisibilidades que não sabemos, mas que sentimos. A paternidade real da bossa nova, por exemplo, é uma delas. Como disseram os Racionais Mc's em "Da ponte pra cá": É Muita treta pra Vinicius de Morais.


sexta-feira, 18 de agosto de 2017

THE WORLD OF MARCUS GARVEY: RACE AND CLASS IN MODERN SOCIETY (INGLÊS)


Nos anos durante e depois da Primeira Guerra Mundial, o pan-africanista Marcus Garvey liderou o que foi chamado o maior movimento de massa internacional dos negros no século XX. Ele e sua organização, a Associação Universal de Melhoria do Negro (UNIA), construíram uma linha de navio a vapor, expedições patrocinadas para a Libéria, organizaram convenções internacionais anuais, inspiraram muitas empresas comerciais negras, aprovaram candidatos políticos negros e promoveram o estudo da história e cultura negra.

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Judith Stein não escreveu uma biografia convencional, embora Garvey seja o personagem central. O livro é mais um estudo sobre a ideologia e o apelo de Garvey e da UNIA e a base social do seu apoio. Stein examina o movimento de Garvey à luz da dialética da raça e da classe que a moldou. Enquanto outros historiadores descreveram o Garveyism de forma diversificada como um dos direitos dos direitos civis ou Black Power, Stein coloca Garvey e a UNIA cuidadosamente no contexto da política e da economia negra internacionais da época. Ela analisa as maneiras pelas quais a UNIA foi uma resposta à revolta social e política da Primeira Guerra Mundial e suas consequências. Garvey e outros líderes da UNIA fizeram parte de uma elite internacional de negros que aplaudiram o triunfo do capitalismo, embora tenham desrespeitado a discriminação racial da nova ordem, que negou a pessoas como eles lugares de prestígio. Sua resposta à exclusão do mundo econômico ocidental dominante foi a construção de instituições negras modeladas sobre as de elites brancas. A Black Star Line, a empresa de navios a vapor da UNIA, era apenas um empreendimento, e embora o objetivo de Garvey de incorporar a classe trabalhadora negra em seu movimento parecia promissor, brevemente após a Primeira Guerra Mundial, ele finalmente falhou. A promessa do Garveyism, apoiada por ideologias geradas pelos novos movimentos sociais da década de 1920, foi prejudicada pelo esforço condenado dos líderes da UNIA para adaptar um modo de operação burguês a um movimento de massa. O Garveyism foi fatalmente falho pela disjunção final de seus métodos de elite e base de massa.

Além de sua reavaliação de visões padrão de Garvey e Garveyism, Stein lança nova luz sobre o assunto com o uso de novas fontes. Entre as mais interessantes são as entrevistas com sobreviventes de Garveyitas e relatórios sobre Garvey por agentes das organizações de inteligência do governo federal.

Judith Stein é a primeira historiadora a levar a sério o Garveyism e tratá-lo por direito próprio como produto de seu próprio tempo. O estudo resultante deve ser de grande interesse para qualquer pessoa interessada em Garvey, seu período histórico ou as formas em que seu trabalho e ideologia que ainda nos influenciam hoje.

The World of Marcus Garvey: Race and Class in Modern Society
Capa comum: 320 páginas
Editora: LSU Press; Edição: Reprint (1 de janeiro de 1991)
Idioma: Inglês
ISBN-10: 080711670X
ISBN-13: 978-0807116708
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sexta-feira, 13 de maio de 2016

QUILOMBISMO - PARTE 1




QUILOMBISMO: Um conceito científico emergente do processo histórico-cultural da população afro-brasileira

Uma proposta do autor aos seus irmãos afrodescendentes no Brasil e nas Américas, apresentada em trabalho apresentado ao 2º Congresso de Cultura Negra das Américas, Panamá, 1980.

...uma verdadeira revolução racial democrática, em nossa era, só pode dar-se sob uma condição: o negro e o mulato precisam torna-se o antibranco, para encarnarem o mais puro radicalismo democrático e mostrar aos brancos o verdadeiro sentido da revolução democrática da personalidade, da sociedade e da cultura.

- Florestan Fernandes
O Negro no Mundo dos Brancos



Memória: a antigüidade do saber negro-africano

Numa passagem anterior do texto deste livro fizemos menção à urgente necessidade do negro brasileiro em recuperar a sua memória. Esta tem sido agredida sistematicamente pela estrutura de poder e dominação há quase 500 anos. Semelhante fato tem acontecido com a memória do negro-africano, vítima, quando não de graves distorções, da mais crassa negação do seu passado histórico.

