As mixtapes de pelo menos uns 5 anos para cá se tornaram meio que um cartão de visita para dj’s, produtores, selos, mc’s, e de tudo que é relacionado principalmente a música alternativa (underground) e também pelos artistas que abrem mão de seus direitos autorais (copyleft/creative commons) cedendo suas musicas cada vez mais para dj’s que cada vez mais vem se especializando nesse tipo de seguimento e produção.
A contra-proposta dos dj’s as compilações e coletaneas genéricas produzidas anteriormente por gravadoras e selos, como famigerados “grandes sucessos” ou “o melhor de”, se tornaram obsoletos após as mixtapes obterem formato, produção, e desenvolverem uma estética própria na forma de apresentação do trabalho, tanto do dj como de cada música escolhida que vai fazer parte dessa mixtape.
Uma mixtape sempre é o reflexo da idealização de quem a produz, ou de quem encomendou a mixtape. Sim, hoje muitos trabalhos realizados em formato de mixtape são feitos a partir da idéia de uma empresa, centro cultural, evento, e o maior interesse na divulgação desse trabalho é estabelecer o vinculo da musica e da marca relativa ao projeto. Determinantemente, algumas mixtapes, acabam estabelecendo um vinculo muito maior do público com a musica, com o dj, ou com quem participou da mixtape, do que com uma musica lançada como single somente em si.
O termo em si, voltou a ser popular há pouco e hoje mixtapes estão em todos os tipos de mídia, cd’s mp3, os extintos MiniDiscs. Mas duas ficaram como precursoras desse formato de produção a partir dos anos 70; foram a fita de 8-Tracks (8-Pistas) a mãe da fita Dat. – também existiam as de 4-Tracks mas não eram muito populares pela qualidade. Depois veio a sua irmã, a fita cassete. Ambas muito semelhantes no formato, mas absurdamente diferentes no preço e qualidade final. No início dos anos 70, a fita 8-Tracks ficou famosa, e ganho um apelido que hoje em dia também está em voga, o chamado Bootleg.
Bootleg é o pai da pirataria da forma que implantaram hoje, a copia, da copia, da copia, e assim por diante (logo escrevo um texto especifico mais profundo sobre Bootleg). Na seqüência da 8-Track, veio a fita cassete. O filme realmente já estava queimado devido as 8-Tracks já ter sua má fama por ser possível gravar e regravar o que se quisesse, sendo assim um risco as gravadoras, já que o recolhimento de direitos autorais e as vendas de discos não eram possíveis com diversas copias sendo feitas nessas fitinhas.
A fita cassete foi lançada pela Philips em 1963, mas o som não era exatamente o que se esperava de um disco. A baixa qualidade e a simplicidade da fita cassete, junto a deterioração da qualidade deram a ela status de subproduto. Na fita cassete era utilizado cromo e metal na fita magnética, o que a deixava fadada a não ter uma alta durabilidade. Mas, antes dela fazer parte do mercado, a possibilidade de criação e gravação caseira era extremamente cara, tanto do produto final (as fitas) quando do equipamento necessário para gravação das mesmas, era necessário um gravador de rolo ou um gravador 8-Track, que tinha um preço razoavelmente absurdo para o consumidor final e do apreciador “normal” de musica.
Já as fitas cassete por ter um custo menor, e ter uma das coisas mais raras na época, a portabilidade. Cresciam em popularidade por serem extremamente simples de manusear, sem a necessidade de muitos recursos e equipamentos técnicos. Para utilizar as fitinhas, bastava ter o gravador, um punhado de fitas e discos, conectar a uma fonte de musica pré gravada, como um rádio ou utilizar os Lp’s, absolutamente fácil e indolor.
No principio, as fitas 4-Tracks e as 8-Tracks eram voltadas a musica e as fitas cassetes, originalmente tocadas em mono, por serem quase que exclusivamente usadas em gravações de voz (lembra das entrevistas que somente se via as mãos dos repórteres com seus gravadores?). A partir dos 70, com alguns recursos a mais, deixando de lado os pequenos gravadores mono, as fitas cassetes se tornaram um dos itens mais preciosos para qualquer apreciador de musica. Portátil, em torno de 60 minutos para serem gravadas e reutilizadas inúmeras vezes, e o preço cada vez mais atrativo.
Com todos os novos recursos, preço, facilidade de manuseio, o formato da fita cassete se tornava um dos predominantes a ponto da 8-Track sumir do mercado a partir dos anos 80 – muitos produtores e seletores principalmente de reggae utilizavam e alguns ainda utilizam a 8-Track para tocar seus sets. Mas as duas peças chave para o crescimento das mixtapes e sua propagação foram os toca-fitas automotivos e o lançamento da Sony em 1979, o Sony Walkman. Sem esses dois equipamentos, a fitinha teria seus dias contados, já que os equipamentos que tocavam as 8-Tracks já eram grandes por natureza e ninguém iria carregar um gravador de fita de rolo na cintura.