A memória dos afro-brasileiros, muito ao contrário do que afirmam aqueles historiadores convencionais de visão curta e superficial entendimento, não se inicia com o tráfico escravo e nem nos primórdios da escravidão dos africanos, no século XV. Em nosso país, a elite dominante sempre desenvolveu esforços para evitar ou impedir que o negro brasileiro, após a chamada abolição, pudesse assumir suas raízes étnicas, históricas e culturais, desta forma seccionando-o do seu tronco familial africano. A não ser em função do recente interesse do expansionismo industrial, o Brasil como norma tradicional ignorou o continente africano. Voltou suas costas à África logo que não conseguiu mais burlar a proibição do comércio da carne africana imposta pela Inglaterra aí por volta de 1850. A imigração maciça de europeus ocorreu daí a mais alguns anos, e as classes dominantes enfatizam sua intenção e ação no sentido de arrancar da mente e do coração dos descendentes escravos a imagem da África como um a lembrança positiva de nação, de pátria, de terra nativa; nunca em nosso sistema educativo se ensinou qualquer disciplina que revelasse algum apreço ou respeito às culturas, artes, línguas e religiões de origem africana. E o contato físico do afro-brasileiro com os seus irmãos no continente e na diáspora sempre foi impedido ou dificultado, entre outros obstáculos, pela carência de meios econômicos que permitissem ao negro se locomover e viajar fora do país. Porém, nenhum desses empecilhos teve o poder de obliterar completamente do nosso espírito e da nossa lembrança a presença viva da Mãe África.


As diversas estratégias e os expedientes que se utilizam contra a memória do negro-africano têm sofrido, ultimamente, profunda erosão e irreparável descrédito. Este trabalho é fruto da dedicação e competência de alguns africanos, a um tempo estudiosos, pesquisadores, cientistas, filósofos, e criadores de literatura e arte, pessoas do continente africano e da diáspora africana. Cheikh Anta Diop, do Senegal; Chancellor Williams, dos Estados Unidos; Ivan Van Sertima e George M. James, da Guiana; Yosef Ben-Jochannam, da Etiópia; Theophile Obenga, do Congo-Brazzaville; Wole Soyinka e Wande Abimbola, da Nigéria, figuram entre os muitos que estão ativos, produzindo obras fundamentais para a África contemporânea e futura. Em campos diferentes, e sob perspectivas diversas, o esforço desses eminentes irmãos africanos se canaliza rumo a exorcizar as falsidades, distorções e negações que há tanto tempo se vêm tecendo com o intuito de velar ou apagar a memória do saber, do conhecimento científico e filosófico, e das realizações dos povos de origem negro-africana. A memória do negro brasileiro é parte e partícipe nesse esforço de reconstrução de um passado ao qual todos os afro-brasileiros estão ligados. Ter um passado é ter uma conseqüente responsabilidade nos destinos e no futuro da nação negro-africana, mesmo enquanto preservando a nossa condição de edificadores deste país e de cidadãos genuínos do Brasil.

A obra fundamental de Cheikh Anta Diop, principalmente seu livro The African Origin of Civilization (versão em inglês de seleções de Nations Nègres et Culture e Antériorité des Civilisations Nègres, originalmente publicados em francês), apresenta uma confrontação radical e um desafio irrespondível à arrogância intelectual, desonestidade científica e carência ética do mundo acadêmico ocidental ao tratar os povos, civilizações e culturas produzidas pela África. Utilizando-se dos recursos científicos euro-ocidentais - Diop é químico, diretor do laboratório de radiocarbono do IFAN, em Dacar, além de egiptólogo, historiador e lingüista - este sábio está reconstruindo a significação e os valores da antigas culturas e civilizações erigidas pelos negro-africanos, as quais por longo tempo têm permanecido obnubiladas pelas manipulações, mentiras, distorções e roubos. São os bens de cultura e civilização e de artes criados pelos nossos antepassados no Egito antigo, os quais eram negros e não um povo de origem branco (ou vermelho escuro) conforme os cientistas ocidentais do século XIX proclamavam com ênfase tão mentirosa quanto interessada. Vejamos como a esse respeito se manifesta Diop:

O fruto moral da sua civilização está para ser contado entre os bens do mundo negro. Ao invés de se apresentar à história como um devedor insolvente, este mundo negro é o próprio iniciador da civilização "ocidental" ostentada hoje diante dos nossos olhos. Matemática pitagórica, a teoria dos quatro elementos de Thales de Mileto, materialismo epicureano, idealismo platônico, judaísmo, islamismo, e a ciência moderna, estão enraizados na cosmogonia e na ciência egípcias. Só temos que meditar sobre Osíris, o deus-redentor, que se sacrifica, morre e é ressuscitado, uma figura essencialmente identificável a Cristo (1974: XIV).


As afirmações de Diop se baseiam em rigorosa pesquisa, em rigoroso exame e rigorosa conclusão, não deixando margem para dúvidas ou discussões. E isto longe de pretender aquele dogmatismo que sempre caracteriza as certezas "científicas" do mundo ocidental. O que Diop fez foi simplesmente derruir as estruturas supostamente definitivas do conhecimento "universal" no que respeita à antigüidade egípcia e grega. Gostem ou não, os ocidentais têm de tragar verdades como esta: "...quatro séculos antes da publicação de A mentalidade primitiva de Lévy-Bruhl, a África negra muçulmana comentava a lógica formal de Aristóteles (que ele plagiou do Egito negro) e demonstrava-se especialista em dialética" (Diop, 1963: 212).

E isto, não esqueçamos, acontecia quase 500 anos antes que ao menos tivessem nascido Hegel ou Karl Marx...

Diop revolve todo o processo da mistificação de um Egito negro que se tornou branco por artes da magia européia dos egiptólogos. Após a campanha militar de Bonaparte no Egito, em 1799, e depois que os hieróglifos da pedra Rosetta foram decifrados por Champollion, o jovem, em 1822, os egiptólogos se desarticularam atônitos diante da grandiosidade das descobertas reveladas.

Eles geralmente a reconheceram como a mais antiga civilização, a que tinha engendrado todas as outras. Mas com o imperialismo, sendo o que é, tornou-se crescentemente "inadmissível" continuar aceitando a teoria evidente até então - de um Egito negro. O nascimento da egiptologia foi assim marcado pela necessidade de destruir a memória de um Egito negro, a qualquer custo, em todas as mentes. Daí em diante, o denominador comum de todas as teses dos egiptólogos, sua relação íntima e profunda afinidade, pode ser caracterizado como uma tentativa desesperada de refutar essa opinião [do Egito ser negro]. Quase todos os egiptólogos enfatizaram sua falsidade como uma questão fechada (1974: 45).


Desta posição intelectual em diante, como procederam os egiptólogos? Como negar a realidade egípcia, essencialmente negra, a qual não apresentava contradições científicas realmente confiáveis ou válidas? Não possuindo argumentos ou razões para refutar a verdade, exposta pelos antigos que viram o Egito de perto, alguns egiptólogos preferiram guardar silêncio sobre a questão; outros, mais obsessivos em seu irracionalismo, optaram pelo caminho da rejeição dogmática, infundada e indignada. De um modo geral, todos "se lamentavam que um povo tão normal como os egípcios antigos pudessem ter feito tão grave erro e desta forma criar tantas dificuldades e delicados problemas para os especialistas modernos" (Diop, 1974: 45).

A pretensiosidade eurocentrista nesse episódio se expõe de corpo inteiro. Lembra o exemplo de um típico escritor do "progressismo" brasileiro, o racista Monteiro Lobato, quando acusa o negro-africano de haver provocado graves problemas para o Brasil com a miscigenação, a tão celebrada mistura de sangues negro e branco... Mas voltemos aos egiptologistas: eles prosseguiram obstinadamente o vão esforço de provar "cientificamente" uma origem branca para a antiga civilização do Egito negro.

Quanto a Diop, compassivo e humano diante do feroz dogmatismo dos egiptólogos brancos, revelou bastante paciência e gentileza explicando-lhes que não alegava superioridade racial ou qualquer gênio especificamente negro naquela constatação puramente científica de que a civilização do Egito antigo fora erigida por um povo negro. O sucesso, explicou-lhe Diop, resultou de fatores históricos, de condições mesológicas - clima, recursos naturais, e assim por diante - somados a outros elementos não-rácicos. Tanto assim foi que, mesmo tendo-se expandido por toda a África negra, do centro e do oeste do continente, a civilização egípcia, ao embate de outras influências e situação histórica diversa, entrou num processo de desintegração e franco retrocesso. O importante é sabermos alguns dos fatores que contribuíram para a edificação da civilização egípcia, entre os quais Diop enumera estes: resultado de acidente geográfico que condicionou o desenvolvimento político-social dos povos que viviam às margens do vale do Nilo; as inundações que forçavam providências coletivas de defesa e sobrevivência, situação que favorecia a unidade e excluía o egoísmo individual ou pessoal. Nesse contexto surgiu a necessidade de uma autoridade central coordenadora da vida e das atividades em comum. A invenção da geometria nasceu da necessidade da divisão geográfica, e todos os demais avanços foram obtidos no esforço de atender uma carência requerida pela sociedade.


Um pormenor interessa particularmente à memória do negro brasileiro: aquele onde Diop menciona as relações do antigo Egito com a África negra, de modo específico com os iorubás. Parece que tais relações foram tão íntimas a ponto de se poder "considerar como um fato histórico a possessão conjunta do mesmo habitat primitivo pelos iorubás e egípcios". Diop levanta a hipótese de que a latinização de Horus, filhos de Osíris e Ísis, resultou no apelativo Orixá. Seguindo essa pista de estudo comparativo, ao nível da lingüística e outras disciplinas, Diop cita J. Olumide Lucas em The religion of the Yorubas, o qual traça os laços egípcios do seu povo iorubá, concluindo que tudo leva à verificação do seguinte: a) uma similaridade ou identidade de linguagem; b) uma similaridade ou identidade de crenças religiosas; c) uma similaridade ou identidade de idéias e práticas religiosas; d) uma sobrevivência de costumes, lugares, nomes de pessoas, objetos, práticas, e assim por diante (Diop, 1974: 184; Lucas, 1978: 18).

Meu objetivo aqui é o de apenas chamar a atenção para esta significativa dimensão da antigüidade da memória afro-brasileira. Este é um assunto extenso e complexo, cuja seriedade requer e merece pesquisa e reflexão aprofundadas, no contexto de uma revisão crítica das definições e dos julgamentos pejorativos que há séculos pesam sobre os povos negro-africanos.