As mixtapes propriamente ditas, eram muito distintas das compilações de musicas gravadas em um fita, é possível gravar uma musica de um disco e somar a outras de outros discos, mas até ai isso não consiste em uma mixtape. A mixtape de fato é o registro/gravação de uma idéia, conceito, performance feita (no principio) pelo dj ou de múltiplos artistas envolvidos no mesmo momento da gravação, posteriormente os mc’s e atualmente produtores e selos também se utilizam desse formato como já havia dito antes. Nos anos 70, os melhores dj’s da época como Grandmaster Flash, Afrika Bambaata, Kool Herc (a fundação da Zulu Nation), Breakout, DJ Hollywood, ofereciam por um preço módico gravações feitas em fitas cassete nas festas que faziam. Todas customizadas, com capas individuais (as vezes para o mesmo set) para que os interessados as comprassem. As gravações tinham sempre uma técnica apurada com personalidade do dj que as produzia, e sempre (sempre) eram apuradamente feitas com as passagens no tempo e tinham scratchs, e algumas eram feitas por mais de um dj numa espécie de seletor e turntablista juntos. Muitos dj’s como Spooky, QBert, Shadow, ganharam notoriedade pela suas primeiras mixtapes. Alias, um dos primórdios do remix não foi o dub - sim, também, inegável que a técnica aplicada do dub nas produções contribuiu e muito no batismo do remix, mas a partir do momento que um dj usou o vocal de um disco e mixou com o instrumental de outro disco (o que veio a ser chamado de mash-up atualmente), alterando o tempo e o ritmo, a criação do remix é crucialmente dedicada ao dj, muito mais do que aos produtores.
Nos anos 80, as mixtapes já eram um elemento da cultura Hip Hop. A partir daí, vieram outras formas de mídia, com o advento dos gravadores de cd e a qualidade digital, as fitas cassete foram gradativamente desaparecendo, e sua popularidade foi sendo trocada pelo disquinho metálico. As vantagens não eram muitos no princípio, mas só de estender o tempo de 25 a 30 minutos de cada lado da fita para 80 minutos contínuos se tornou um advento muito importante na escolha da mídia.
Muitos dj’s acabaram sustentando seus trabalhos a partir das mixtapes produzidas e outros somente vieram a ter notoriedade apos a produção das mixtapes servindo como cartão de visita. Hoje nem mesmo fita cassete nem cd’s predominam, a facilidade dos arquivos mp3 e sites que hospedam as mixtapes, fazem com que quem vai produzir e quem vai ouvir escolher qual o melhor formato e a melhor forma de divulgação dos seus trabalhos. Já existe uma enormidade de sites que hospedam mixtapes e o numero de dj’s (novos e antigos) só cresce na produção dos sets e na criatividade. Alguns (como eu ultimamente) ando valorizando mais as mixtapes pelo conceito, a personalidade e a técnica que o dj coloca na mixtape e da criatividade colocada na capa também.
Em meados dos 70, com o advento da disco, alguns lp’s já eram lançados com as musicas mixadas. Inspirados pelas própria mixtapes produzidas pelos dj’s, esses lp’s eram denominados como “non-stop” (não para). E diversos outros artistas se utilizaram desse mesmo formato de produção, desde James Brown a Johnny Cash. Outras denominações como já dito surgiram como compilação e coletânea, eu particularmente ainda não consegui diferenciar uma da outra, mas ambas eram direcionadas a obra de fato do artistas e genericamente uma junção de suas próprias produções. Mesmo com as inspirações as mixtapes acabam por serem unicamente a expressão exata da identidade daquele que a produziu, naquele momento.
A partir das mixtapes, originando as compilações, coletâneas, os lp’s non-stop, a partir da abertura e inclusão digital, surgiu um novo formato que foi o do podcast, similarmente produzido ou voltado a um grupo especifico, podendo ser apenas musical ou ideológico também, mesclando playlists escolhidas a dedo por um programa qualquer, desenvolvido por alguém que sabe mais sobre programação do que sobre musica de fato.
Uma das partes negativas das mixtapes, com o advento de todos os programas e equipamentos de sincronização, descaradamente baseados no trabalho do dj, surgiram os set’s pré gravados. Uma das formas talvez mais falsas e degradantes da profissão (se é que dj é uma profissão hoje em dia). Diversas pessoas hoje, utilizam esse tipo de ferramenta, não levam sequer um disco para um evento, e simplesmente apertam o play para disparar um set pré gravado, agitando os braços e fingindo que tem algo acontecendo de diferente no fone de ouvido.
Enfim, a mixtape é sim um dos formatos mais interessantes de promoção e desenvolvimento, seja de uma assinatura musical, seja de um trabalho, projeto, de uma marca especificamente, ou seja, trate com carinho esse formato que precisa de extrema dedicação e diferentes detalhes para que seja exposta a todos.