Consciência negra e sentimento quilombista

Numa perspectiva mais restrita, a memória do negro brasileiro atinge uma etapa histórica decisiva no período escravocrata que se inicia por volta de 1500, logo após a "descoberta" do território e os atos inaugurais dos portugueses tendo em vista a colonização do país. Excetuando os índios, o africano escravizado foi o primeiro e único trabalhador, durante três séculos e meio, a erguer as estruturas deste país chamado Brasil. Creio ser dispensável evocar neste instante o chão que o africano regou com seu suor, lembrar ainda uma vez mais os canaviais, os algodoais, o ouro, o diamante e a prata, os cafezais, e todos os demais elementos da formação brasileira que se nutriram no sangue martirizado do escravo. O negro está longe de ser um arrivista ou um corpo estranho: ele é o próprio corpo e alma deste país. Mas a despeito dessa realidade histórica inegável e incontraditável, os africanos e seus descendentes nunca foram e não são tratados como iguais pelos segmentos minoritários brancos que complementam o quadro democrático nacional. Estes têm mantido a exclusividade do poder, do bem-estar e da renda nacional.


É escandaloso notar que porções significativas da população brasileira de origem européia começaram a chegar ao Brasil nos fins do século passado como imigrantes pobres e necessitados. Imediatamente passaram a desfrutar de privilégios que a sociedade convencional do país lhes concedeu como parceiros de raça e de supremacismo eurocentrista. Tais imigrantes não demonstraram nem escrúpulo e nem dificuldades em assumir os preconceitos raciais contra o negro-africano, vigentes aqui e na Europa, se beneficiando deles e preenchendo as vagas no mercado de trabalho que se negava aos ex-escravos e seus descendentes. Estes foram literalmente expulsos do sistema de trabalho e produção à medida que se aproximava a data "abolicionista" de 13 de maio de 1888.

Tendo-se em vista a condição atual do negro à margem do emprego ou degradado no semi-emprego e subemprego; levando-se em conta a segregação residencial que lhe é imposta pelo duplo motivo de condição racial e pobreza, destinando-lhe como áreas de moradias ghettos de várias denominações: favelas, alagados, porões, mocambos, invasões, conjuntos populares ou "residenciais"; considerando-se a permanente brutalidade policial e as prisões arbitrárias motivadas pela cor de sua pele, compreende-se por que todo negro consciente não tem a menor esperança de que uma mudança progressista possa ocorrer espontaneamente em benefício da comunidade afro-brasileira. As favelas pululam em todas as grandes cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Brasília, podem se apontadas como exemplos. A cifra dos favelados exprime em si mesma a desgraça crescente no quociente alto que apresenta. Para ilustrar lembro os dados do Departamento de Serviço Social de São Paulo, publicados pelo O Estado de São Paulo de 16 de agosto de 1970, os quais denunciavam que mais de 60% da população paulistana vive em condições precaríssimas; se não esquecermos de que São Paulo é a cidade brasileira melhor servida de instalações de água e esgoto, poderemos fazer uma idéia mais aproximada das impossíveis condições higiênicas em que vegetam os afro-brasileiros por esse país afora. Em Brasília, segundo a revista Veja de 8 de outubro de 1969, entre os 510.000 habitantes da capital federal, 80.000 eram favelados. Enquanto no Rio de Janeiro a porcentagem de favelados oscila entre 40 a 50 por cento da população. Os racistas de qualquer cor, sob a máscara de "apenas reacionários, dirão que os ghettos existem disfarçados em favelas em várias cidades européias, não sendo um fenômeno tipicamente brasileiro. Certo. A tipicidade está em que a maioria absoluta dos favelados brasileiros, cerca de 95%, são de origem africana. Este detalhe caracteriza uma irrefutável segregação racial de fato. Isto no que concerne à população negra urbana. Entretanto, cumpre ressaltar que a maioria dos descendentes de escravos ainda vegeta nas zonas rurais, escrava de uma existência parasitária, numa situação de desamparo total. Pode-se dizer que não vivem uma vida de seres humanos.


E como sobrevive o segmento citadino da população afro-brasileira? Constitui uma categoria denominada pelo Anuário Estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de "empregados em serviços". Uma estranha qualificação ou eufemismo para o subemprego e o semi-emprego, que rotula quase quatro milhões e meio de brasileiros. (Quartim, 1971: 152). Tal eufemismo surpreende porque nessa classificação se incluem os empregados sem ordenado fixo, isto é, biscateiros vivendo a pequena aventura diária de engraxar sapatos, lavar carros, entregar encomendas, transmitir recado, a venda ambulante de doces, frutas ou objetos, tudo à base da remuneração miserável do centavo.

Este é um retrato imperfeito de uma situação mais grave, a qual tem sido realidade em todo o decorrer de nossa história. Desta realidade é que nasce a necessidade urgente ao negro de defender sua sobrevivência e de assegurar a sua existência de ser. Os quilombos resultaram dessa exigência vital dos africanos escravizados, no esforço de resgatar sua liberdade e dignidade através da fuga ao cativeiro e da organização de uma sociedade livre. A multiplicação dos quilombos fez deles um autêntico movimento amplo e permanente. Aparentemente um acidente esporádico no começo, rapidamente se transformou de uma improvisação de emergência em metódica e constante vivência dos descendentes de africanos que se recusavam à submissão, à exploração e à violência do sistema escravista. O quilombismo se estruturava em formas associativas que tanto podiam estar localizadas no seio de florestas de difícil acesso que facilitava sua defesa e sua organização econômico-social própria, como também assumiram modelos de organizações permitidas ou toleradas, freqüentemente com ostensivas finalidades religiosas (católicas), recreativas, beneficentes, esportivas, culturais ou de auxílio mútuo. Não importam as aparências e os objetivos declarados: fundamentalmente, todas elas preencheram uma importante função social para a comunidade negra, desempenhando um papel relevante na sustentação da comunidade africana. Genuínos focos de resistência física e cultural. Objetivamente, essa rede de associações, irmandades, confrarias, clubes, grêmios, terreiros, centros, tendas, afochés, escolas de samba, gafieiras foram e são os quilombos legalizados pela sociedade dominante; do outro lado da lei se erguem os quilombos revelados que conhecemos. Porém tanto os permitidos quanto os "ilegais" foram uma unidade, uma única afirmação humana, étnica e cultural, a um tempo integrando uma prática de libertação e assumindo o comando da própria história. A este complexo de significações, a esta praxis afro-brasileira, eu denomino de quilombismo.


A constatação fácil do enorme número de organizações que se intitularam no passado e se intitulam no presente de Quilombo e/ou Palmares testemunha o quanto o exemplo quilombista significa como valor dinâmico na estratégia e na tática de sobrevivência e progresso das comunidades de origem africana. Com efeito, o quilombismo tem se revelado fator capaz de mobilizar disciplinadamente o povo afro-brasileiro por causa do profundo apelo psicossocial cujas raízes estão entranhadas na história, na cultura e na vivência dos afro-brasileiros. O Movimento Negro Unificado Contra o Racismo e a Discriminação Racial assim registra seu conceito quilombola ao definir o "Dia da Consciência Negra":

Nós, negros brasileiros, orgulhosos por descendermos de Zumbi, líder da República Negra dos Palmares, que existiu no Estado de Alagoas, de 1595 a 1695, desafiando o domínio português e até holandês, nos reunimos hoje, após 283 anos, para declarar a todo o povo brasileiro nossa verdadeira e efetiva data: 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra! Dia da morte do grande líder negro nacional, Zumbi, responsável pela primeira e única tentativa brasileira de estabelecer uma sociedade democrática, ou seja, livre, e em que todos - negros, índios e brancos - realizaram um grande avanço político, econômico e social. Tentativa esta que sempre esteve presente em todos os quilombos (1978).

A continuidade dessa consciência de luta político-social se estende por todos os Estados onde existe significativa população de origem africana. O modelo quilombista vem atuando como idéia-força, energia que inspira modelos de organização dinâmica desde o século XV. Nessa dinâmica quase sempre heróica, o quilombismo está em constante reatualização, atendendo exigências do tempo histórico e situações do meio geográfico. Circunstância que impôs aos quilombos diferenças em suas formas organizativas. Porém no essencial se igualavam. Foram (e são), nas palavras da historiadora Beatriz Nascimento, "um local onde a liberdade era praticada, onde os laços étnicos e ancestrais eram revigorados" (1979: 17). Esta estudiosa mulher negra afirma ter o quilombo exercido "um papel fundamental na consciência histórica dos negros" (1979: 18).


Percebe-se o ideal quilombista difuso, porém consistente, permeando todos os níveis da vida negra e os mais recônditos meandros e/ou refolhos da personalidade afro-brasileira. Um ideal forte e denso que via de regra permanece reprimido pelas estruturas dominantes, outras vezes é sublimado através dos vários mecanismos de defesa fornecidos pelo inconsciente individual ou coletivo. Mas também acontece às vezes o negro se apropriar dos mecanismos que a sociedade dominante concedeu ao seu protagonismo com a maliciosa intenção de controlá-lo. Nessa reversão do alvo, o negro se utiliza dos propósitos não-confessados de domesticação qual boomerang ofensivo. É o exemplo que nos deixou Candeia, compositor de sambas e negro inteligentemente dedicado à redenção do seu povo. Organizou a Escola de Samba Quilombo, nos subúrbios do Rio de Janeiro, com um profundo senso do valor político-social do samba em função do progresso da coletividade negra. Este importante membro da família quilombista faleceu recentemente, mas até o instante derradeiro ele manteve uma lúcida visão dos objetivos da entidade que fundou e presidiu no rumo dos interesses mais legítimos do povo afro-brasileiro. Basta folhear o livro de sua autoria e de Isnard, e ler trechos como este:

Quilombo - Grêmio Recreativo Arte Negra (...) nasceu da necessidade de se preservar toda a influência do afro na cultura brasileira. Pretendemos chamar a atenção do povo brasileiro para as raízes da arte negra brasileira. A posição do "Quilombo" é principalmente contrária à importação de produtos culturais prontos e acabados produzidos no exterior (1978: 87-88).

Neste último trecho, os autores tocam num ponto importante do quilombismo: o caráter nacionalista do movimento. Nacionalismo aqui não deve ser traduzido como xenofobismo. Sendo o quilombismo uma luta antiimperialista, se articula ao pan-africanismo e sustenta radical solidariedade com todos os povos em luta contra a exploração, a opressão, o racismo e as desigualdades motivadas por raça, cor, religião ou ideologia.


Num folheto intitulado 90 anos de abolição, publicado pela Escola de Samba Quilombo, Candeia registra que "foi através do Quilombo, e não do movimento abolicionista, que se desenvolveu a luta dos negros contra a escravatura" (1978: 7).

E o movimento quilombista está longe de haver esgotado seu papel histórico. Está tão vivo hoje quanto no passado, pois a situação das camadas negras continua a mesma, com pequenas alterações de superfície. Candeia prossegue:

Os quilombos eram violentamente reprimidos, não só pela força do governo, mas também por indivíduos interessados no lucro que teriam devolvendo os fugitivos a seus donos. Esses especialistas em caçar escravos fugidos ganharam o nome de triste memória: capitães-do-mato (1978: 5).

A citação dos capitães-do-mato é importante: via de regra eram eles mulatos, isto é, negros de pele clara assimilados pela classe dominante. Em nossos dias ainda podemos encontrar centenas, milhares, desses negros que vivem uma existência ambígua. Não pelo fato de possuírem o sangue do branco opressor, mas porque internalizando como positiva a ideologia do embranquecimento (o branco é o superior e o negro o inferior) se distanciam das realidades do seu povo e se prestam ao papel de auxiliares das forças repressivas do supremacismo branco. E tanto ontem quanto hoje, os serviços que se prestam à repressão se traduzem em lucro social e lucro pecuniário.


Nosso Brasil é tão vasto, ainda tão desconhecido e despovoado que podemos supor, sem grande margem de erro, que existem muitas comunidades negras vivendo isoladas, sem ligação ostensiva com as pequenas cidades e vilas do interior do país. Serão diminutas localidades rurais, desligadas do fluxo principal da vida do país, e mantendo estilos e hábitos de vida africana, ou quase, sob um regime de agricultura coletiva de subsistência ou sobrevivência. Podem até mesmo usar o idioma original trazido da África, estropiado, é bem verdade, porém mesmo assim linguagem africana conservada na espécie de quilombismo em que vivem. Às vezes podem até ganhar notícias extensas nas páginas da imprensa, conforme ocorreu à comunidade do Cafundó, situada nas imediações de Salto de Pirapora, no Estado de São Paulo. Os membros da comunidade herdaram uma fazenda deixada pelo antigo senhor, e não faz muito tempo as terras estavam sendo invadidas por latifúndiários das vizinhanças. Obviamente brancos, esse latifundários, com mentalidade escravocrata, não podem aceitar que um grupo de descendentes africanos possua uma propriedade imobiliária. Este não é um fato único, mas foi aquele que ganhou maior publicidade, mobilizando os negros paulistas em sua defesa. Ao visitar pela primeira vez a cidade de Conceição de Mato Dentro, em Minas Gerais, em 1975, tive oportunidade de me encontrar com um dos moradores de uma comunidade negra daquelas redondezas semelhante a Cafundó. Também herdaram a propriedade, segundo me relatou o dito morador, negro de 104 anos, ágil de inteligência e de pernas. Caminhava quase todos os dias cerca de 10 quilômetros a pé, e assim mantinha o contato do seu povo com a cidadezinha de Mato Dentro.

O avanço de latifundiários e de especuladores de imóveis nas terras da gente negra está pedindo uma investigação ampla e funda. Este é um fenômeno que ocorre tanto nas zonas rurais como nas cidades. Vale a pena transcrever, a respeito, trechos de uma nota estampada em Veja, seção "Cidades", a 10 de dezembro de 1975, página 52:


Desde sua remota aparição em Salvador, há quase dois séculos, os terreiros de candomblé foram sempre fustigados por severas restrições policiais. E, pelo menos nos últimos vinte anos, o cerco movido pela polícia foi sensivelmente fortalecido por um poderoso aliado - a expansão imobiliária, que se estendeu às áreas distantes do centro da cidade onde ressoavam os atabaques. Mais ainda, em nenhum momento a Prefeitura esboçou barricadas legais para proteger esses redutos da cultura afro-brasileira - embora a capital baiana arrecadasse gordas divisas com a exploração do turismo fomentado pela magia dos orixás (...) E nunca se soube da aplicação de sanções para os inescrupulosos proprietários de terrenos vizinhos às casas de culto, que se apossam impunemente de áreas dos terreiros. Foi assim que, em poucos anos, a Sociedade Beneficente São Jorge do Engenho Velho, ou terreiro da Casa Branca, acabou perdendo metade de sua antiga área de 7.500 metros quadrados. Mas infeliz ainda, a Sociedade São Bartolomeu do Engenho Velho da Federação, ou candomblé de Bogum, assiste impotente à veloz redução do terreno sagrado onde se ergue a mítica "árvore de Azaudonor" trazida da África há 150 anos e periodicamente agredida por um vizinho que insiste em podar seus galhos mais frondosos.

Eis como a sociedade dominante apertou o cerco da destituição, da fome e do genocídio dos descendentes africanos. Até os poucos, as raras exceções que por um milagre conseguiram ultrapassar a fronteira implacável da miséria, ou as instituições religiosas que ocupavam há séculos determinado espaço, se vêem de uma hora para outra invadidos em suas propriedades e usurpados em suas terras!



Quilombismo: um conceito científico histórico-social

Para os africanos escravizados assim como para os seus descendentes "libertos", tanto o Estado colonial português quanto o Brasil - colônia, império e república - têm uma única e idêntica significação: um estado de terror organizado contra eles. Um Estado por assim dizer natural em sua iniqüidade fundamental, um Estado naturalmente ilegítimo. Porque tem sido a cristalização político-social dos interesses exclusivos de um segmento elitista, cuja aspiração é atingir o status ário-européia em estética racial, em padrão de cultura e civilização. Este segmento tem sido o maior beneficiário da espoliação que em todos os sentidos tem vitimado o povo afro-brasileiro ao longo da nossa história. Conscientes da extensão e profundidade dos problemas que enfrenta, o negro sabe que sua oposição ao que aí está não se esgota na obtenção de pequenas reivindicações de caráter empregatício ou de direitos civis, no âmbito da dominante sociedade capitalista-burguesa e sua decorrente classe média organizada. O negro já compreendeu que terá de derrotar todas as componentes do sistema ou estrutura vigente, inclusive a sua intelligentsia responsável pela cobertura ideológica da opressão através da teorização "científica" seja de sua inferioridade biossocial, da miscigenação sutilmente compulsória ou do mito "democracia racial". Essa intelligentsia, aliada a mentores europeus e norte-americanos, fabricou uma "ciência" histórica ou humana que ajudou a desumanização dos africanos e seus descendentes para servir os interesses dos opressores eurocentristas. Uma ciência histórica que não serve à história do povo de que trata está negando-se a si mesma. Trata-se de uma presunção cientificista e não de uma ciência histórica verdadeira.


Como poderiam as ciências humanas, históricas - etnologia, economia, história, antropologia, sociologia, psicologia, e outras - nascidas, cultivadas e definidas para povos e contextos sócio-econômicos diferentes, prestar útil e eficaz colaboração ao conhecimento do negro, sua realidade existencial, seus problemas e aspirações e projetos? Seria a ciência social elaborada na Europa ou nos Estados Unidos tão universal em sua aplicação? Os povos negros conhecem na própria carne a falaciosidade do universalismo e da isenção dessa "ciência". Aliás, a idéia de uma ciência histórica pura e universal está ultrapassada. O conhecimento científico que os negros necessitam é aquele que os ajude a formular teoricamente - de forma sistemática e consistente - sua experiência de quase 500 anos de opressão. Haverá erros ou equívocos inevitáveis em nossa busca de racionalidade do nosso sistema de valores, em nosso esforço de autodefinição de nós mesmos e de nosso caminho futuro. Não importa. Durante séculos temos carregado o peso dos crimes e dos erros do eurocentrismo "científico", os seus dogmas impostos em nossa carne como marcas ígneas da verdade definitiva. Agora devolvemos ao obstinado segmento "branco" da sociedade brasileira as suas mentiras, a sua ideologia de supremacismo europeu, a lavagem cerebral que pretendia tirar a nossa humanidade, a nossa identidade, a nossa dignidade, a nossa liberdade. Proclamando a falência da colonização mental eurocentrista, celebramos o advento da libertação quilombista.

O negro tragou até à última gota os venenos da submissão imposta pelo escravismo, perpetuada pela estrutura do racismo psicossócio-cultural que mantém atuando até os dias de hoje. Os negros têm como projeto coletivo a ereção de uma sociedade fundada na justiça, na igualdade e no respeito a todos os seres humanos, na liberdade; uma sociedade cuja natureza intrínseca torne impossível a exploração econômica e o racismo. Uma democracia autêntica, fundada pelos destituídos e os deserdados deste país, aos quais não interessa a simples restauração de tipos e formas caducas de instituições políticas, sociais e econômicas as quais serviriam unicamente para procrastinar o advento de nossa emancipação total e definitiva, que somente pode vir com a transformação radical das estruturas vigentes. Cabe mais uma vez insistir: não nos interessa a proposta de uma adaptação aos moldes da sociedade capitalista e de classes. Esta não é a solução que devemos aceitar como se fora mandamento inelutável. Confiamos na idoneidade mental do negro, e acreditamos na reinvenção de nós mesmos e de nossa história. Reinvenção de um caminho afro-brasileiro de vida fundado em sua experiência histórica, na utilização do conhecimento crítico e inventivo de suas instituições golpeadas pelo colonialismo e o racismo. Enfim, reconstruir no presente uma sociedade dirigida ao futuro, mas levando em conta o que ainda for útil e positivo no acervo do passado. Um futuro melhor para o negro tanto exige uma nova realidade em termos de pão, moradia, saúde, trabalho, como requer um outro clima moral e espiritual de respeito às componentes mais sensíveis da personalidade negra expressas em sua religião, cultura, história, costumes e outras formas.


A segurança de um futuro melhor para a população negra não se inclui nos dispositivos da chamada "lei de segurança nacional". Esta é a segurança das elites dominantes, dos seus lucros e compromissos com o capital interno ou estrangeiro, privado ou estatal. A segurança da "ordem" econômica, social e política em vigor é aquela associada e inseparável das teorias "científicas" e dos parâmetros culturais e ideológicos engendrados pelos opressores e exploradores tradicionais da população afro-brasileira.

Tampouco nos interessa o uso ou a adoção de slogans ou palavras de ordem de um esquerdismo ou democratismo vindos de fora. A revolução negra produz seus historiadores, sociólogos, antropólogos, pensadores, filósofos e cientistas políticos. Tal imperativo se aplica também ao movimento afro-brasileiro.

Um instrumento conceitual operativo se coloca, pois, na pauta das necessidades imediatas da gente negra brasileira. O qual não deve e não pode ser fruto de uma maquinação cerebral arbitrária, falsa e abstrata. Nem tampouco um elenco de princípios importados, elaborados a partir de contextos e de realidades diferentes. A cristalização dos nossos conceitos, definições ou princípios deve exprimir a vivência de cultura e de praxis da coletividade negra. Incorporar nossa integridade de ser total, em nosso tempo histórico, enriquecendo e aumentando nossa capacidade de luta.

Precisamos e devemos codificar nossa experiência por nós mesmos, sistematizá-la, interpretá-la e tirar desse ato todas as lições teóricas e práticas conforme a perspectiva exclusiva dos interesses da população negra e de sua respectiva visão de futuro. Esta se apresenta como a tarefa da atual geração afro-brasileira: edificar a ciência histórico-humanista do quilombismo.


Quilombo não significa escravo fugido. Quilombo quer dizer reunião fraterna e livre, solidariedade, convivência, comunhão existencial. Repetimos que a sociedade quilombola representa uma etapa no progresso humano e sócio-político em termos de igualitarismo econômico. Os precedentes históricos conhecidos confirmam esta colocação. Como sistema econômico o quilombismo tem sido a adequação ao meio brasileiro do comunitarismo ou ujamaaísmo da tradição africana. Em tal sistema as relações de produção diferem basicamente daquelas prevalecentes na economia espoliativa do trabalho, chamada capitalismo, fundada na razão do lucro a qualquer custo. Compasso e ritmo do quilombismo se conjugam aos mecanismos operativos, articulando os diversos níveis de uma vida coletiva cuja dialética interação propõe e assegura a realização completa do ser humano. Nem propriedade privada da terra, dos meios de produção e de outros elementos da natureza. Todos os fatores e elementos básicos são de propriedade e uso coletivo. Uma sociedade criativa, no seio da qual o trabalho não se define como uma forma de castigo, opressão ou exploração; o trabalho é antes uma forma de libertação humana que o cidadão desfruta como um direito e uma obrigação social. Liberto da exploração e do jugo embrutecedor da produção tecno-capitalista, a desgraça do trabalhador deixará de ser o sustentáculo de uma sociedade burguesa parasitária que se regozija no ócio de seus jogos e futilidades.

Os quilombolas dos séculos XV, XVI, XVII, XVIII e XIX nos legaram um patrimônio de prática quilombista. Cumpre aos negros atuais manter e ampliar a cultura afro-brasileira de resistência ao genocídio e de afirmação da sua verdade. Um método de análise, compreensão e definição de uma experiência concreta, o quilombismo expressa a ciência do sangue escravo, do suor que este derramou enquanto pés e mãos edificadores da economia deste país. Um futuro de melhor qualidade para a população afro-brasileira só poderá ocorrer pelo esforço enérgico de organização e mobilização coletiva, tanto da população negra como das suas inteligências e capacidades escolarizadas, para a enorme batalha no fronte da criação teórico-científica. Uma teoria científica inextricavelmente fundida à nossa prática histórica que efetivamente contribua à salvação da comunidade negra, a qual vem sendo inexoravelmente exterminado. Seja pela matança direta da fome, seja pela miscigenação compulsória, pela assimilação do negro aos padrões e ideais ilusórios do lucro ocidental. Não permitamos que a derrocada desse mundo racista, individualista e inimigo da felicidade humana afete a existência futura daqueles que efetiva e plenamente nunca a ele pertenceram: nós, negro-africanos e afro-brasileiros.


Condenada a sobreviver rodeada ou permeada de hostilidade, a sociedade afro-brasileira tem persistido nesses quase 500 anos sob o signo de permanente tensão. Tensão esta que consubstancia a essência e o processo do quilombismo.
Assegurar a condição humana do povo afro-brasileiro, há tantos séculos tratado e definido de forma humilhante e opressiva, é o fundamento ético do quilombismo. Deve-se assim compreender a subordinação do quilombismo ao conceito que define o ser humano como o seu objeto e sujeito científico, dentro de uma concepção de mundo e de existência na qual a ciência constitui uma entre outras vias do conhecimento.





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Trecho do livro O Quilombismo, 2ª ed. (Brasília/ Rio: Fundação Cultural Palmares/ OR Editora, 2002).






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